"Podemos chegar a 500 mil mortos na metade do ano", previu o neurocientista Miguel Nicolelis no início de março. O jornal O Globo chamou a previsão de "catastrófica" na época. Agora aconteceu, e dez dias antes do que Nicolelis havia previsto. Muitos especialistas acreditam que o número real de casos seria ainda muito maior. Mas vamos nos ater aos números que temos. E eles já são ruins o suficiente. Somente nos Estados Unidos morreram mais pessoas do que no Brasil.
O presidente Jair Messias Bolsonaro não confia nos números oficiais, mesmo que eles tenham sido confirmados por seu próprio Ministério da Saúde, que, em seu site, também mostra 500 mil mortes por covid-19. Uma semana atrás, porém, Bolsonaro disse ao público evangélico que os números foram alcançados através de uma supernotificação, o que, segundo ele, seria confirmado por documentos do TCU. Ficou provado que isso é mentira. Mas os apoiadores do presidente não estão incomodados e simplesmente continuam divulgando a suposta fraude nos números nas mídias sociais.
Eu fico com os números oficiais. Segundo eles, cerca de duas mil pessoas ainda estão morrendo todos os dias. E parece que está chegando uma terceira onda. As taxas de mortalidade e novas infecções estão novamente em ascensão. Os cientistas da Fiocruz – também uma entidade estatal – declararam esta semana que a "transmissão comunitária" no Brasil é novamente "extremamente alta". Portanto, por enquanto não há um fim à vista para a pandemia. Isso é ruim para as crianças em idade escolar, que não tiveram educação adequada em um ano. E é ruim para os brasileiros que vão para o trabalho todos os dias e correm o risco de serem infectados.
Enquanto amigos e familiares da Alemanha contam como estão felizes com a diminuição do número de infecções e aguardam animados o início do verão, o inverno brasileiro, por outro lado, promete mais tristeza. Tenho um sentimento familiar de que "no Brasil há muitas necessidades, mas pouca urgência". Pouco se age, apesar de haver tantos problemas urgentes.
Falei com Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz, que há anos vem tentando conscientizar as pessoas sobre a urgência de agir. Às vezes eles fixam cruzes de madeira na areia de Copacabana para crianças mortas por balas perdidas, às vezes eles soltam balões para as vítimas do coronavírus. No domingo, eles lembrarão a morte de 500 mil pessoas por coronavírus em Copacabana. Costa reclama das "falhas da nossa cultura, caracterizada pelo improviso e pela falta de espírito público".
Ainda assim, dá para dizer que há luz no fim do túnel, mesmo que pequena? Sim! Na última quinta-feira, 2,2 milhões de doses de vacinas foram administradas no Brasil em 24 horas. Desde o início da pandemia, especialistas sempre me garantiram que o país poderia aplicar entre 2 e 3 milhões de doses por dia. A infraestrutura está em funcionamento há muito tempo, graças ao SUS. Uma vez que vacinas suficientes estivessem disponíveis, diziam, isso aconteceria rapidamente. Aparentemente, isso está finalmente acontecendo.
As perspectivas não são tão ruins assim. Até setembro ou outubro, o mais tardar, todos os adultos poderão ser vacinados. Ou pelo menos aqueles que querem. Tanto Bolsonaro quanto seu filho Eduardo tentaram novamente na última semana abalar a confiança da população em relação às vacinas. "As vacinas da covid não seguiram os protocolos normais e reações adversas têm ocorrido", afirmou o deputado nas mídias sociais. Seu pai fez eco, afirmando que as vacinas "não têm comprovação científica", mas que estão meramente em "estado experimental".
Na Alemanha, também houve escândalos de corrupção em torno da aquisição de máscaras. E os europeus também não têm sido particularmente hábeis na aquisição de vacinas. E, é claro, os políticos de todo o mundo não sabiam o que fazer no início da pandemia. Em todas as partes, houve falhas, erros, tomaram-se caminhos errados. Mas qualquer um que, após quase um ano e meio de pandemia, ainda se agarra a medicamentos comprovadamente ineficazes e questiona a eficácia das vacinas – contra todas as evidências científicas – só pode ser acusado de má intenção.
Ou para usar as palavras da infectologista Luana Araújo: "Ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se estivéssemos discutindo de que borda da terra plana vamos pular."
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.