Cuba e EUA: histórico de uma relação de amor e ódio
19 de julho de 2020O presidente Barack Obama foi quem iniciou o degelo político entre os Estados Unidos e Cuba. Antes de aliviar as restrições a viagens e transferências monetárias, o democrata americano anunciou um "novo começo depois de décadas de desconfiança".
As primeiras conversas diretas entre os líderes de ambos os países ocorreram na Cúpula das Américas de 2015. Obama retirou Cuba da lista de patrocinadores estatais do terrorismo, restabeleceu as relações diplomáticas e até enviou o secretário de Estado John Kerry para reabrir a embaixada americana em Havana.
Em março de 2016, o chefe de Estado em pessoa fez uma visita de três dias à capital cubana, durante a qual seu homólogo Raúl Castro pediu a suspensão total das sanções americanas – a qual não aconteceu.
Na verdade, os desdobramentos foram na direção bem oposta. Em 8 de novembro de 2016, duas semanas antes de Fidel Castro morrer aos 90 anos, Donald Trump venceu a eleição presidencial e começou imediatamente a fazer o relógio andar para trás nas relações cubanas.
Tudo começou com o açúcar
A ilha caribenha voltou a ser considerada Estado terrorista, os EUA dificultam as remessas de dinheiro por residentes cubanos a seu país, e estão bloqueando o fornecimento de medicamentos críticos, apesar da pandemia de covid-19.
O embargo era "só" do açúcar, o principal produto de exportação cubano. Além de bloquear as importações, o presidente Dwight D. Eisenhower aconselhou seus cidadãos a evitarem viajar para o país insular. Washington rompeu oficialmente as relações diplomáticas com Cuba em 3 de janeiro de 1961.
As predições de que as sanções derrotariam Castro e seus revolucionários em curto prazo se provaram equivocadas. Aí, pouco depois de se instalar na Sala Oval, John F. Kennedy tropeçou no desastre da Baía dos Porcos.
O plano, herdado de seu antecessor, era que um grupo de mercenários cubanos exilados tentaria derrubar Fidel, com a ajuda da CIA. Mas quando a invasão diletante foi posta em prática, em 17 abril de 1961, as Forças Armadas Revolucionárias de Cuba lhe deram rápido fim.
Em 24 de março do ano seguinte, Kennedy decretou embargo total sobre Cuba. Em breve o conflito entre EUA e União Soviética escalava, e em outubro, em meio à crise dos mísseis de Cuba, o mundo se viu à beira de uma guerra nuclear total.
Moscou aquiescera ao pedido de Castro para que estacionasse mísseis nucleares em Cuba. Kennedy ordenou um bloqueio naval para impedir que navios soviéticos entregassem novos mísseis, e exigiu o desmantelamento dos que já se encontravam na ilha. Uma confrontação de 13 dias terminou com o líder soviético Nikita Khrushchev cedendo, em troca da promessa americana de não invadir Cuba.
Nos 15 anos seguintes não aconteceu muita coisa. Até que em 1977 um produtor de amendoins de Geórgia tentou uma abordagem diferente: o presidente Jimmy Carter relaxou as restrições de viagem e até abriu uma repartição de Interesses dos EUA em Havana. Cuba retribuiu abrindo escritórios análogos em Washington.
Depois da União Soviética
Carter ainda estava no cargo quando milhares de cubanos ocuparam a embaixada do Peru em Havana. Castro permitiu que partissem, e entre abril e outubro de 1980 ,cerca de 125 mil escaparam legalmente para a Flórida em barcos superlotados. A maior emigração de cubanos ficou conhecida como "Êxodo de Mariel", lembrando o porto de onde as embarcações partiram.
Dez anos mais tarde, as relações de poder no conflito mudaram fundamentalmente. A Cortina de Ferro caíra, a Guerra Fria chegara ao fim, e a protetora de Cuba, a União Soviética, entrara em colapso. O Estado caribenho enfrentou condições duras durante o assim chamado "Período Especial em Tempos de Paz": apagões eram rotineiros, fábricas fecharam, e a falta de gêneros de primeira necessidade fazia parte do dia a dia. Entre 1989 e 1992, a economia cubana reduziu-se à metade.
A essa altura, quem ocupava a Casa Branca era George Bush Sênior, que não perdeu a oportunidade de cortar de vez o oxigênio de Cuba. Em 1992, o Congresso aprovou a Lei de Democracia Cubana, que proibia companhias americanas no exterior de fazerem negócios com a ilha. Foi suspensa a maioria dos voos charter entre Miami e Havana. A lei também dava a Bush o poder de cortar o auxílio a países que cooperassem com Cuba. Porém os serviços postais se mantiveram, e ainda era permitido fazer ligações telefônicas.
Um ano mais tarde, a Assembleia Geral das Nações Unidas instou os EUA a cancelarem o embargo, por 88 votos a quatro e 57 abstenções. Quando, em 1994, milhares de cubanos voltaram a tomar as ruas para protestar contra as duras condições de vida, mais uma vez Fidel abriu a válvula do êxodo em massa, a fim de liberar a pressão. Cerca de 33 mil cidadãos imediatamente fugiram para a Flórida em balsas de fabricação caseira, valendo ao evento o apelido de Crise dos Balseiros.
Idílio democrata... e Trump
Na esteira dessa crise, Washington concordou em liberar 20 mil vistos por ano para os cubanos. Em maio do ano seguinte essa nova política foi apelidada "pé molhado, pé seco": se conseguissem de fato alcançar os EUA – ou seja, chegassem "de pé seco" –, os refugiados podiam ficar; mas se fossem resgatados nos mar, eram devolvidos a Cuba.
O presidente democrata Bill Clinton estava pronto a aliviar o embargo, chegando a anunciar que vetaria a Lei Helms-Burton, aprovada pelo Congresso. Mas aí Cuba abateu dois aviões de passageiros com quatro cubanos exilados a bordo, e em 1996 Clinton assinou a lei.
Em 2004, seu sucessor, George W. Bush, endureceu novamente as restrições de viagem, e cubanos ou cidadãos americanos de origem cubana só podiam visitar suas famílias a cada três anos, em vez de anualmente. Em 2008, um Fidel Castro debilitado entregou o controle do país ao irmão Raúl. Mais uma vez a ONU votou pelo fim do embargo, agora com apenas três votos contrários, mas também sem efeito concreto, pois a moção era não vinculativa.
Ao restabelecer relações diplomáticas em 20 de julho de 2015, Raúl Castro e Barack Obama despertaram grandes esperanças. O progresso subsequente no sentido de reaproximar Cuba e os Estados Unidos é considerado uma das maiores conquistas da presidência Obama na política externa – um progresso rapidamente anulado pelo republicano Donald Trump.