Daniel Libeskind: "Não estamos construindo nenhuma fortaleza"
12 de setembro de 2006DW-WORLD: A construção do Ground Zero é o principal projeto arquitetônico da atualidade. As expectativas em relação ao projeto eram muito elevadas. O senhor se sentiu sob pressão, ou isto foi motivo de inspiração?
Daniel Libeskind: O Ground Zero é o projeto mais importante da história da arquitetura. Todo mundo sabe disso. Todos têm uma opinião sobre ele. Existem sentimentos muito profundos e tanto o significado da reconstrução do Ground Zero quanto a pressão são incrivelmente grandes. Ao mesmo tempo, é inspirador o fato de esta reconstrução não significar somente alguns prédios e algumas áreas amplas. O que está sendo reconstruído aqui é o coração de Nova York. E será reconstruído em lembrança a uma tragédia que abateu Nova York e todo o mundo naquele dia.
Harmonizar a tragédia com a espiritualidade do lugar, criar uma cidade viva e bela que reaja aos atentados de forma criativa e cultural e fazer com que as pessoas voltem a freqüentar aquela região de Lower Manhattan – tudo isso serviu de inspiração e certamente foi um desafio incrível.
Além de ser o arquiteto do Museu Judaico de Berlim, o senhor apresentou uma concepção para o Memorial do Holocausto. Agora é o principal projetista do Ground Zero. Por que a questão da memória o estimula tanto?
A lembrança é possivelmente a dimensão mais profunda da alma humana. Sem ela não poderíamos saber para onde vamos e de onde viemos. Por isso, acredito na importância da memória em qualquer projeto arquitetônico. A lembrança evoca uma tradição e algo do passado que deve ser levado para o futuro. Naturalmente, a memória tem um importante papel tanto no projeto do Museu Judaico quanto no do Ground Zero.
A recordação do 11 de setembro de 2001 modificou o mundo. Desde essa data, vivemos num outro mundo. Por isto, o Ground Zero deve transmitir algo de que as pessoas têm que se lembrar, para que no futuro o mundo tenha um horizonte mais amplo.
O senhor acredita que o 11 de setembro modificou radicalmente a arquitetura?
Sim, definitivamente! Foi um momento em que as pessoas puderam ver as duas faces – a vulnerabilidade do mundo, mas também a esperança que ela oferece em potencial. Viram o que pode acontecer à cidade através do fundamentalismo e do terrorismo. Também viram como uma cidade pode se erguer novamente com todos os valores democráticos e como sua liberdade pode ser reafirmada em face aos atentados.
Em todo caso, a opinião pública ficou entusiasmada. Acredito que a grande opinião pública nunca se interessou tanto pelo que é construído, pelos projetos, pela aparência dos edifícios. Pela primeira vez as pessoas não pensam que a cidade é somente para planejadores, políticos – ou seja, para "pessoas abstratas". Agora elas dizem "a cidade é nossa, das pessoas que vivem nela".
Acho que o Ground Zero e sua reconstrução têm uma imensa influência na forma diferenciada com que as pessoas percebem seu entorno hoje – por todos os cantos do mundo, não somente em Nova York.
Como os familiares das vítimas reagiram ao seu projeto?
Trabalhei de forma bem próxima com os familiares dos mortos. No núcleo do meu projeto há algo bastante atípico: cerca de um terço dos cinco hectares da praça é um monumento e, desde o princípio, decidi-me por não construir nada sobre este terreno. Pois não se trata de "um negócio qualquer". Não se deveria construir nenhum edifício sobre o local, como muitos sugeriram.
Eu queria construir um memorial para criar um lugar de meditação. No coração da área toda está o memorial e em torno dele se erguem os edifícios, onde todas as atividades futuras e o otimismo do futuro deverão se concretizar.
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Cinco anos após o 11 de setembro – é hora de olhar para o passado ou para o futuro?
Eu acredito que não se pode olhar para frente sem olhar para trás e manter viva a memória. O coração daquela área de Manhattan foi destruído e uma grande ferida se abriu no centro de Nova York. O meu plano é trazer de volta a vida, afirmar a vitória da vida no local. Considerando a tragédia que significa a morte de milhares de pessoas, quero fazer valer ali a capacidade de resistência, a beleza e a vivacidade de Nova York.
E também construir um novo bairro, um memorial, naturalmente, mas também um novo terminal de transporte metropolitano, um espaço para novas atividades culturais, onde surgirão novos empregos. Não deve ser, entretanto, como se fosse o passado, mas sim com uma nova idéia de luz e abertura. Ao mesmo tempo, deve ser bonito e impressionante.
Com a altura do prédio principal, o senhor faz alusão ao dia da Independência dos Estados Unidos. Por quê?
Eu queria mostrar que não se trata de mais um prédio ao redor. Trata-se de uma dimensão simbólica. Aí pensei: 1776 [a altura do edifício em pés] – ano da declaração de independência dos Estados Unidos...
Quando as pessoas olharem para o céu, não deverão pensar somente num prédio alto que amanhã talvez verão em Xangai ou Nairóbi. Não, elas deverão pensar que esta data na história do mundo trouxe a democracia. Trata-se da igualdade de direito para todos.
Isto é algo que nunca será superado por nenhum outro edifício, pois o emblema, a "Ponta da Liberdade" no topo do edifício – o governador o chamou de "Torre da Liberdade" – será para sempre um símbolo de Nova York.
O senhor teve que considerar aspectos de segurança que antes do 11 de setembro não tinham importância?
Sim, a segurança é um dos grandes temas na reconstrução do Ground Zero. Após os ataques ao World Trade Center, todos tivemos que repensar a forma de construção dos edifícios. E com certeza é a questão mais importante, pois sabemos como isso será importante no futuro.
Acredito que a tecnologia de ponta seja necessária para tornar os edifícios mais seguros. Ao mesmo tempo, temos que considerar que vivemos numa cidade aberta e democrática. Não estamos construindo nenhuma fortaleza.
O projeto inicial para Ground Zero foi bastante modificado. O que o senhor acha disso?
O meu plano diretor – abstraindo o fato de que eu não sou o arquiteto do principal edifício – ficou relativamente intacto. Naturalmente o plano diretor se desenvolveu, mas continuou fiel ao que Nova York tinha escolhido. O fato de ser um projeto a muitas mãos é verdadeiro. São diversos bons arquitetos, como Frank Gehry, Lord Forster e Rogers. Existe aí uma divisão de tarefas, mas há uma unidade de idéias e de espírito, quando se trata do design que sugeri para o projeto.
Como o 11 de setembro modificou o clima entre os intelectuais em Nova York?
Acredito que infelizmente as tensões do mundo foram transportadas para o nosso meio. Não existe mais nada abstrato. Todos entendemos melhor o que significa globalização. O que significa estar no centro do mundo e reagir a estes ataques. Os políticos ou o Exército reagem de outra forma, mas a arquitetura pode reagir de forma criativa quando ela constrói ou reconstrói algo. Ela pode criar algo positivo.
Quando se observa esta região de Manhattan hoje, nota-se que várias pessoas estão voltando a morar no local. Muitos prédios de escritório estão se convertendo em prédios residenciais. As pessoas sentem que a região não será mais o que era. Será um bairro com arte, onde as pessoas podem empreender coisas. Não será como antes dos atentados.
Como o senhor vivenciou o 11 de setembro?
Foi uma estranha combinação de datas. O 11 de setembro de 2001 foi o dia de abertura do Museu Judaico em Berlim para o público. Naquele dia, fui ao meu escritório e disse a mim mesmo: "Pela primeira vez não preciso pensar sobre o Museu Judaico. Agora ele está aberto". Então acontecem os atentados e uma nova treva se alastrou ao meu redor, ao ver as imagens na televisão naquela tarde.
Vi as imagens e falei para a minha esposa e amigos: "Vou voltar para Nova York, vou voltar para aquela região de Manhattan". Que estranho que eu tenha vindo parar justamente aqui e neste exato momento esteja olhando para Ground Zero, com a responsabilidade de reconstruí-lo.