Decrescimento econômico como solução para clima e pobreza?
28 de junho de 2022Deter a mudança climática e dar fim à pobreza são duas das tarefas mais tremendas com que a humanidade se depara, simultaneamente. Contudo os planos mais bem elaborados para enfrentar esses desafios são perigosamente especulativos: apostar no crescimento verde ameaça superaquecer o planeta, enquanto decrescimento nos países ricos pode piorar a pobreza em outros lugares.
Em 2015, líderes mundiais prometeram tentar restringir, até o fim do século, o aquecimento global a 1,5ºC em relação à era pré-industrial. Contudo as temperaturas disparam em direção a esse limite, que deverá ser ultrapassado dentro de uma década, e as políticas atuais tendem, antes, a um acréscimo de 2,7ºC. Para manter até mesmo esse nível, parte-se do princípio que a humanidade retirará poluentes da atmosfera com tecnologias caras e não comprovadas em ampla escala.
Alarmados, certos cientistas instam os países mais responsáveis pela degeneração do clima a abandonarem sua busca de crescimento econômico e a consumirem menos energia, em grande parte proveniente da queima de combustíveis fósseis. Porém esses defensores do decrescimento não dispõem de modelos científicos detalhados para mostrar o que tais medidas significariam para a pobreza em todo o mundo.
Em abril de 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas publicou uma resenha de soluções climáticas. Segundo Yamina Saheb, uma das principais autoras, "não temos respostas".
Impasse entre crescimento econômico e proteção climática
Os adeptos do crescimento econômico verde – a estratégia adotada pela maioria dos líderes mundiais para enfrentar a mudança climática – querem romper a conexão entre o crescimento dos produtos internos brutos (PIB) e as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Rendas maiores são correlacionadas a padrões de vida mais altos: à medida que os indivíduos ficam mais ricos, eles podem arcar com vidas mais saudáveis e felizes. Contudo, dados de diversas economias nacionais mostram que mais dinheiro significa mais poluição: quanto mais se compra, mais energia se usa, sobretudo queimando combustíveis que sobrecarregam a atmosfera com gases que retêm calor.
A humanidade começou a reverter essa tendência: há décadas, países como a Alemanha e o Reino Unido vêm obtendo crescimento econômico e, ao mesmo tempo, cortando suas emissões carbônicas. Os tomadores de decisões fecharam usinas de carvão, forçaram as fábricas a funcionarem com mais eficiência e produzem eletricidade "limpa", por fontes eólicas e solares.
Uma análise publicada em 2021 indicava que 32 países conseguiram dissociar o crescimento de seu PIB de suas emissões carbônicas. Incluindo-se as emissões envolvidas na fabricação dos artigos importados, esse número caiu para 23.
Em países como o Brasil e a Indonésia, contudo, crescimento e poluição ainda são estreitamente relacionados; e, como mostrou um estudo de 2020, a taxa de dissociação ainda é lenta demais para manter o aquecimento global em 1.5ºC. A lentidão das reformas levou pesquisadores do decrescimento a soarem o alarme.
Segundo Lorenz Keysser, do Instituto de Tecnologia Federal Suíço, em Zurique, para os governos cortarem as emissões rápido suficiente para atingir a meta em questão, seria necessária uma queda do consumo energético tão grande que afetaria os PIBs. E "não é uma meta do decrescimento reduzir o PIB, é só uma consequência antecipada, para que é preciso estar preparado".
Empecilhos tecnológicos
Os adeptos do crescimento verde e do decrescimento concordam que os países pobres devem prosperar, para que os padrões de vida subam. O ponto de discórdia é se o mundo rico – que já emitiu muito mais carbono do que seria sua cota justa – deve também poder crescer.
A ciência não tem uma resposta clara para a questão, por falta de modelos matemáticos aprofundados sobre os efeitos do decrescimento sobre as sociedades. Todos os 3 mil cenários de corte de emissões avaliados no relatório mais recente do IPCC partem do princípio de que as nações seguirão enriquecendo.
Isso criou um impasse para os cientistas que tentam mostrar aos tomadores de decisões como manter a meta de 1,5ºC apesar do aumento da demanda energética e do esgotamento do orçamento carbônico. A solução indicada por seus modelos é ultrapassar essa marca e depois retirar CO2 da atmosfera, e assim baixar as temperaturas globais, mais para o fim do século.
Esse roteiro de crescimento verde sucedido por retirada de dióxido de carbono está integrado nos comprometimentos políticos para alcançar o zero líquido de emissões. Sem as tecnologias de remoção, o orçamento de carbono restante para alcançar o limite de 1.5ºC estaria esgotado por volta de 2044.
Segundo o relatório do IPCC, agora alguma medida de remoção de CO2 será inevitável, a fim de combater as emissões em setores difíceis de limpar. Até o momento, porém, essas tecnologias são caras e não foram testadas nas escalas empregadas nos modelos científicos. Algumas delas exigem áreas tão grandes que diversos cientistas relutam em apostar em seu uso difundido.
Decrescimento dos ricos desacelera combate à pobreza
Os críticos do decrescimento, por sua vez, argumentam que cortar a demanda de energia poderá agravar a pobreza. Os ativistas que exigem o fim do crescimento econômico costumam ignorar a distinção que fazem os acadêmicos entre impor a medida aos países ricos ou aos pobres.
De fato, o resultado líquido de decrescimento dos ricos e crescimento dos pobres pode bastar para que a economia global cresça: tudo é uma questão da escala de crescimento necessária a retirar as populações da pobreza.
"Para chegar sequer perto de um fim da pobreza, é necessário um crescimento muito grande, mesmo num futuro em que a desigualdade estivesse maciçamente reduzida", explica o economista Max Roser, da Universidade de Oxford, diretor da plataforma Our World in Data.
Segundo uma análise publicada em 2021, a economia mundial teria que ser cinco vezes maior para que todos alcançassem uma renda de US$ 30 por dia, que é aproximadamente a linha da pobreza de um país rico. Para os pró-decrescimento, contudo, incrementar a economia é uma má forma de combater a pobreza.
Outro estudo do mesmo ano concluiu que consumindo-se menos energia os líderes mundiais poderiam manter a meta de 1,5ºC e elevar os padrões de vida. Produzir suficiente energia para garantir bons alimentos, moradia, saúde, educação e transporte exigiria um quarto da demanda energética projetada para 2050.
Essa proposta desequilibraria as grandes economias, que consomem muita energia, mas reduziria a pressão sobre o clima. Será muito difícil a humanidade se manter dentro de limites planetários se continuar intensificando a maneira ineficiente de proporcionar bem-estar dos países ricos, adverte o principal autor do estudo, Jarmo Kikstra, especialista em modelagem climática do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicada.
Mais pobreza sem luxo dos ricos?
Certos analistas temem que cortar o crescimento nos países ricos também venha a ter o mesmo efeito sobre os pobres. Parar com consumo de luxo, como modas efêmeras ou férias no exterior, poderia se um golpe nos setores que impulsionam economias da África do Sul ao Sri Lanka.
Pesquisadores do decrescimento rebatem que não estão apenas tentando deter as mudanças climáticas, mas também lutar por justiça econômica. Paralelamente à contenção do crescimento no mundo rico, se deveria adotar políticas de apoio às economias locais dos países pobres e acabar com as relações comerciais desiguais. No entanto não se dispõe de modelos para mostrar esses efeitos.
O economista Fadhel Kaboub, da Universidade Denison, no Ohio, que pesquisa a soberania financeira dos países pobres, propõe que se compense o golpe econômico fazendo as nações mais responsáveis pela mudança climática pagarem reparações, tanto em forma de dinheiro como da tecnologia patenteada necessária à descarbonização: "Estamos realmente falando de um débito climático que precisa ser pago."
Apesar das controvérsias quanto à necessidade de decrescimento, os cientistas são unânimes em que apenas soluções tecnológicas não bastam para dar fim às mudanças climáticas. Nas residências, por exemplo, até agora os avanços de eficiência térmica foram neutralizados pelo aumento do espaço habitado. Nas estradas, a poluição evitada através dos carros elétricos foi anulada pela adoção de veículos utilitários esportivos mais pesados.
O relatório mais recente do IPCC mostrou que medidas para cortar a demanda energética – como voar menos, isolamento térmico das casas e substituir carne por vegetais na dieta – podem reduzir as emissões de 40% a 70%, até 2050.
No documento enfatiza-se a necessidade tanto de políticas para aumentar a suficiência – suprir as necessidades humanas nos limites do orçamento carbônico restante –, quanto de continuar a aperfeiçoar a eficácia tecnológica. "A escolha, hoje, é entre exigir políticas de suficiência já ou continuar com melhoras graduais", comenta Yamina Saheb.