Crianças denunciam políticas climáticas de cinco países
20 de novembro de 2019Dezesseis crianças e adolescentes de 12 países distintos apresentaram ao Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas uma queixa contra Brasil, Alemanha, Argentina, França e Turquia. Os jovens alegam que os cinco países, membros do G20, estão entre os maiores emissores de CO2 do mundo e são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas.
Os cinco Estados são signatários do Acordo de Paris. Mas suas medidas para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius permanecem muito abaixo das recomendações dos cientistas, segundo a queixa. Com isso, esses países industrializados e emergentes estariam violando a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança – adotada pela ONU há 30 anos, em 20 de novembro de 1989 –, em particular o direito à vida (Artigo 6º) e o direito à saúde (Artigo 24).
"Acima de tudo, queríamos chamar a atenção para as consequências das mudanças climáticas para crianças e jovens em todo o mundo e mostrar como elas são afetadas pelas emissões desses países", disse Ramin Pejan, advogado da organização ambiental Earth Justice.
Sob o lema "A Terra precisa de um bom advogado", a organização ganhou várias ações ambientais nos Estados Unidos. Sediada nos EUA, a Earth Justice trabalha com organizações ambientais e de direitos humanos em todo o mundo para promover a proteção ambiental em processos jurídicos e legislações.
"O acordo climático de Paris ainda não nos leva aonde precisamos ir, e mesmo que a promessa de Paris seja cumprida, ainda estamos caminhando para um aquecimento global de três a quatro graus. Isso é demais para evitar consequências catastróficas para os direitos humanos", prosseguiu Pejan.
O fato de justamente esses cinco países serem objeto da denúncia em prol dos direitos da criança tem uma explicação simples: todos os cinco países, incluindo a Alemanha, ratificaram o Terceiro Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
O protocolo prevê a possibilidade de uma queixa individual: crianças que acreditam que seus direitos têm sido violados podem apresentar uma queixa ao painel com 18 especialistas da ONU. No entanto, a condição geralmente é que a ação tenha passado por todas as instâncias nacionais.
"Tais procedimentos perante os tribunais nacionais podem levar muito tempo, e não podemos permitir isso, dada a urgência da crise climática", explicou o advogado da Earth Justice.
Na denúncia ao Comitê de Direitos da Criança da ONU, a Earth Justice trabalha com o escritório de advocacia Hausfeld LLP, que possui experiência internacional em litígios sobre direitos humanos.
Sem jurisprudência no direito internacional
Nunca houve uma queixa semelhante. O Comitê de Peritos das Nações Unidas geralmente emite seu parecer sobre queixas individuais de violações dos direitos da criança num Estado-membro. Típicos são, por exemplo, procedimentos de custódia e refúgio para migrantes menores de idade. Desta vez, porém, a parte demandante acusa cinco Estados de cometer violações à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
"Acredito que essa também seja uma nova área do direito internacional, porque é uma ação coletiva dirigida simultaneamente contra vários Estados. A avaliação de se isso pode ser aceito como um caso de direito internacional só pode ser feita pelo Comitê da ONU", disse o porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na Alemanha, Rudi Tarneden.
O Unicef não está envolvido na queixa. O fundo, segundo Tarneden em entrevista à DW, somente possibilitou uma coletiva de imprensa em Nova York para que os 16 jovens pudessem explicar suas demandas. "Dissemos que é muito importante que obtenham uma audiência, mas que, ao mesmo tempo, como Unicef, somos neutros", explicou Tarneden.
"Nossos direitos de crianças estão sendo violados"
"Estamos aqui como cidadãos deste planeta, como vítimas de poluição, onde por gerações nossas terras, ar e mares foram impiedosamente contaminados. Nossos direitos de crianças estão sendo violados, mas agora estamos revidando!", disse a americana Alexandria Villasenor, de 14 anos, na coletiva de imprensa promovida pelo Unicef, em 23 de setembro.
Ela é uma das 16 crianças e adolescentes que apresentaram a queixa com a ajuda da Earth Justice e da Hausfeld LLP. Outra é a ativista sueca Greta Thunberg, além de uma garota de 15 anos de Hamburgo e jovens de França, Tunísia, Índia, Palau, Argentina, Ilhas Marshall, Nigéria, África do Sul e Brasil.
Ainda é incerto quanto tempo levará até que a queixa seja analisada pelo Comitê de Direitos da Criança da ONU. O primeiro obstáculo é a admissão da denúncia. De acordo com a página online da entidade, atualmente outras 80 queixas aguardam o posicionamento dos especialistas independentes em direitos da criança do comitê da ONU. As queixas são analisadas uma por vez.
Se a queixa foi aceita, somente então se iniciaria o procedimento jurídico de fato. Após avaliação do Comitê de Direitos da Criança da ONU, os governos dos cinco países receberiam a análise dos especialistas. Posteriormente, os governos teriam a oportunidade de resposta. Ao final do processo, uma recomendação deve ser feita pelo Comitê de Direitos da Criança da ONU. A recomendação não é juridicamente vinculativa, mas poderia ser eficaz em todo o mundo, segundo Pejan.
"Acredito que a decisão possa ter repercussões globais, não apenas nos Estados que são objeto da denúncia. Será uma decisão forte, e decidimos prosseguir com o processo porque enxergamos um significado global", disse o advogado da Earth Justice.
"Não teríamos apresentado a queixa se não acreditássemos que os nossos argumentos são muito fortes", disse Pejan. "Não é uma tarefa fácil para o comitê, mas acreditamos se tratar de algo que o órgão deve assumir."
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