Cuba na luta contra as prateleiras vazias
28 de agosto de 2022Rodolfo Cotilla (nome fictício) está irritado: o operário de Havana estava deste as quatro horas da manhã numa fila para comprar manteiga, mas o produto se esgotou bem antes que chegasse sua vez.
A oferta de produtos é um pouco melhor nas casas de comércio em moeda estrangeira, abertas no verão de 2020, mas Cotilla não tem parentes do exterior nem acesso a divisas para comprar nesses locais. "No mercado negro, um pacote de frango custa mil pesos cubanos; uma caixa de ovos, de 800 a 900 pesos. Quem consegue pagar isso?"
Sua família, certamente, não consegue. A filha, que é médica, ganha 5 mil pesos cubanos, o filho, professor universitário, 4 mil, e a esposa, 2.800 pesos. "Com o salário mensal de meu filho podemos comprar dois pacotes e meio de frango e duas caixas de ovos", reclama Cotilla.
Cuba se vê em meio a uma séria crise econômica e de abastecimento, agravada por uma crise energética e pela queda no turismo devido à pandemia de covid-19, além do endurecimento das sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos. A entrada de divisas em Cuba foi interrompida quase que por completo.
As centrais térmicas projetadas pelos soviéticos se encontram em estado deplorável e necessitam de reparos urgentes. Os cortes de luz se tornaram normalidade no país.
Fim de um antigo tabu
Em meados de agosto, o governo anunciou que ampliará grandemente o volume de investimentos estrangeiros no comércio atacadista e varejista. Uma medida notável, uma vez que até agora, era tabu a participação desses investimentos externos no comércio e nas empresas privadas cubanas.
Segundo Havana, o objetivo é melhorar a situação do abastecimento e a oferta de produtos. No comércio atacadista, além de joint ventures são também admitidas "associações econômicas internacionais" e empresas com 100% de capital estrangeiro. A renda gerada por esses negócios se destinará ao fomento à produção nacional e ao apoio à importação de bens a serem vendidos à população em pesos cubanos.
O economista cubano Ricardo Torres, da American University, em Washington, considera tais medidas "parte de uma tentativa apressada de conter a crise econômica em geral, a inflação e a escassez de produtos de todo tipo". Ainda assim, "de certo modo, é um passo na direção correta".
"Apenas um degrau de uma longa escada"
O governo anunciou que, em princípio, dará preferência às empresas que se mantiveram "fiéis" a Cuba durante a crise. No entanto, o país costuma ter muitas dívidas com essas firmas.
Para Torres, esse é um passo que faz sentido, por dois motivos: "as empresas que já estão em Cuba conhecem os problemas do mercado cubano e já 'internalizaram', até certo ponto, seus inconvenientes". Além disso, a participação no programa do governo também poderá ser uma forma de compensação das dívidas.
O economista independente cubano Omar Everleny Pérez, ao contrário, avalia que as dívidas são um obstáculo: "Como uma nova empresa poderá se comprometer, se não está realmente segura de que a pagarão de volta?"
Outro problema é o embargo imposto por Washington: "Num país que está bloqueado pelos EUA, nem toda empresa poderá operar, já que que pode se tonar alvo de sanções." Para Pérez, mesmo não resultando no desejado aumento dos recursos para a economia cubana, as medidas são uma boa ideia: "É um degrau, mas numa longa escada"
Volta do mercado estatal de divisas
Nesta segunda-feira, o governo anunciou que voltaria imediatamente a vender moedas estrangeiras para a população, e portanto também as viajantes em Cuba, na cotação de 120 pesos por dólar americano. Esse câmbio é cinco vezes superior ao oficial, que continuaria valendo para o setor empresarial.
A fim de permitir maior acesso ao mercado financeiro e satisfazer uma demanda que supera de longe a oferta, a venda se limitará a 100 dólares ou o equivalente em outra moeda, e será apenas para pessoas físicas.
O reinício do comércio em moeda estrangeira por parte do Estado cubano é uma tentativa de recuperar o controle desse mercado e frear a inflação. Para o economista Pérez, a medida é "parte do caminho que se deve percorrer", mas ainda insuficiente, por limitar demasiadamente a oferta de moedas estrangeiras.