"Crime de responsabilidade não basta para tirar presidente"
13 de maio de 2021Bruno Araújo (PSDB) foi o 342º parlamentar a dizer "sim" no microfone da tribuna da Câmara dos Deputados, em abril de 2016, o voto decisivo para a abertura de impeachment da então presidente Dilma Rousseff – na Casa de 513 membros, é preciso a maioria qualificada de pelo menos 342 votos para o processo ser aberto. A petista deixaria o Palácio do Planalto em 12 de maio do mesmo ano, após o Senado também confirmar o impeachment.
Com a retirada de Dilma do poder, Araújo se tornou ministro no governo de Michel Temer (PMDB), votou em Jair Bolsonaro em 2018 e assumiu a presidência nacional do PSDB em maio de 2019, posto ao qual foi reconduzido até maio de 2022.
Em entrevista exclusiva à DW Brasil, o presidente do PSDB recorda o processo do impeachment e admite que seu voto foi político. O governo Dilma, diz, vivia a tempestade perfeita: crise econômica, falta de apoio político no Congresso, impopularidade e mobilização popular nas ruas, pressão da mídia brasileira pelo afastamento. "Foi um resultado que tinha conexão com as ruas e com a maioria constitucional formada na Câmara e no Senado."
Cinco anos depois, o PSDB é oposição a Bolsonaro. Araújo diz que, logo no início do governo, o partido entendeu que não tinha nenhuma identidade com o atual mandatário, por seus comportamentos pessoais condenáveis e por seu desrespeito às instituições de Estado. Se Dilma era, na opinião do ex-ministro, "inabilitada para a função de liderar", "Bolsonaro é um extremista que não tem o menor conhecimento sobre gestão pública, vive numa bolha política, não tem o menor prazer em exercitar ou alargar um ambiente de diálogo com outras estratificações eleitorais, no sentido de acalmar o país".
DW Brasil: Em 2016, na Câmara dos Deputados, o seu voto foi o decisivo para a aprovação do impeachment. Num retrospecto, qual foi a razão do seu voto?
Bruno Araújo: Em processos como os impeachments de [Fernando] Collor e Dilma [Rousseff] é a população que se mobiliza, pauta e influencia o Congresso. Numa democracia, por mais aperfeiçoamentos que ela precise, como no caso da brasileira, não há chance de se retirar um presidente da República do cargo sem mobilização popular. Nos primeiros dias do segundo governo de Dilma Rousseff eu fiz um pronunciamento no Congresso, e esse pronunciamento foi assistido por mais de um milhão de pessoas no YouTube. Estava claro ali o que era o resultado do início do segundo mandato de Dilma. O Brasil entrou em processos simultâneos de crise econômica profunda, a maior da história, retrocesso social, inflação e escândalo. A saída ou não de um presidente, legalmente, legitimamente eleito, só acontece quando se forma uma tempestade perfeita. E se formou sobre o segundo mandato da presidente Dilma, e essencialmente por responsabilidade dela, a tempestade perfeita. Neste contexto, meu voto veio do envolvimento primeiro de quem fez oposição ao PT durante todo esse tempo. Somado à tempestade perfeita, aquele foi um resultado que tinha conexão com as ruas e com a maioria constitucional formada na Câmara e no Senado.
O senhor reconheceu que o Congresso foi influenciado pelas ruas, e não o contrário. Seu voto foi fruto de pressão popular ou o senhor enxergava de fato um crime de responsabilidade de Dilma Rousseff?
O processo do Parlamento é sempre político, contornado de legalidade. A leitura do mérito é sempre e estritamente política, respeitadas as formalidades. Foi um voto absolutamente consciente de que a presidente não tinha condições políticas de tocar e governar o Brasil. Ela tinha perdido naquele momento o apoio completo do Congresso. O governo dela estava absolutamente condenado, mesmo se faltasse um voto para o processo do impeachment, a ser paralisado.
Mas o senhor viu crime de responsabilidade na ocasião?
Quem viu o crime de responsabilidade foi o Tribunal de Contas da União (TCU). Meu voto foi político. O voto foi pelo parecer de uma corte prevista na Constituição brasileira. Quem audita contas de presidente da República é o TCU. E foi esse tribunal que formulou, em julgamento, uma posição unânime pelo descumprimento de obrigações constitucionais da presidente. Vamos ser muito claros: se o TCU oferecesse aquele mesmo parecer com a economia razoavelmente caminhando, e com apoio do Congresso Nacional, claro que não teria impeachment. O ato formal de crime de responsabilidade, indisposição da população com pano de fundo de crise social e econômica, levaram a uma mobilização que conseguiu votos suficientes no Congresso. Um parecer de crime de responsabilidade não é suficiente para tirar presidente da República. Ou impopularidade sem crime de responsabilidade pode também não ser suficiente [para um impeachment]. Por isso volto a me reportar: o que houve foi a tempestade perfeita. Foi um ato formal da Corte de Contas, identificando o crime de responsabilidade, foi uma crise econômico-financeira, moral, com mobilização popular, votos suficientes na Câmara e no Senado, e com grande parte da imprensa brasileira em campanha pela queda da presidente da República. Difícil sustentar com tudo isso junto.
Como vê o Brasil de hoje, cinco anos depois?
O Brasil migrou de um governo de esquerda para um governo de extrema direita e não fez um caminho para tentar buscar com serenidade um pacto nacional que ajudasse a superar os problemas mais importantes do país. As eleições de 2018 levam o país para uma reação ao PT. A população optou por se afastar de discursos mais moderados e fez uma aposta mais radical à direita. Grande parte da população não sabia que era uma opção por uma extrema direita, que nega a ciência, que tem pouca formação e compreensão do Estado e que, inúmeras vezes, procurou desrespeitar ou quebrar a harmonia entre as instituições de Estado. Hoje temos uma crise econômica no país dentro da crise mundial provocada pelo coronavírus. O Brasil está virando um pária na comunidade internacional, com um comportamento do governo brasileiro em relação à política ambiental em xeque; e incapacidade de fazer entregas modernizantes da economia. O discurso do governo liberal se mostrou falso porque o presidente tem postura extremamente nacional intervencionista, incompatível com momento de mundo e de país. A falta de clareza da política econômica e a falta de projeto nacional nos mantêm na esteira dessa crise potencializada pela pandemia.
O PSDB foi grande defensor do impeachment. O que explica a transição desse voto em 2016 à realidade hoje, com o PSDB na oposição a Bolsonaro?
Nenhum jornalista teria coragem, naquele dia, de escrever qualquer linha sobre Bolsonaro ser presidente. Da mesma forma que a democracia americana se surpreendeu um dia com a escolha soberana da população elegendo Donald Trump. Há um fenômeno mundial. O Brasil não é a fonte desses ventos. O Brasil foi abatido por esse movimento conservador de direita, como em muitos lugares do mundo.
Em 2018 o senhor votou em Bolsonaro. Em que momento percebeu o que significava esse governo?
Toda atuação política do PSDB, e a minha em especial, era de oposição ao PT. Fizemos uma opção por não votar no PT [no segundo turno], votando em Jair Bolsonaro. Na primeira viagem internacional do presidente recém-eleito a Davos, já se demonstrava o grau de deficiência e de pouca expressão política dele para tocar um país com a dimensão econômica e populacional, e problemas sociais do Brasil. Dali em diante houve uma série de posições que nos deram clareza de que não tínhamos nada a ver com aquilo. Sobretudo os ataques a instituições e seus comportamentos pessoais. Nas primeiras semanas demos declarações de que aquele governo não tinha nada a ver com o que pensávamos sobre um país democrático, com diversidade, liberdade política e religiosa, e as desigualdades que temos.
O senhor disse que só crime de responsabilidade não assegura um impeachment. Nem só a perda de apoio político no Congresso. No ano passado o senhor afirmou que não havia condições para um impeachment de Bolsonaro. Mantém essa declaração?
Com mais clareza ainda. Bolsonaro tem base parlamentar e tem percentual expressivo de apoio da população. A tempestade perfeita não está no horizonte do governo Bolsonaro. Daqui a pouco estaremos a um ano das eleições.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recentemente, sinalizou que se em 2022 houver disputa entre Lula e Bolsonaro votaria no petista. A classe política tem hoje discernimento sobre o que significaria um novo mandato de Bolsonaro?
Fernando Henrique respondeu a uma pergunta plebiscitária. Tenho certeza de que vamos criar condições de oferecer ao Brasil uma alternativa de centro. Se não criarmos, que Deus nos proteja. Vou me dedicar, enquanto dirigente partidário, a construir um ambiente em que possamos oferecer um nome que chegue ao segundo turno com um dos dois candidatos [ou Lula ou Bolsonaro]. Não vejo outra alternativa que não seja essa.
Como o senhor classificaria Dilma Rousseff presidente e Jair Bolsonaro presidente?
Nunca fiz qualquer discurso nem qualquer posicionamento questionando a probidade da cidadã Dilma Rousseff, mas do ponto de vista político, administrativo e de liderança, ela foi um capricho do ex-presidente Lula. É uma pessoa que não estava preparada para a dimensão e a compreensão de chefe de Estado e de governo. Autoritária, arrogante na relação com congressistas e subordinados. Infelizmente, foi uma perda de oportunidade quando tínhamos pela primeira vez uma mulher no cargo mais relevante do país. Era uma senhora inabilitada para a função de liderar. E o presidente Bolsonaro é alguém que não tem o menor conhecimento sobre gestão pública, vive numa bolha política, não tem o menor prazer em exercitar ou alargar um ambiente de diálogo com outras estratificações eleitorais, no sentido de acalmar o país. Ele é nutrido por disputas. Sua posição extremista é dissonante com a cultura da sociedade brasileira.