Da caipirinha aos agronegócios
24 de junho de 2004Depois que o presidente da Confederação da Indústria Alemã (BDI), Michael Rogowski, fez um elogio público à caipirinha no Encontro Econômico Brasil-Alemanha, uma coisa ficou clara para os 400 empresários reunidos nos últimos dois dias em Stuttgart: daqui pra frente, a Alemanha terá dificuldades em rejeitar de forma convincente a compra de derivados da cana-de-açúcar do Brasil.
O desejo brasileiro de exportar em grande escala um desses derivados – o etanol – bem como outros produtos agrícolas para a Alemanha e União Européia, foi um dos assuntos predominantes na reunião de 21 e 22 de junho em Stuttgart. O secretário-adjunto do Ministério alemão da Economia e Trabalho, Ditmar Schaffelt, sinalizou que o país tem interesse em solucinar o problema: “Desejo que o acordo UE-Mercosul seja concluído até outubro, com vantagens para todos, principalmente para as relações Brasil-Alemanha”, disse. “Os verdes alemães [que integram a coalizão governamental com os social-democratas] devem estar com os olhos brilhando, vendo a possibilidade de aproximação com os agronegócios brasileiros”, acrescentou em tom descontraído.
O que está em jogo é mais do que a venda de 1 bilhão de litros de etanol à UE. A Alemanha manifestou interesse num acordo preferencial para importação de soja não transgênica. Outros produtos orgânicos também devem entrar na pauta de exportação brasileira para o mercado alemão.
A Agência Promotora das Exportações (APEX) planeja realizar em conjunto com a cadeia de lojas de departamentos Kaufhof (uma das maiores da Alemanha) uma campanha de divulgação de produtos naturais do Brasil. Além disso, pretende participar com uma delegação de 400 pequenas e médias empresas da Biofach (Feira Internacional de Produtos Orgânicos) de 2005 em Nurembergue.
Eletrônicos e patentes
A diversificação da carteira de exportações é uma das prioridades do governo Lula, disse em Stuttgart o ministro do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan. “Hoje, oito entre dez produtos que o Brasil exporta para a Alemanha são matérias-primas, enquanto nove entre dez dos importados desse país são de maior valor agregado”, disse.
O ministro acredita que esse quadro pode ser mudado. A partir de 2007, o país quer exportar o equivalente a 2 bilhões de dólares em componentes eletrônicos e software, no caso, não só para a UE, mas também para a América Latina e América do Norte. A Siemens, por exemplo, está triplicando a capacidade de produção de sua fábrica de telefones celulares em Manaus.
A ampliação dos negócios nesse setor e também das áreas de biotecnologia e nanotecnolgia ainda esbarra em entraves burocráticos, como é o caso do registro de patentes, que chega a demorar sete anos no Brasil. "Isso é inaceitável, considerando a curta vida útil das novas tecnologias. Às vezes, o registro de patente é concluído, quando o produto já foi substituído por um modelo sucessor", explicou Jürgen Harnisch, do grupo ThyssenKrupp, que chefiou a delegação de empresários alemães em Stuttgart.
O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) quer agilizar esse processo com a contratação de novos funcionários, a modernização de seu sistema de informática e um intercâmbio de pessoal com o Departamento Alemão de Patentes em Munique.
Carros flex fuel
Um outro produto considerado estratégico no comércio bilateral é o carro flex fuel, desenvolvido pelo centro de pesquisas da Bosch do Brasil e que permite a mistura de galosina com qualquer proporção de álcool. "Até 2008, 70% dos veículos produzidos no Brasil devem funcionar com esse tipo de motor – hoje são 25%", diz o presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), Carlo Lovatelli. O cálculo dos brasileiros é simples: a venda do flex fuel aumentaria as exportações do setor automobilístico e, por tabela, forçaria a venda de etanol para a Alemanha. Se os alemães comprarem o carro, vão precisar do combustível.
Segundo o presidente da Câmara Brasil-Alemanha e da DaimlerChrysler do Brasil, Ben van Schaik, há falta de informação na Alemanha sobre o carro flex fuel, cuja fabricação é liderada pela Volkswagen. Também estaria havendo um mal-entendido quanto à capacidade de produção da indústria automobilística brasileira.
"Fala-se que temos 40% de capacidade ociosa, ou seja, que poderíamos produzir 3,2 milhões de veículos por ano, mas isso não confere. Mesmo que quiséssemos produzir mais, não poderíamos, porque os fornecededores de autopeças estão com suas capacidades esgotadas", disse. Segundo dados da Associação Nacional de Frabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), em 2004 o Brasil deve produzir entre 1,8 e 1,9 milhão de automóveis, mais de 500 mil destes para a exportação, representando um aumento de 9% em relação a 2003.
Reinvestimentos e "efeito Roterdã"
Diante do aumento de investimentos alemães no Leste Europeu e na China, nos últimos anos, a delegação brasileira em Stuttgart não poupou esforços para tentar convencer os empresários alemães a voltarem a investir no Brasil, aproveitando as chances oferecidas principalmente nos setores de infra-estrutura, siderurgia, logística e indústria famacêutica.
"Pensem bem: vocês querem embarcar num avião que já põe o trem de pouso para fora, mas não sabe como vai pousar [a China], ou querem embarcar num avião que está na cabeceira de pista para decolar [o Brasil]", advertiu Ingo Plöger, vice-presidente do Fórum Empresarial UE-Mercosul.
Segundo Plöger, a lucratividade dos investimentos no Brasil é uma das maiores do mundo. "A transferência de royalties para o exterior gira entre 7 e 8 bilhões de dólares por ano para um estoque de investimentos de 100 bilhões de dólares", salientou.
Segundo dados da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, os investimentos alemães diretos no Brasil em 2004 devem chegar a cerca de 20 bilhões de dólares. Não estão incluídos nesse valor os reinvestimentos de subsidiárias alemãs no país, nem o chamado "efeito Roterdã" (os bens de capital embarcados para o Brasil através desse porto holandês não aparecem nas estatísticas teuto-brasileiras). E muito menos os recursos que entram através de paraísos fiscais como Luxemburgo ou as ilhas do Caribe. Um outro exemplo: das 13 fábricas do grupo ThyssenKrupp no Brasil, seis foram financiadas via Estados Unidos, disse o presidente da empresa, Jürgen Harnisch.
Independente do valor exato do dinheiro alemão investido no Brasil, duas coisas ficaram evidentes no encontro de Stuttgart: primeiro, o clima para novos investimentos no país é considerado positivo pelos empresários e pode ser aproveitado também pelas pequenas e médias empresas; segundo, os assuntos polêmicos e as divergências bilateriais ainda pendentes tendem a ser resolvidas no âmbito do planejado acordo UE-Mercosul.
Diálogo das sociedades
No mesmo auditório do Banco Estadual de Baden-Württemberg (LBBW), onde ocorreu o Encontro Econômico Brasil-Alemanha, realizou-se nesta quarta-feira (23/06) o congresso inaugural do chamado Diálogo das Sociedades Civis Brasil-Alemanha.
Sob o lema “Responsabilidade e solidariedade na democracia: sociedade – política – economia”, cerca de 60 cientistas, representantes dos governos e de organizações não governamentais discutiram assuntos como “responsabilidade social e ecológica na globalização”, a implementação do Protocolo de Kyoto no Brasil, integração cultural, social e econômica, bem como estratégias para a democracia e a Justiça nos dois países.