Como Putin chegou ao poder e nele se perpetua
19 de março de 2018Vladimir Putin foi eleito para seu quarto mandato como presidente da Rússia, o que lhe garante mais seis anos no poder. A vitória política deste domingo (18/03) é o capítulo mais recente de uma carreira em que, pouco a pouco, ele foi acumulando poder, evitando as consequências de atividades legalmente questionáveis e mudando a imagem da Rússia dentro e fora do país.
Depois de terminar seus estudos de Direito em 1975, Putin iniciou sua carreira na KGB, o serviço secreto soviético. Como agente, ele foi enviado a Dresden, na antiga Alemanha Oriental comunista, onde se fez passar de tradutor.
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Ainda que muito tenha sido dito sobre sua carreira de espião – incluindo alusões ladinas do próprio Putin, sua biógrafa russo-americana Masha Gessen escreveu que o período que o presidente russo passou na Alemanha "se limitou principalmente à coleta de recortes de jornal, contribuindo assim com as montanhas de informação inútil produzidas pela KGB".
Após a queda do Muro de Berlim, Putin voltou à sua cidade natal, São Petersburgo. A partir de então, sua ascensão na hierarquia do establishment político russo não parou mais.
Em 1990, durante o primeiro ano em que trabalhou na prefeitura de São Petersburgo, vereadores descobriram que Putin havia permitido a venda de aço a preços muito abaixo do valor de mercado, em troca de ajuda alimentar estrangeira que nunca chegou ao país. Apesar de um comitê de investigação recomendar sua exoneração do cargo, Putin continuou empregado até 1996, já tendo criado uma estreita amizade com o prefeito Anatoly Sobchak.
Amizades influentes
Nos anos seguintes, Putin usou sua rede de amizades políticas para dar continuidade à própria ascensão. Em 1997, o então presidente, Boris Ieltsin, apontou Putin como seu chefe do Estado-maior interino e, um ano depois, ele foi nomeado como chefe do Serviço Federal de Segurança (FSB), a agência de inteligência que sucedeu à KGB no período pós-soviético.
Pouco tempo depois, Ieltsin indicou Putin para ser seu primeiro-ministro. Putin conseguiu assumir o cargo apesar de tanto os rivais quantos os apoiadores de Ieltsin tentarem derrubá-lo, já que todos eles concorriam para se colocar na posição de suceder ao presidente, então com a saúde debilitada.
Quando Ieltsin renunciou inesperadamente em 1999, Putin se tornou presidente interino. Uma de suas primeiras ações foi conceder perdão presidencial aos crimes de corrupção de Ieltsin, antes de se concentrar em se eleger de forma definitiva.
Em março de 2000, Putin deixou para trás os outros dois candidatos para se tornar presidente da Rússia com 53% dos votos. Um fator importante para a então vitória de Putin foi sua imagem.
Ao contrário de vários outros políticos que disputavam a sucessão de Ieltsin, Putin havia assumido uma posição assídua e firme apoiando a segunda guerra na república separatista da Chechênia. A postura o fez parecer um candidato que defendia firmemente a lei e a ordem – um alívio bem-vindo após anos de caos.
Consolidando o poder
O sucesso de Putin não se deve apenas à sua própria imagem, mas também ao fato de ele ter mudado a imagem que a própria Rússia tem de si mesma. A queda da União Soviética e o governo de um Ieltsin doente e frequentemente bêbado foram profundamente constrangedores. O fato de Putin ter conseguido tirar seu país das cinzas econômicas, levando-o para um período de boom econômico durante o seu primeiro governo, também ajudou a solidificar sua popularidade.
Impedido de concorrer a um terceiro mandato consecutivo em 2008, Putin se tornou o primeiro-ministro do presidente Dmitri Medvedev. Durante aquele governo, o mandato presidencial foi estendido de quatro a seis anos, uma decisão que entrou em vigor a partir do pleito seguinte.
Em 2012, Putin voltou a ser eleito presidente e nomeou Medvedev seu primeiro-ministro, o que levou a alegações da existência de uma chamada tandemocracy ("tandemocracia", em tradução livre, com base no termo "tandem", ou bicicleta com dois ou mais assentos). Nesse tipo de administração, os chefes de Estado e de governo dividem as funções do Executivo entre si com o objetivo de garantir os interesses da burocracia governante.
Estado mafioso
Segundo Gessen, a habilidade de Putin de exercer o poder na Rússia com tanta facilidade não deriva apenas de uma imagem cuidadosamente elaborada. O ex-espião continuou no Kremlin apesar do declínio econômico, do isolamento diplomático e de acusações praticamente contínuas de corrupção e de abusos de direitos humanos por causa de sua habilidade de "fazer com que as palavras não signifiquem coisa alguma", diz Gessen.
"Ele apenas continua falando. Com isso, quer criar a impressão de que sabe do que está falando. Mas a intenção também é apenas afogar as pessoas num mar de coisas insignificantes", acrescenta.
Em entrevista à revista americana The Atlantic, Gessen disse ainda que o desejo de Putin de construir um governo "mafioso" sobre as ruínas de um regime totalitário transformou a Rússia "num Estado mafioso e numa sociedade totalitária".
Gessen também apontou como o Ocidente vê Putin: "um vilão [dos filmes de espionagem] de James Bond arquitetando o caos global". Mas a biógrafa argumenta que exatamente essa percepção funcionou em favor do presidente russo.
E a máquina política de Putin não dá sinais de desaceleração. Uma vez que ele estabeleceu uma complexa rede de compadrio político e econômico, o fim de Putin significaria também o fim da estabilidade da Rússia. Mas vitória deste domingo significa que ele ficará no poder até pelo menos 2024.
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