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"Criptomoedas são esquema de pirâmide, não servem para nada"

16 de março de 2023

Em entrevista, professor da Unicamp Jorge Stolfi explica por que moedas virtuais como o bitcoin não geram valor. E o comércio delas beneficia apenas quem está no topo do sistema.

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Mão segurando moeda com símbolo de bitcoin
Valor total dos bitcoins em circulação é de US$ 400 bilhões, que, segundo o professor Stolfi, não valem nadaFoto: Zeferli/IMAGO

Em 2014, no início da febre das criptomoedas, o cientista da computação Jorge Stolfi foi surpreendido com uma provocação. "O bitcoin é o novo Telexfree?”, perguntou no Twitter um dos seus seguidores.

A questão fez o professor titular da Unicamp e Ph.D. pela Universidade de Stanford iniciar uma investigação quase solitária sobre o funcionamento dos blockchains e a essência das criptomoedas.

Atualmente, Stolfi faz parte de um número crescente de críticos das moedas virtuais, que hoje têm entre seus maiores investidores nomes de peso como o bilionário Elon Musk. Mas, para o professor brasileiro, o bitcoin, o Ethereum, o Thether ou o USD Coin, por exemplo, não têm nenhum valor intrínseco e são inúteis até mesmo para efetuar transações.

E, em resposta à pergunta feita há oito anos, Stolfi não tem dúvidas: para ele, do mesmo modo que a Telexfree – uma das maiores fraudes financeiras da história do país –, as moedas virtuais não passam de esquemas de pirâmide.

"Todos os bitcoins em circulação somam 400 bilhões de dólares. Mas isso é imaginário, porque não tem nada em nenhum lugar que valha um real. Uma hora dessas as pessoas vão perceber isso e vender tudo antes que os outros percebam", afirma Stolfi.

Em entrevista à DW Brasil, ele explica por que as criptomoedas não geram valor e o comércio delas beneficia apenas quem está no topo do sistema, qual sua relação com outros esquemas Ponzi e um certo tipo de ideologia política. E por que estão fadadas a, um dia, entrar em colapso.

Brasilien |	Jorge Stolfi
Jorge Stolfi é professor titular da Unicamp e Ph.D. pela Universidade de Stanford iFoto: Jorge Stolfi

DW Brasil: O senhor afirma que criptomoedas são esquemas de pirâmide. Por quê?

Jorge Stolfi: Quando você investe em criptomoedas, a única maneira de receber o dinheiro de volta é com um outro investidor colocando dinheiro, porque não há nenhuma fonte que possa dar esse dinheiro de volta.

É bem diferente de uma ação. Nesse caso, a empresa cria riquezas, presta serviços, gera dinheiro – e o lucro que vem disso pertence aos acionistas e investidores. Essa é a ideia básica do investimento produtivo.

Na pirâmide financeira, você tem uma estrutura em que o seu nome vai subindo e, quando chega lá em cima, você ganha um monte de dinheiro, mas porque ele vem de outros que investiram na pirâmide.

Suponha que você compre um bitcoin por 20 mil dólares e venda por 50 mil dólares. Você ganhou 30 mil dólares. Mas por quê? Por que alguém comprou o seu bitcoin por 50 mil dólares. Esses 30 mil dólares não vieram de uma atividade produtiva; no caso de um sistema, é puramente transferência.

A rede de bitcoin não tem absolutamente nada. Uma empresa tem fábricas, logística, produtos, patentes, todas essas coisas pertencem aos donos das ações, qualquer lucro pertence aos acionistas. No caso de criptomoedas, não tem bens, não tem produtos, não tem nada.

Qualquer dinheiro que você coloca, quando compra bitcoin, vai imediatamente para o bolso do investidor ou do minerador, que está no topo da pirâmide.

E ninguém percebeu ainda esse esquema?

Quem entende de investimento, quando vai investir em ações de uma empresa, a primeira coisa que pergunta é como são as finanças da empresa, quantos produtos ela vende e qual o lucro dos últimos anos.

Investidores que entendem o que estão fazendo fazem essa conta. Mas quem investe em bitcoin não é esse tipo de investidor. É o pessoal que não entende essa lógica, não consegue nem entender que tem investimentos produtivos e tem esquemas Ponzi ou de pirâmides – e que vale a pena investir no primeiro, mas que tem que ficar longe do segundo.

Há quem esteja consciente de que é um esquema-pirâmide, mas pensa em sair na hora certa e ganhar dinheiro com isso. Muitos dos grandes investidores com certeza entendem isso e se acham espertos, e que vão conseguir ganhar nisso.

Então se as pessoas param de jogar esse jogo...

O preço do bitcoin é um número aleatório, porque quem está investindo a longo prazo não tem a menor ideia de qual é o preço real. O gráfico do bitcoin tem coisas que você não vê em ações de empresa.

O pessoal que está fazendo trading está comprando e vendendo, comprando e vendendo, então o preço está mexendo aleatoriamente. Aí, de repente, alguém faz uma grande compra, e o preço vai lá para cima, e os jogadores, em vez de voltarem para aquele preço anterior, continuam transacionando nesse novo preço, simplesmente porque eles não têm a menor ideia de qual preço estava certo. O mesmo acontece com alguém que vende muito, e o preço vai lá embaixo.

Você não vê isso em ações, porque quando há uma grande compra e o preço sobe, os investidores veem que o preço está alto demais e aí vendem, e o valor da ação volta para o nível normal.

Tem horas que ações também caem, se por exemplo foi descoberto um defeito nos carros de uma montadora, e a empresa vai ter um prejuízo para consertá-los. Em bitcoin, não há essa referência por preço: é um número aleatório. O preço sobe porque tem muita gente dizendo que o preço vai subir mais.

Mas um dia todo esquema de pirâmide entra em colapso, porque não tem nada lá dentro. Hoje, todos os bitcoins em circulação somam 400 bilhões de dólares. Mas isso é imaginário, porque não tem nada em nenhum lugar que valha um real. Uma hora dessas, as pessoas vão perceber isso e vender tudo antes que os outros percebam.

Segundo os mineradores de criptomoedas, o lastro do bitcoin e de outras moedas virtuais viria da quantidade de energia gasta para minerá-las. Isso não gera valor? Ou é apenas um argumento vazio?

Essa energia que é gasta pelos mineradores é negativa, não positiva. Para manter o sistema rodando, os mineradores precisam gastar quase 20 milhões de dólares por dia em eletricidade. E quem dá esse dinheiro para eles são os investidores, que vão comprando bitcoins. Se você dividir esse valor pelo número de transações que o sistema faz, dá mais ou menos 50 dólares por transação.

Agora, a pessoa que está usando o sistema para mandar dinheiro não paga isso, paga 1 dólar ou menos – isso porque o custo do sistema é subsidiado pelos investidores de bitcoin. Por enquanto eles estão queimando o dinheiro dos investidores. Se eles algum dia tiverem lucro, talvez seja justificado. Mas no caso do bitcoin nunca vai ter lucro, porque não tem empresa, não tem nada por trás.

E o argumento de que as criptomoedas têm valor por ser em número limitado?

Tem gente que fala que só vai ter 21 milhões de bitcoins até o fim do mundo e que por isso eles são valiosos. O fato de eles se encerrarem não faz que eles fiquem valiosos. Além de ser raro, tem que ter uma demanda de consumo. Os palitos de dentes que eu usei são raros, não vai ter mais que mil palitos, mas não valem nada, porque não ninguém quer, não adianta ser raro.

Mas as pessoas compram essa história de como o negócio que é raro vai ser valioso, contam uma mentira que o ouro só é valioso porque é raro, mas o ouro é excelente para fazer joias e outras coisas. Não tem substituto para esse metal, assim, dois terços de todo ouro que é minerado é usado em joias e para dourar coisas. Já o bitcoin não serve para nada.

Mas não serve nem como moeda para transações?

Algumas criptomoedas têm capacidades maiores. Mas o bitcoin, por exemplo, só consegue fazer 400 mil transações por dia. A empresa que está gerenciando o bitcoin prometeu que nunca vai aumentar esse número – ela diz que é uma vantagem.

Essas 400 mil transações por dia significam que se o sistema tiver 4 milhões de usuários, eles só vão poder fazer uma transação a cada dez dias.

E mais do que isso, mais de 80% das transações que o sistema faz não são pagamentos. Pagamento é quando uma pessoa dá uma moeda para uma pessoa em troca de bens e serviços, mas a grande maioria das transações do bitcoin são simplesmente mineradores que têm que pagar um monte de gente que tem maquininha de minerar e fazem sistemas de pools, pagamentos que não são de serviços e são simplesmente parte da operação do sistema, ou seja, é um custo interno do sistema.

Tem um monte de gente que deposita bitcoin nas bolsas de bitcoin ou tira de lá, isso também não é serviço, pois eles não estão transferindo para outra pessoa. E assim por diante.

Então, se talvez só menos de 20% de todas as transações são pagamentos, elas não são feitas a cada dez dias: se tiver 4 milhões de usuários, é a cada 100 dias, ou três meses. Então não tem absolutamente nenhuma possibilidade de o bitcoin vir a ser útil em comércio.

Mas não existem outras criptomoedas mais rápidas?

Tem moedas que têm dez segundos, como Ethereum, é possível mexer nesses parâmetros. Mas esse tipo de moedas que são semelhantes têm um problema: elas têm que garantir que, uma vez que você pagou uma mercadoria, comprou alguma coisa e fez um pagamento para a loja, você não vai, depois que recebeu a mercadoria, estornar o pagamento.

Mas, por outro lado, se alguém rouba ou tira o seu dinheiro, vende uma mercadoria que não manda, ou a mercadoria está estragada e quer ter a possibilidade de estornar... Empresas tipo Visa e PayPal têm que ter funcionários que decidem se um estorno é autorizado ou não. E quando você tenta fraudar um negócio, eles têm advogados que vão atrás e processam você. Mas um sistema descentralizado, que todas as criptomoedas podem ter, não tem esse tipo de serviço.

O fato de as transações serem feitas de forma anônima é um risco?

Todos os criminosos adoram os bitcoins, porque é a definição de anônimo: não tem como rastrear, é anônimo e a vítima não pode reverter o pagamento. Antes do bitcoin, eles tinham o problema de como cobrar o resgate das vítimas: se eles pedem um depósito bancário, a polícia pega, por exemplo.

É por isso que o ransonware não existia antes do bitcoin. Agora ele é a maior modalidade de crime de informática. Antes, costumava ser roubo de informação de empresa ou de credenciais, tipo dados de cartão, mas passou isso e agora está na faixa de 5 a 10 bilhões de dólares de prejuízo, sem contar o transtorno. E tem também drogas pelo correio, que o cara paga em bitcoin e recebe em casa.

Isso é um outro problema para que, mais cedo ou mais tarde, os governos vão ter que abrir os olhos e ver que não dá para deixar esse negócio livre. Nos EUA, não tem nenhuma agência que regulamente criptomoeda. No Brasil também não.

O resultado é que, se não tem ninguém que regulamente, os vendedores de bitcoins podem contar as maiores mentiras que quiserem, de como é valioso porque o número é limitado, de que cada criptomoeda tem um lastro que é a energia que foi gasta nela. Porém, se fosse uma ação e eles falassem isso, iriam para a cadeia. O que vai acontecer é que mais cedo mais tarde vai ter que fechar o negócio, e aí o preço vai cair e todo mundo vai perder.

Mas por que tem tantos entusiastas? Podemos falar que é uma bolha que ainda não estourou?

Bolha pode ser uma ação que deveria valer R$ 10, subiu para R$ 100, estourou e aí voltou. Bitcoin é uma bolha que saiu do zero. O dia que ela estourar não vai para R$ 10 ou R$ 1.000, vai para zero.

O entusiasmo se explica, em primeiro lugar, porque, enquanto outros investimentos prometem 10%, 30% de lucro ao ano, o bitcoin promete lucros de 10.000% ao ano. Isso significa que um sujeito que só tem R$ 1.000 para investir de repente pode comprar um carro com o lucro, e isso deixa as pessoas malucas.

Outra coisa é que mesmo quem não entende direito como as finanças funcionam tem vagamente a ideia de que o preço só vai subir se mais gente investir. Então todo cara que investe em bitcoin vira um vendedor em potencial.

Tem algumas poucas pessoas que gostam do bitcoin pela ideologia, elas acham que o mundo seria melhor se não tivesse governo, então adoram a ideia que seria um meio de pagamento que não tem controle. Mas 99% dos investidores estão convencidos que isso vai tirá-los da miséria.