De consternação à raiva: as reações à eliminação da Alemanha
2 de dezembro de 2022Novo roteiro, mas com o mesmo final. Pela segunda vez consecutiva, a Alemanha está eliminada na fase de grupos da Copa do Mundo. E embora a direção esportiva da Federação Alemã de Futebol (DFB) tenha impulsionado uma reformulação com a troca de treinador e a renovação de boa parte do elenco, a Nationalelf repetiu o desempenho pífio do Mundial de 2018.
Há quatro anos na Rússia, os então detentores do título mundial sucumbiram num grupo com Suécia, México e Coreia do Sul. Desta vez, a Alemanha foi derrotada pelo Japão na estreia, buscou um empate contra sonolentos espanhóis e sofreu para vencer a frágil Costa Rica. Na rodada final no Grupo E, a Alemanha precisava de um tropeço japonês contra a Espanha ou de uma sonora goleada contra a Costa Rica. Ambos não vieram.
Mas se a eliminação precoce da Copa do Mundo do Catar não pode ser considerada tão vexatória quanto a de 2018, ela fez com que a Alemanha igualasse uma marca histórica e inglória da Itália. Assim como a Squadra Azzurra (campeã mundial em 2006 e eliminada na fase de grupos nos dois Mundiais seguintes), a Nationalelf repetiu a campanha de 2018 e se despediu precocemente da Copa do Mundo de 2022.
Como não poderia ser diferente, a eliminação num grupo teoricamente fácil repercutiu negativamente na imprensa esportiva alemã e gerou alguns comentários surpreendentes de jogadores da seleção alemã, além de uma entrevista com um visivelmente irritado Oliver Bierhoff, diretor esportivo da seleção da Alemanha.
Os jornais alemães usaram de adjetivos fortes para retratar a eliminação. Todos destacaram a segunda eliminação consecutiva na fase de grupos como "fiasco", "desastre" e "vexatório". O tabloide Bild estampou sua capa com a manchete "Que embaraçoso! Estamos fora!".
O jornal Die Welt noticiou a eliminação com o título "Fim após a fase de grupos – o desastre alemão está selado". Já a Kicker, principal revista esportiva do país, manteve na chamada um tom menos emocional – "Japão vence, e Alemanha é eliminada da Copa do Mundo" –, mas um dos comentaristas escreveu numa coluna de opinião que "a grande nação de futebol da Alemanha ficou no passado".
Após o apito final no estádio Al Bayt e à medida que chegava a notícia de que a vitória por 4 a 2 contra os costarriquenhos fora insuficiente para evitar a eliminação precoce, as emoções se exacerbaram ainda no gramado.
Müller fala em despedida, Kimmich, em "medo de cair em buraco"
O meia-atacante Thomas Müller – um dos remanescentes do Mundial de 2014 e que soma 121 jogos pela seleção – falou em tom de despedida da Nationalelf. "É um desastre absoluto! Não sei como será daqui para frente. Se esse foi meu último jogo, gostaria de dizer algumas palavras aos torcedores alemães. Queridos, foi um enorme prazer. Tivemos grandes momentos. Tentei deixar meu coração em campo em todos os jogos. Mesmo que não tenha tido sucesso em todas as ações, eu fiz com amor."
O volante Joshua Kimmich foi além e chegou a externar um receio de consequências psicológicas. "Para mim hoje é, acredito eu, o dia mais difícil da minha carreira. Especialmente se olharmos para trás. 2018 foi um fiasco. A Eurocopa do ano passado também. Cheguei em 2016, antes disso a Alemanha sempre chegava às semifinais."
"Então chego e a Alemanha é eliminada duas vezes na fase de grupos. Isso não é tão fácil para lidar. Porque estou pessoalmente associado ao fracasso. Não é algo pelo qual quero ser lembrado. Estou com um pouco de medo de realmente cair num buraco sem fundo", disse o atleta do Bayern de Munique.
Flick cita decepção, mas quer continuar
Já o treinador Hansi Flick foi mais analítico, mas também não escondeu sua frustração e irritação. "Sem palavras, eu não estou. Posso analisar o jogo muito bem. Fiquei muito bravo depois do primeiro tempo. Com a forma como deixamos o adversário crescer no jogo. Mas a eliminação não foi sacramentada hoje, foram os 20 minutos contra o Japão. Não tivemos nenhuma eficiência neste torneio. Claro que a decepção é enorme, temos que processar tudo isso primeiro."
Após a eliminação, Flick e o direitor esportivo Bierhoff foram ao estúdio da televisão pública alemã para uma entrevista pós-jogo – uma tradição na cobertura esportiva na Alemanha. Ambos foram confrontados com perguntas referentes à continuidade em seus respectivos cargos.
"Do meu lado não há razão para não continuar. Gosto do trabalho, temos bons jogadores chegando. Por mim, sigo", disse Flick. Já Bierhoff defendeu seu trabalho na DFB e relembrou os sucessos da seleção alemã durante sua gestão como diretor esportivo – ele é funcionário da Federação Alemã de Futebol desde 2014.
Desde 2018, Bierhoff é responsável pela reestruturação da seleção alemã – uma reestruturação que ainda não trouxe frutos esportivos. Na entrevista, ele obviamente se mostrou consternado, mas também falou sentir raiva com a eliminação. "A decepção é obviamente enorme. E é claro que há raiva. Quem viu os três jogos… Estava em nossas mãos. O primeiro jogo é o que mais me incomoda. Estamos um pouco chocados", disse.
Bierhoff irritado com debate sobre braçadeira
Mas quando o chefe de delegação alemã foi questionado sobre se temas externos ao futebol – especialmente o debate sobre a braçadeira de capitão com a mensagem em defesa aos direitos LGBT, que acabara por ser proibida pela Fifa – influenciaram no desempenho em campo, Bierhoff reagiu irritado.
A repórter da emissora estatal ZDF, Esther Sedlaczek, questionou Bierhoff se ele gerenciou bem a situação com a braçadeira e afirmou que informações de bastidores apontavam que nem todos os jogadores concordaram com o gesto de colocar a mão na boca na foto oficial antes do jogo contra o Japão e que isso causou irritação dentro do elenco.
"Isso definitvamente pode ser discutido num momento oportuno. Mas você realmente acredita que depois de três jogos a braçadeira desempenhou um papel tão importante? Isso [o debate em torno da braçadeira] não é um aspecto na análise esportiva", retrucou Bierhoff.
Mas quando Sedlaczek insistiu se algo pdoeria ter sido feito de forma diferente internamente, Bierhoff adotou um tom mais autocrítico. "Só posso concordar. Poderíamos ter feito melhor, sem dúvida. Nós mesmos sabemos que a situação não foi como queríamos. Mas será que foi decisivo para o desfecho dos três jogos? Isso é outro assunto", concluiu Bierhoff.
Eurocopa de 2024 na Alemanha serve de alento
Tanto Bierhoff quanto Flick descartaram uma renúncia. Mas o presidente da DFB, Bernd Neuendorf, anunciou nesta sexta-feira (02/12), horas antes do embarque para Frankfurt, que haverá uma reunião com o diretor esportivo e o treinador.
"Como não poderia ser diferente, ontem foi uma amarga decepção para nós", disse Neuenrdorf. "A eliminação é extremamente dolorosa. Mas precisamos olhar para frente. Vamos, portanto, iniciar um processo ordenado sobre como lidar com esta situação."
As duas eliminações consecutivas na fase de grupos de uma Copa do Mundo, além da eliminação nas oitavas de final da última Eurocopa, representam a pior fase da história da seleção alemã.
O único alento agora é que a Eurocopa de 2024 será disputada na Alemanha, o que pode facilitar e impulsionar a reabilitação da Nationaelf. E algumas peças jovens, como Jamal Musiala, Youssoufa Moukoko, Kai Havertz, além dos bons Joshua Kimmich, Leon Goretzka e Serge Gnabry, oferecem boas perspectivas e esperança.