Conflito sírio ultrapassa a fronteira e ameaça o frágil Estado libanês
21 de agosto de 2012Em Beirute, na semana passada, homens armados bloquearam a estrada do aeroporto para o centro da cidade. Ao mesmo tempo, homens armados interromperam o tráfego no planalto do Bekaa, ao nordeste do país, numa rodovia que dá acesso à Síria. Juntos, eles fizeram mais de 20 reféns sírios, supostamente rebeldes que lutam contra o regime do presidente Bashar al-Assad. Também um turco e um saudita foram sequestrados.
A autoria dos sequestros foi assumida pelos xiitas do influente clã Meqdad [foto principal], a quem também se atribui o controle do contrabando de armas na região para o regime Assad. Um dos membros do clã, Hassan Salim al-Meqdad, havia recentemente sido sequestrado por combatentes do Exército Sírio Livre. Estes o acusam de, como membro do Hisbolá, ter lutado contra os insurgentes na Síria.
Numa coletiva de imprensa, convocada pela família Meqdad na semana passada, o porta-voz do clã informou que o refém turco será morto caso algo aconteça a Hassan Salim.
Os sequestros demonstram a fraqueza do Estado libanês, incapaz de evitar situações como essa. O poder do Estado diminui a cada dia, escreveu o jornal árabe Al Quds al Arabi em editorial. No final, restará dele apenas o nome, acresceu o diário.
O poder do Hisbolá
Essa fraqueza tem raízes históricas. No início da década de 1980, durante a guerra civil libanesa (1975-1990), diversos grupos xiitas se uniram para formar o Hisbolá – o "partido de deus". Eles foram apoiados pela chamada Guarda Revolucionária do Irã, onde o aiatolá Khomeini havia acabado de assumir o poder.
No decorrer da guerra civil e particularmente após o seu final, o Hisbolá estreitou cada vez mais os laços com a Síria. Os militares sírios haviam invadido o Líbano em 1976. Desde então Damasco exerce uma grande influência sobre o pequeno país vizinho. Durante décadas, tropas sírias permaneceram estacionadas no Líbano.
É dessa época que vem a contínua força do Hisbolá – e também a fraqueza do Estado libanês. Essa situação implica o sofrimento de todo um país, diz o teólogo cristão libanês Abdel Raouf Sino. No Líbano, diz o teólogo, há dois polos: um Estado fraco e um Hisbolá forte.
"O Hisbolá é um partido totalitário e ideológico que persegue um projeto político. Da mesma forma, existem dois exércitos: um exército forte do Hisbolá e um exército fraco do Estado", conclui.
Fragmentação religiosa
Os sequestros também mostram outra ferida aberta da sociedade libanesa: a longa tradição de tensões religiosas, que encontrou sua expressão mais violenta na guerra civil entre 1975 e 1990. Muitos libaneses temem que tais tensões possam ser revividas. Porque, assim como na Síria de hoje, anteriormente no Líbano as frentes passavam por alianças religiosas e, ao mesmo tempo, econômicas.
Inteligentemente, os estrategistas das partes conflitantes na guerra civil libanesa exploraram as tensões religiosas que os franceses haviam sistematicamente construído durante o período colonial, no século 19.
Tais tensões permaneceram mesmo após a independência do Líbano, em 1943, mas não abertamente. Em sua juventude, o escritor franco-libanês Amin Maluf diz ter percebido pouco dessas tensões. "Quando vivia em Beirute", conta o escritor, "o Líbano era uma miscelânea de culturas. Em parte isso ainda existe. Ao mesmo tempo, ainda não conseguimos encontrar uma interação social que nos permita superar a atual situação depressiva e caótica".
Hoje, a Constituição libanesa prevê a partilha de poder entre os três maiores grupos confessionais – os sunitas, os xiitas e os cristãos. Segundo a Constituição, o chefe de Estado deve ser um cristão maronita, o chefe de governo, um sunita, e o presidente do Parlamento, um xiita.
Alerta contra a propaganda do regime sírio
Essa lógica do confessionalismo é considerada o melhor caminho para preservar a estabilidade da complexa sociedade e Estado libanês. Mas, ao mesmo tempo, ela promove o pensamento em categorias religiosas – e faz com que muitos libaneses sejam suscetíveis à questão confessional, cada vez mais evidente na atual guerra civil na Síria.
É desconcertante, escreveu o diário Al Hayat, observar como a lógica confessional determina as opiniões sobre a guerra civil. Isso se aplica à oposição síria, majoritariamente sunita, que automaticamente vê em cada xiita libanês um ativista do Hisbolá – correndo, assim, o risco de se submeter à propaganda do regime Assad, que tenta dar uma feição religiosa à guerra civil para justificar sua violência contra supostos extremistas. Mas a lógica confessional também se aplica aos xiitas libaneses, que tentam responsabilizar coletivamente os sírios sunitas pelos crimes de muitos grupos de oposição.
Autor: Kersten Knipp (ca)
Revisão: Alexandre Schossler