"Cordão sanitário" contra ultradireita alemã está rachando
24 de julho de 2023Durante sua candidatura à presidência do partido alemão União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita, em novembro de 2021, Friedrich Merz anunciou um cordão sanitário entre a sua legenda e o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita, e ameaçou expulsar os correligionários que quisessem governar com eles.
Mas esse cordão sanitário contra a ultradireita parece estar rachando. No domingo (23/07), Merz defendeu uma abordagem pragmática em relação à AfD em uma entrevista à emissora pública ZDF e disse que não haveria problema em trabalhar com representantes da ultradireita em governos municipais.
Segundo Merz, se um prefeito da AfD for eleito em uma vila, cidade ou distrito, como ocorreu recentemente pela primeira vez, "é natural que tenhamos que procurar maneiras de garantir que possamos continuar a trabalhar juntos na cidade", disse. A fala despertou reação em seu próprio partido, que o forçou a recuar nesta segunda-feira.
Na semana passada, em uma reunião da CDU com sua legenda-irmã na Baviera, a União Social Cristã (CSU), Merz já havia descrito o bloco de centro-direita como a "Alternativa para a Alemanha – com substância".
A observação não passou despercebida por Alice Weidel, copresidente da AfD, que tuitou: "Não importa o quanto o Sr. Merz se curve, nós continuamos sendo o original".
Quando Merz assumiu o comando da CDU em novembro de 2021, ele prometeu reposicionar seu partido e reduzir a AfD à metade. Dezoito meses depois, o apoio à AfD dobrou suas intenções de voto e, segundo pesquisas recentes, alcança entre 20% e 22% em todo o país – atrás apenas do bloco CDU/CSU, que oscila pouco abaixo de 30% e aparentemente não tem conseguido se beneficiar da rejeição ao atual governo alemão, formado por uma coalizão de social-democratas, liberais e verdes.
Adoção da retórica de ultradireita
Em uma tentativa de surfar no crescimento da ultradireita, Merz e outros políticos da CDU/CSU vêm mimetizando a retórica da AfD sobre refugiados e se concentrando no fortalecimento da economia e em políticas de lei e ordem.
A AfD tem lucrado com o sentimento anti-imigração depois que a Alemanha voltou a registrar um aumento no número de refugiados, com a chegada de mais de um milhão de ucranianos desde o início da guerra.
Em sua entrevista no domingo, Merz defendeu propostas de seu partido para alterar as leis de asilo do país. Não há dúvida de que a Alemanha é um país que deseja ajudar o mundo, mas "essa ajuda não deve ser abusada", disse, acrescentando que atualmente ela estaria sendo abusada "centenas de milhares de vezes".
Ele concluiu que uma "solução para a questão da migração" também teria um efeito colateral: "A AfD encolherá novamente."
O chefe da CSU da Baviera, Markus Söder, que está buscando a reeleição em outubro, também vem intensificando seu ataque ao Partido Verde e usando pontos da retórica da ultradireita.
Nesta segunda-feira, porém, ele tentou se diferenciar de Merz e disse rejeitar qualquer cooperação com a AfD em governos locais: "A AfD é antidemocrática, de extrema direita e divide nossa sociedade. Isso não é compatível com nossos valores."
O prefeito de Berlim, Kai Wegner, também filiado à CDU, foi outro político que criticou Merz. "A AfD só conhece ser do contra e dividir. Onde deve haver cooperação?", escreveu no Twitter, acrescentando que a CDU “não pode trabalhar com um partido cujo modelo de negócio é o ódio, a divisão e a exclusão".
Estratégia tem eficácia questionável
O cientista político Werner Krause, da Universidade de Potsdam e um dos autores de uma pesquisa que examina as estratégias dos principais partidos e o sucesso da extrema direita, afirma à DW que a retórica de imitação desse discurso por partidos tradicionais não funciona.
"Há uma sabedoria comum que diz que se os partidos tradicionais fossem menos progressistas em relação à migração, não haveria sucesso da direita radical", diz, apontando para a reação interna dos partidos alemães contra a abordagem acolhedora da ex-chanceler da CDU, Angela Merkel, em relação a centenas de milhares de refugiados que fugiram da Síria, do Iraque, do Afeganistão e do norte da África para a Europa em 2015.
Em toda a Europa, partidos de ultradireita contrários à imigração vêm crescendo, e algumas legendas tradicionais têm procurado adotar uma retórica de ultradireita e políticas de linha dura sobre imigração com o objetivo de recuperar o apoio perdido.
Mas dados de 12 países europeus, alguns dos quais datam da década de 1970, mostram que essa é uma estratégia que não funciona. "Se você for duro contra a imigração, até certo ponto você legitima a visão e a agenda política da extrema direita e, em termos bem simples, os eleitores observarão essa mudança nas propostas políticas dos principais partidos, mas ainda preferirão o original à cópia", diz Krause.
O exemplo mais recente, afirma, é o da Espanha, onde a mudança para políticas linha dura anti-imigração de linha dura por parte dos principais partidos de direita, o Partido Popular (PP) e o Cidadãos (Ciudadanos), não impediu a ascensão do partido de ultradireita Vox.
Diversos estudos mostram que, quando um partido de ultradireita se torna um participante estabelecido na arena eleitoral, é muito difícil reduzir seu apoio, segundo Krause. Ele ressalta que, quando os partidos tradicionais adotam políticas de imigração mais restritivas, isso tende a ter um efeito adverso, pois os eleitores tendem a migrar para os partidos de ultradireita.
"Se observarmos o partido de extrema direita Aurora Dourada na Grécia, ele sofreu derrotas eleitorais substanciais depois que as autoridades estaduais estabeleceram uma ligação direta entre a liderança do partido e a violência extremista de direita", diz Krause. Mas esse sucesso durou pouco, "e agora há três partidos de extrema direita no Parlamento grego".
O mesmo acontece na França, onde Marine Le Pen, presidente do Reagrupamento Nacional, de ultradireita, é agora a força eleitoral mais significativa da direita, e segue como a ser a única beneficiária de debates sobre identidade e migração.
Ação é mais importante que discurso
O sentimento anti-imigrante é apenas um elemento de um padrão mais amplo, de acordo com Katja Hoyer historiadora anglo-alemã e especialista em história nacional alemã.
Em meio à alta do custo de vida decorrente da recuperação da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia, às rápidas mudanças sociais e tecnológicas e às guerras culturais que se seguiram, os eleitores estão irritados por serem ignorados, rotulados e ridicularizados, afirma ela, acrescentando que isso é particularmente verdadeiro nas regiões do leste, onde há um apoio comparativamente alto à AfD.
Ela lembra que, durante os 16 anos de mandato de Angela Merkel, a CDU/CSU passou de um partido socialmente conservador, firmemente situado na centro-direita do espectro político, para um partido semelhante ao Partido Social-Democrata (SPD) com inclinações à esquerda, o que criou um vácuo político à direita.
"Se você tinha alguma preocupação com a imigração, não havia realmente nenhum lugar para votar", afirmou Hoyer à DW. "À direita [na CDU] não havia nada, até o AfD de fato."
"Muitos dizem que foram às ruas em 1989 para derrubar uma ditadura e, portanto, não estão dispostos agora a permitir que um Estado lhes diga como viver suas vidas e o que fazer", disse Hoyer, acrescentando que os principais partidos deveriam se esforçar mais para falar diretamente com as pessoas dessas comunidades e combater a ultradireita com boas políticas, e não com retórica inflamada.
Na Alemanha Ocidental pós-guerra, os principais partidos tentaram ser amplos o suficiente para acomodar os eleitores de ultradireita. "Não acho que repetir o que o AfD faz seja o caminho a seguir", disse Hoyer. "Não se pode continuar fazendo a política como usual e depois usar um pouco da linguagem que se aprendeu com o AfD e esperar que isso faça com que os problemas desapareçam."
Se os políticos tradicionais não fizerem um esforço real para tentar reconquistar as pessoas, Hoyer acredita que os eleitores se voltarão para a ultradireita em um número ainda maior, o que poderia representar um "perigo genuíno" para a democracia liberal.