David Lynch
22 de novembro de 2009Pela primeira vez o renomado diretor de cinema norte-americano David Lynch se apresenta como artista plástico na Alemanha. A partir deste domingo (22/11), o Museu Max Ernst de Brühl exibe cerca de 140 obras do diretor que iniciou sua carreira nas artes plásticas.
Na mostra David Lynch – Dark Splendor (esplendor sombrio) poderão ser vistas até 21 de março próximo litografias, desenhos, aquarelas, pinturas e fotografias. Uma instalação tridimensional por onde se pode transitar, feita a partir de um desenho de Lynch, também faz parte da exposição. O artista desenvolveu ainda dois trabalhos especialmente para a mostra.
Através de filmes como Veludo Azul e O Homem Elefante e séries televisivas como Twin Peaks, Lynch ganhou fama mundial. Em entrevista à Deutsche Welle, o diretor norte-americano falou sobre seu outro lado artístico, ainda pouco conhecido do grande público.
Deutsche Welle: O Museu Max Ernst de Brühl é o primeiro museu alemão a apresentar seus trabalhos de artes plásticas. Por que o senhor escolheu mostrar ali suas obras?
David Lynch: Max Ernst circulava no campo surrealista e eu amo o surrealismo e o absurdo. Mas a verdadeira razão de eu estar aqui é pelo fato de Werner Spies [o curador] querer me dedicar uma exposição. Eu estou aqui porque este museu existe e é uma grande honra ter uma mostra nele.
Qual a sua relação com a cultura alemã?
Eu sou norte-americano e diz-se que os EUA são o cadinho [melting pot] do mundo. Eu tenho ancestrais alemães. Além disso, eu também tenho uma coisa em comum com os alemães – a paixão por construir coisas. Os alemães constroem tão bem [risos].
A sua mostra apresenta diversos elementos – fotografias, pinturas, instalações, litografias, trabalho de som. Como eles se conectam? Existe um elo de ligação entre eles?
Não há temas. As ideias inspiram as pessoas a sair da poltrona e fazer algo. Eu sempre digo que são as ideias que dizem a você o que fazer e caso você se apaixone por elas, então você se vê transmitindo tais ideias através de um meio, um meio ou outro.
Para nós seres humanos é emocionante captar tais ideias que levam à construção de algo. Existem diferentes coisas, como aquarelas, fotografia de natureza morta, há pintura, escultura, fotografias, como também manipulações de fotografias. Existe uma infinidade de coisas possíveis, mas é a ideia que comanda o barco.
Você iniciou sua carreira pintando e mudou então para o cinema. Por quê?
Eu estava sentado numa pequena sala em Filadélfia, na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, e estava trabalhando no meu pequeno cubículo, pintando a imagem de um jardim à noite. A pintura era quase toda escura, pequenas plantas verdes saltavam do negro. Eu estava recostado, talvez fumando um cigarro e, olhando para o quadro, um vento soprou da pintura e o verde começou a se movimentar, então eu disse "oh, uma pintura movediça..."
E isso levou à construção de algo para o concurso de escultura e pintura experimental que era realizado no final de cada ano. Eu então executei uma enorme sculpture screen, fiz uma animação stop motion de um minuto e a projetei ininterruptamente num grande espaço. Isso me saiu tão caro – 200 dólares – e precisei de muito tempo para fazê-lo. Então eu disse, acabou, é muito caro e queria terminar esse experimento.
Mas um senhor saiu da plateia e me pediu para fazer um para ele e me deu o dinheiro. Então isso me abriu novamente uma porta e ao terminar o trabalho que fiz para tal senhor, eu havia me apaixonado com essa mídia nova que é o cinema.
Seria prudente dizer que algumas pessoas consideram seu trabalho dark. Como você o descreveria?
Eu diria que são ideias que me vieram à cabeça e pelas quais eu me apaixonei. Eu entendo quando as pessoas dizem que é dark, mas para mim existem muitas coisas no ar e pelas reações durante todos esses anos, acho que as pessoas adoram adentrar tais mundos. E caso se tratasse somente de escuridão e negatividade, eu não acredito que as pessoas gostariam de visitá-los. Ali existe algo no ar que não sei exatamente o que é, mas é algo excitante.
Você diria que há algo de misterioso em seu trabalho?
Existem mistérios, e eu adoro mistérios, mas todo mundo adora, como há também algo que atrai. O cinema é ardiloso, ele tem que seduzir o tempo todo. É interessante mostrar um filme a um público antes de finalizá-lo, para testar se ele vai emplacar. Muitas vezes, você tem que fazer mudanças para que a atratividade permaneça.
Assim, você pode ter todas essas ideias, mas no final das contas você tem que senti-las com um público, o que parece estar desaparecendo nos nossos dias. Quando você vê um filme sozinho, em casa, é algo bem diferente. Você é mais tolerante com os filmes e não tem mais tanta disciplina.
A inocência aparece sempre de uma forma ou de outra em seus trabalhos. Sua infância influenciou o artista que você é hoje?
Quem sabe? Minha infância foi como um sonho – foi incrível. Todo dia era uma experiência emocionante. Pode-se dizer que era uma fascinação com o mundo.
Entrevista: Louisa Schaefer
Revisão: Alexandre Schossler