Violência contra jornalistas em protestos anticonfinamento
27 de março de 2021Cerca de 20 mil foram à cidade de Kassel, na região central da Alemanha, protestar contra as políticas do governo federal para conter a pandemia de covid-19 em 20 de março de 2021. Praticamente ninguém usava máscara para se proteger do vírus, tampouco se mantinha o distanciamento social. Uma coisa os manifestantes deixaram bem claro: eles não dão a mínima para as restrições impostas durante a pandemia.
Vez por outra, o clima esquentou, e os tumultos foram documentados por diversos jornalistas, que observavam, anotavam, gravavam e fotografavam. O repórter fotográfico Marco Kemp, bem no meio dos acontecimentos com sua câmera, conta que "de forma geral, os participantes eram muito hostis". Houve ameaças e gritos de "imprensa da mentira", e logo no início um colega foi derrubado. E isso se repetiu por todo o dia.
Insultos e ataques agora são parte do dia a dia jornalístico na Alemanha, pelo menos para quem cobre os protestos anticonfinamento. Isso é confirmado pelos números mais recentes do European Centre for Press and Media Freedom (ECPMF).
O instituto, sediado na cidade alemã de Leipzig, registrou quase 70 ataques a jornalistas apenas em 2020, o maior número em muitos anos. Os agressores são, em sua maioria, do sexo masculino, e a maior parte dos ataques (71%) ocorreu durante protestos contra as medidas governamentais relativas à pandemia.
Cuspes, insultos, assédio
De acordo com o ECPMF, quase metade dos agressores pertence ao espectro político da direita: neonazistas, hooligans ou os autodenominados "cidadãos do Reich". Mas os ataques também vêm do centro da sociedade.
"O cidadão comum agora acha que pode insultar as pessoas", queixa-se o jornalista Arndt Ginzel. Há anos ele noticia para o canal de TV ZDF sobre a cena de direita, teóricos de conspiração e protestos contra as políticas governamentais, e "a desinibição cresceu. Praticamente não há mais nenhum protesto em que você possa dizer que se sente seguro".
Para os jornalistas na Alemanha, agora é parte do cotidiano estar acompanhado de seguranças na cobertura de eventos importantes. Jornalistas de TV estão mais expostos, pois são rapidamente identificados pelas câmeras e microfones. Por esse motivo, a DW também elevou os requisitos de segurança para seus repórteres, pois a agressividade dos manifestantes se tornou um fator de risco.
"As pessoas tentaram intencionalmente me mostrar que eu não era bem-vinda", conta a repórter da DW Anne Höhn, sobre a cobertura de um protesto em agosto de 2020, em Berlim, contra as medidas de contenção da pandemia. "Elas chegavam bem perto de mim, fisicamente, apesar de estarmos acompanhados de quatro seguranças."
Essa agressividade é mais do que um incômodo pessoal, pois também impacta o trabalho, "torna impossível reagir espontaneamente a algumas coisas", conta Höhn: "Você vê algo interessante, mas não vai até lá, porque não pode se afastar do seu grupo e dos seguranças."
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também está preocupada com esses acontecimentos na Alemanha. Os ataques e insultos colocam em risco uma cobertura substancial dos fatos, afirma a diretora de comunicação Sylvie Ahrens-Urbanek: "Claro que é possível os veículos de imprensa empregarem seguranças. Mas pode ser que os veículos digam: 'É caro demais para nós, não vamos enviar um repórter até lá.'"
Polícia sob críticas
A polícia alemã também está enfrentando críticas. Muitos repórteres e associações reclamam que os agentes fazem pouco para proteger a imprensa. Durante os protestos em Kassel, os policiais estavam claramente ausentes, afirma o repórter fotográfico Kemp: "Tenho a impressão de que muitas vezes os policiais ficam incomodados de ter que nos dar apoio, e prefeririam que a gente simplesmente fosse embora."
Assim como muitos colegas, Ginzel, da TV ZDF, já enfrentou sérios entraves ao seu trabalho impostos pela polícia. Ele defende que haja mais programas de educação sobre a imprensa na Alemanha, pois muitos sabem pouco sobre a profissão: "Os estudantes precisam aprender e entender como os jornalistas trabalham e como fazem uma reportagem de TV, por exemplo."
Por enquanto, seguranças serão parte da nova rotina profissional de alguns jornalistas da Alemanha. Para o repórter televisivo da DW Thomas Sparrow, a situação permanece estranha: "Venho da Colômbia, país onde houve um conflito armado por mais de 50 anos. Mas só na Alemanha eu tive que fazer o meu trabalho de jornalista sob proteção de seguranças."