Como o motim do Grupo Wagner repercutiu na América Latina
28 de junho de 2023Na maior parte da América Latina, as notícias de que o Grupo Wagner, de mercenários liderados por Yevgeny Prigozhin, se dirigia para Moscou em tanques de guerra parece haver gerado surpresa e confusão, mas não espanto.
Segundo Mauricio Jaramillo, professor de Ciências Políticas da Universidade do Rosário, da Colômbia, especulou-se muito, por dois motivos. "Em primeiro lugar porque, em termos gerais, a posição dos Estados, com exceção de Cuba, Venezuela e Nicarágua, tem sido de neutralidade. E em segundo: há muita expectativa, mas pouca informação confiável. Circulam muitas notícias falsas ou imprecisas", afirma.
"O problema com os meios de comunicação da América Latina é que têm uma linha internacional muito fraca", diz, apontando que, assim, "muitos, no momento da crise, publicam muitas notícias de maneira prolífica e, uma vez sustada [a crise], deixam de informar". As crises e os problemas de cada país ocupam as manchetes, e o público parece ficar sem o seguimento e o aprofundamento dos fatos, frisa Jaramillo.
Em relação à guerra na Ucrânia, o professor critica o fato de alguns veículos latino-americanos desconhecerem "olimpicamente" o princípio da neutralidade que há décadas vigora na região. Alguns parecem ter esquecido a lição da Guerra Fria, em que os países da América Latina eram tratados como "fichas" de um jogo geopolítico alheio.
Por essa razão, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, teria se negado a entregar aos Estados Unidos material bélico destinado à Ucrânia, "uma reação que foi respeitada pelo governo Joe Biden e que não prejudicou em absoluto as relações", reforça Jaramillo. Em relação ao restante da região, ele ressalva que "por não se filiarem à Otan, os países da América Latina não podem ser classificados de pró-russos".
Dependência da Rússia é risco para Venezuela
Os regimes de Caracas, Havana e Manágua foram os únicos latino-americanos a respaldar no Twitter o líder russo Vladimir Putin. O chanceler venezuelano, Yván Gil, postou um comunicado rechaçando a "insurreição armada, através de métodos terroristas". O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, expressou convicção de que na Rússia "prevalecerá a ordem constitucional". E o da Nicarágua, Daniel Ortega e sua vice, Rosario Murrillo, expressaram solidariedade "perante o desafio à sabedoria e forças da Rússia".
O governo venezuelano foi o primeiro a manifestar apoio a Moscou. Sobre o quanto Caracas depende da Rússia, de onde obtém armamento, Carlos Blanco, ex-presidente da Comissão Presidencial para Reforma do Estado da Venezuela, explica: "[Os presidentes Hugo] Chávez e [Nicolás] Maduro modificaram o padrão estratégico das Forças Armadas venezuelanas, cuja missão fundamental era a defesa da soberania nacional e do território. Essa mudança da abordagem estratégica se dirigiu ao possível enfrentamento de um 'império' – quer dizer, os Estados Unidos – e a se defender de uma eventual incursão militar, que se realizaria através da Colômbia."
A Venezuela é considerada a maior compradora de armamento russo na América Latina, já tendo recebido mais de 100 mil Kalashnikov AK-103, além de tanques, aviões de combate, helicópteros militares e sistemas antiaéreos. Em 2019, estimava-se em 11 bilhões de dólares a extensão dessa cooperação técnico-militar. Segundo o jornal alemão Wirtschaftswoche, a Rússia concedeu empréstimos para esse fim.
Além disso, em 30 de março de 2021, durante a visita do vice-primeiro-ministro russo, Yuri Borisov, Caracas fechou 12 acordos nos campos financeiro, energético, alimentar, comercial, militar, alimentar e de saúde. E, segundo documentação obtida pelo diário espanhol Nius, tanto o Executivo venezuelano quanto a petroleira estatal PDVSA manteriam contas no banco russo Evrofinance Mosnarbank.
Para Blanco, que atua como consultor da União Europeia, "o que está ocorrendo na Rússia, a partir da invasão da Ucrânia e dos processos de descontentamento de cidadãos e militares, é evidente", e "essas ondas de desassossego e instabilidade na Rússia são preocupantes para um regime como o de Maduro, que se sustenta basicamente por essas alianças internacionais". Mas o que antes se aplicava aos EUA, vale hoje para Moscou: "Qualquer espirro russo pode provocar uma forte bronquite no governo venezuelano."