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Crise na Volkswagen ameaça cidade-sede da gigante alemã

Nadine Mena Michollek
21 de outubro de 2024

Na próspera Wolfsburg, no norte do país, quase todo mundo trabalha para a VW ou tem negócios que dependem da empresa. Perspectiva de cortes angustia moradores, que temem que cidade vire museu industrial.

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Fábrica da Volkswagen em Wolfsburg, com quatro longas chaminés e logomarca da empresa
As quatro chaminés da fábrica da Volkswagen, em Wolfsburg, podem ser observadas assim que se chega à cidadeFoto: picture-alliance/dpa/M. Schreiber

Quando se chega de trem à cidade de Wolfsburg, na Baixa Saxônia, no norte da Alemanha, a primeira coisa que se enxerga são quatro gigantescas chaminés que despontam de um enorme edifício industrial de tijolos marrom-avermelhados, adornado com o logotipo da Volkswagen (VW) em azul e branco. É uma das maiores fábricas de automóveis do mundo. 

Construída na primeira metade do século 20, Wolfsburg é uma das poucas cidades alemãs planejadas: foi projetada para um propósito e erguida em uma área, até então, não urbanizada.

Fundada pelo regime nazista de Adolf Hitler em 1º de julho de 1938, Wolfsburg foi erguida para abrigar os trabalhadores que produziam o chamado KdF-Wagen – protótipo do Fusca, era um carro de baixo custo e acessível que foi construído até 1945 para agradar às massas e também como parte da organização Kraft durch Freude (Força através da Alegria), do Terceiro Reich, focada em organizar e controlar as atividades de lazer da população alemã.

Wolfsburg existe por causa da fábrica de automóveis da Volkswagen, e há quem diga que, se a VW adoecer, Wolfsburg será a primeira cidade a ser hospitalizada.

A imagem aérea mostra o extenso parque industrial de Wolfsburg, cidade que fica no norte da Alemanha e tem pouco mais de 120 mil habitantes.
O parque industrial da Volkswagen, em Wolfsburg, cidade de pouco mais de 120 mil habitantes localizada no norte da AlemanhaFoto: picture-alliance/dpa/M. Leitzke

Sonhos desfeitos

A iminente crise da Volkswagen é o principal assunto do município, já que a maior montadora da Europa planeja, pela primeira vez em sua história, fechar fábricas na Alemanha e demitir milhares de trabalhadores.

De um total de 120 mil pessoas que vivem em Wolfsburg, mais de 60 mil trabalham para a VW, onde os salários estão acima da média, tornando os custos trabalhistas os mais altos do setor automobilístico, com cerca de 62 euros (67 dólares) ganhos por uma hora de trabalho em 2023.

Contrariando a lógica da crise, a agente imobiliária Kristin Rößer afirma que o sonho da família alemã, de ter uma casa com jardim e um carro, segue vivo. A afirmação foi feita enquanto mostrava uma residência em estilo bangalô que, segundo ela, é bastante tradicional entre muitos trabalhadores da VW em Wolfsburg. Um divisor de ambientes, piso laminado de cor petróleo e azulejos amarelos na cozinha remetem à época em que muitas dessas casas foram construídas, nos anos 1960. Eram os anos dourados para a VW, lembra Rößer, que sempre viveu em Wolfsburg.

Atualmente, no entanto, ela também sente a incerteza que toma conta da cidade, com alguns trabalhadores da VW ligando para "vender suas casas antes que o valor caia", como ela diz. Outros clientes cancelaram contratos de compra de casas antes mesmo de se mudarem.

"As pessoas estão hesitando em comprar uma casa nova e querem manter o dinheiro guardado até saberem qual será a decisão da VW", afirma.

Em 2023, a empresa, que agrupa 10 marcas de automóveis, ainda registrou lucros sólidos, totalizando mais de 18 bilhões de euros, e pagou 4,5 bilhões de euros em dividendos aos acionistas. Mas a administração da VW lançou um programa de eficiência no ano passado com o objetivo de economizar 10 bilhões de euros até 2026 para aumentar a competitividade.

Em agosto de 2024, no entanto, a gerência informou que medidas mais duras eram necessárias, incluindo, possivelmente, o fechamento de duas fábricas e cortes profundos de até 120 mil funcionários na Alemanha.

A imagem mostra vários Fuscas, de diferentes cores, lado a lado, no Museu da Volkswagen em Wolfsburg, Alemanha.
Em Wolfsburg, indústria e história automobilísticas atraem cerca de 300 mil turistas por anoFoto: Nadine Mena Michollek/DW

Silêncio nos portões

Em uma tarde outonal de outubro, o sol ilumina suavemente o portão 17 da VW. Às 14 horas, centenas de trabalhadores passam por ele depois de terminarem o turno da manhã. Eles vestem macacões brancos e blusões ou camisas com o logotipo da empresa.

Enquanto se dirigem ao enorme estacionamento ao lado da fábrica, o humor parece contido, e quase ninguém quer falar ou ser fotografado.

Em meio à maciça cobertura midiática sobre os problemas da VW nas últimas semanas, a maioria deles não está disposta a responder às mesmas perguntas. É claro que os trabalhadores temem por seus empregos, afirma um deles, enquanto outro acrescenta que tudo o que eles podem fazer agora é permanecer confiantes sobre o futuro da montadora: "Sobrevivemos a muitas crises, sobreviveremos a essa também", diz.

Com uma renda média de 5.238 euros mensais (R$ 32,3 mil), Wolfsburg tem uma das populações urbanas mais ricas da Alemanha, perdendo apenas para Ingolstadt, onde fica a sede da montadora Audi.

Tempos mudando em Wolfsburg

Os impostos comerciais cobrados sobre os enormes lucros da VW tornaram Wolfsburg rica, mas agora a cidade dá sinais de declínio econômico.

O centro da cidade, cercado por largas ruas com muitas vagas de estacionamento, está deserto na tarde ensolarada. Alguns pedestres caminham pela Porschestraße (Rua Porsche), mas a maioria encontra vitrines vazias, algumas lojas de baixo custo e as luzes piscantes de uma provável casa de apostas.

Os poucos cafés e bares ao longo do bulevar também não estão tão ocupados quanto deveriam para uma tarde quente de outubro.

Djuliano Saliovski diz que, há pouco tempo, muitos de seus clientes costumavam vir para jantar uma vez por semana, mas agora costumam aparecer apenas uma vez por mês.

Refugiado de Kosovo, Saliovski e sua esposa abriram um hotel com restaurante em Wolfsburg há vários anos e são populares entre os frequentadores, cumprimentando a maioria deles pessoalmente pelo nome.

A pandemia de covid-19 já havia reduzido significativamente o número de clientes, diz ele, "mas agora há menos ainda". Nesta época, já haveria muitas reservas para o Natal, mas este ano não está assim, observa.

Ainda assim, Saliovski acredita que a situação vai "se reverter". Ele até planeja expandir seus negócios em Wolfsburg adquirindo um novo prédio.

Medo de virar museu industrial

Os dias gloriosos da produção de carros em Wolfsburg estão em exibição no Museu da Volkswagen, na Dieselstraße (Rua do Diesel). A exposição de carros antigos apresenta todos os modelos mais populares da empresa, a exemplo do Fusca, que foi produzido mais de um milhão de vezes entre 1938 e 2003, ou a Kombi, o furgão preferido dos hippies do final dos anos 60.

O museu é atração obrigatória para os turistas, que chegam a um total de 300 mil em Wolfsburg todos os anos. Outra atração é a chamada "Autostadt" (cidade do automóvel): um parque temático automotivo de 28 hectares que oferece uma ampla visão do "mundo da mobilidade" e é também o local onde mais de três milhões de motoristas receberam as chaves de seus novos Volkswagen até hoje.

O número de turistas impressiona, mas cada vez menos pessoas vêm visitar a cidade, declarou um motorista de táxi à DW, observando que, há alguns anos, as empresas de táxi "mal conseguiam lidar com a demanda de turistas e viajantes a negócios".

Seria isso um sinal de que os dias de Wolfsburg como capital europeia da produção de automóveis estão contados? É possível que a Volkswagen, líder em vendas há até alguns anos, não esteja conseguindo conquistar clientes suficientes para seus veículos elétricos, que, supostamente, são o futuro do setor?

O taxista tem uma opinião clara sobre a empresa e sua liderança global na era dos motores a combustão: "Esses tempos já se foram há muito tempo", diz, acrescentando que acredita que a situação pode "piorar ainda mais".