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Defensora da "velha Europa"

Soraia Vilela18 de junho de 2003

O Prêmio do Comércio Livreiro alemão deste ano é um sinal de que se pretende reforçar os laços com a face dos EUA que se volta para a Europa. Com a escolha de Susan Sontag, celebra-se a "ponte entre os continentes".

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Susan Sontag: ecos do pensamento europeu em solo norte-americanoFoto: AP

Exatamente no momento em que a Europa discute se possui ou não um núcleo, se é ou não multifacetada e se sua tão propagada União vai além das gavetas dos burocratas de Bruxelas, o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão é concedido à escritora e ensaísta norte-americana que mais se assemelha à velha Europa abominada por Donald Rumsfeld.

Provocação -

A homenagem à "dama negra" da literatura ianque (o título lhe foi outorgado em função de sua devoção a Sartre nos anos 60) pretende ser um registro do engajamento de Sontag em muitas das questões que abalaram, de uma forma ou de outra, a opinião pública nas últimas décadas.

Para a ensaísta que começou sua carreira teorizando sobre a cultura cotidiana e rejeitando um cientificismo sisudo (Contra a Interpretação, Notas Sobre o Camp), discorreu – ela própria vítima de câncer – sobre a Doença como Metáfora, e acaba de lançar um volume de ensaios sobre a percepção do horror e a gênese da fotografia de guerra, um "prêmio da paz" pode soar, como observa o diário Süddeutsche Zeitung, "quase como uma provocação".

Provocação porque Sontag nunca apostou nas fórmulas rápidas de um discurso pacifista alheio à realidade. Suas reflexões costumam desencadear, antes de tudo, o oposto: polêmica, irritação e até agressão por parte de um establishment conservador. Encarnando a posição de "a mais européia entre os escritores norte-americanos", sabe-se que Sontag, aos 14 anos de idade, fôra convidada para tomar chá com Thomas Mann, quando de seu exílio na Califórnia.

Mediadora -

Desde muito, a ensaísta que completou há pouco 70 anos, manteve-se como mediadora entre os universos europeu (e principalmente alemão) e o norte-americano, tendo se empenhado no apoio à recepção da obra de autores como Walter Benjamin, Elias Canetti, E. M. Cioran ou Roland Barthes.

"Ela integrou o público americano no moderno literário, estético e cinematográfico – que, há de se dizer, vêm da velha Europa. E ao mesmo tempo – e isso é o que é especial – provocou reações, de volta, no âmbito de uma discussão européia", observa o jornalista Tilman Krause, crítico literário do jornal Die Welt.

Cumplicidade -

Na tradição de Hannah Arendt – como arrisca o diário Frankfurter Allgemeine Zeitung - Susan Sontag mantém o inconformismo como um dos pilares de seu texto. Acima de tudo, seus ensaios impedem a indiferença do leitor, tornando evidente a cumplicidade do cidadão comum em relação ao status quo político, moral ou mesmo estético.

Entre suas "quase performances públicas" dos últimos tempos, são dignas de registro a encenação de Esperando Godot, de Samuel Beckett, na Sarajevo destruída de 1993. Ou suas declarações sobre o "processo de emburrecimento" do povo norte-americano, causado pela forma como a mídia do país tratou os atentados de 11 de setembro. Ou quando, na postura de filha de judeus, atacou abertamente a ocupação israelense dos territórios palestinos, exatamente no discurso de recebimento do "Prêmio Jerusalém".

Cuba, Iraque, Bush -

Sem falar de sua rápida polêmica com Gabriel García Marquez sobre a Cuba de Fidel Castro e sua postura antibélica durante a invasão do Iraque (quando chamou de besteira o discurso de Bush de "bem contra o mal") e que culminou com o lançamento de seu livro sobre a percepção da fotografia de guerra (Regarding The Pain of Others - Olhando a Dor Alheia). Aqui, a autora analisa o consumo da violência e das atrocidades de um conflito armado como mero espetáculo, onde o olhar sobre a tortura alheia não causa nenhuma espécie de cumplicidade do espectador.

Além fronteiras -

Chamada de "a consciência pública dos EUA", Sontag não abomina o american way of life, mas integra a ele uma visão que vai além das fronteiras do país onde vive. Apesar de todo o estardalhaço em torno do prêmio anunciado na Alemanha, que deverá ser entregue durante a Feira do Livro de Frankfurt, em outubro próximo, é da boca de Ms. Sontag que saíram recentemente as seguintes palavras: "O abismo cultural entre a Europa e os EUA é tão profundo quanto o Grand Canyon". E certamente não há premiação transatlântica que irá mudar esse quadro. Pelo menos não tão cedo.