Como Brasil e Alemanha lidam com as mudanças climáticas?
19 de agosto de 2015Uma declaração conjunta sobre política climática será um dos principais resultados da reunião bilateral entre a presidente Dilma Rousseff e a chanceler federal alemã, Angela Merkel, nesta quinta-feira (20/08), em Brasília.
De olho na conferência do clima da ONU, em dezembro, em Paris, os dois países pretendem se posicionar sobre as propostas para a cúpula, que deverá definir um novo acordo mundial para a redução das emissões de gás carbônico.
Enquanto a Alemanha vê o Brasil como um elo para impulsionar as negociações com os emergentes e evitar um fracasso da COP21, o governo brasileiro busca reforçar a necessidade de apoio das grandes potências aos países em desenvolvimento, para que as metas de proteção sejam cumpridas.
O encontro, no âmbito das Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, também deve resultar no aporte de novos investimentos para a proteção das florestas brasileiras e na transferência de tecnologia em fontes renováveis de energia.
"Brasil e Alemanha se colocam como grandes potências na discussão sobre mudanças climáticas entre os emergentes e os países desenvolvidos. E a Alemanha reconhece o Brasil como um parceiro importante para promover o diálogo com outros países de industrialização recente", afirma Karina Marzano, coordenadora de projetos em segurança energética e mudanças climáticas na América Latina da Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata Cristã (CDU), partido de Merkel.
Os dois países, que estão entre as dez nações que mais emitem gases de efeito estufa no mundo, são parceiros históricos na área ambiental, mas agem de forma diferente para tentar amenizar o problema.
"A forma como a Alemanha tem se reorganizado rumo a uma economia sustentável tem caráter estrutural. Já o Brasil não tem feito ações coordenadas em todos os setores da economia para derrubar as emissões", avalia o coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace, Pedro Telles.
Para atingir a meta de redução de 40% nas emissões de carbono até 2020, a Alemanha tem promovido uma virada para as energias renováveis em praticamente todos os setores da economia, com destaque para as energias eólica e solar.
Com a queda drástica nos índices de desmatamento, o Brasil registrou uma queda de 41% na liberação de gases do efeito estufa entre 2005 e 2012, mas os índices relacionados aos setores de energia, agropecuária e transportes não param de aumentar.
Virada energética
Pressionado pelo acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, o governo Merkel anunciou o fechamento de todas as usinas nucleares do país até 2022. O país intensificou a campanha conhecida como Energiewende (transição energética), criada para elevar a participação das fontes renováveis na matriz energética alemã.
No ano passado, a geração alternativa foi responsável por 26% da produção bruta de energia do país, perante meros 6,2% em 2000, quando entrou em vigor a Lei das Energias Renováveis (EEG). A legislação, que estabeleceu cotas a serem pagas pelo consumidor, foi alvo de críticas, com empresas relatando um aumento de quase 300% nas contas de energia elétrica.
"Essa política, responsável pela economia de cerca de 150 toneladas de carbono, gerou um aumento no custo da energia para empresas e consumidores. Ela veio acompanhada de críticas, mas, ao mesmo tempo, da consciência de necessidade de mudança", explica Marzano.
A principal característica da transição energética alemã é permitir que o consumidor venda para o sistema a energia produzida, por exemplo, por painéis solares instalados em sua residência. "Se alguém tem interesse de usar energia solar em casa, vem um especialista do governo com um planejamento que prevê em quanto tempo haverá um retorno do investimento", diz a especialista da Fundação Konrad Adenauer.
Apesar de o governo alemão ter sinalizado o "fim da era dos combustíveis fósseis" durante o 6° Diálogo sobre o Clima de Petersberg, em maio deste ano, mudanças no mercado energético, como o aumento do preço do gás natural na Europa e a falta de incentivos para dar fim ao consumo de carvão mineral, prejudicam os planos do país de "descarbonizar" a produção de energia.
Potência subaproveitada
Mesmo com potencial muito superior à Alemanha em termos de geração de energia limpa, as participações das energias eólica e solar no Brasil estão aquém da capacidade interna, apesar de as propostas de empreendimentos para os próximos dois leilões de energia elétrica terem aumentado.
"O pior lugar para captar energia solar no Brasil é 20% mais eficiente do que o melhor lugar na Alemanha. Só que, enquanto uma em cada dez pessoas se beneficia da energia solar na Alemanha, menos de 800 residências possuem telhados solarizados no Brasil", compara Telles, do Greenpeace.
Em declaração conjunta assinada em junho durante a visita de Dilma aos Estados Unidos, o Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e zerar o desmatamento ilegal até 2030. O compromisso serve como base para o documento que deve ser entregue à COP21, em outubro. O país também promete aumentar a participação de fontes renováveis, como sol, vento e biomassa, entre 28% e 33%, apesar de a meta já ter sido alcançada.
"Essa é, na verdade, uma não promessa. Já chegamos à meta de 28%. O país tenta vender uma imagem falaciosa no plano internacional", critica Telles.
Parcerias
A Alemanha já doou mais de 400 milhões de euros para a preservação das florestas brasileiras, incluindo recursos para a criação de unidades de conservação e a implementação do sistema de satélites que monitora o desmatamento, além de ser financiadora do Fundo Amazônia.
O Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), criado na década de 1990, "foi precursor dos mecanismos que envolvem o combate à redução de emissões e a criação de incentivos econômicos", explica Maureen Santos, coordenadora de Justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil.
A iniciativa é colocada em risco pela extração de madeira na Amazônia – a ilegalidade atinge 50% do setor. Segundo o Greenpeace, o atual cenário prejudica os esforços de cooperação entre Brasil e Alemanha.
A ONG alerta que o governo Dilma foi o que menos criou unidades de conservação em terras indígenas, um mecanismo-chave para a preservação das florestas. Além disso, Dilma acolheu a proposta da Agenda Brasil, do presidente do Senado, Renan Calheiros, que prevê a flexibilização de licenciamentos ambientais e revisão dos marcos jurídicos de proteção de territórios indígenas.
Para Telles, o apoio de Merkel na preservação das florestas brasileiras deve ter uma contrapartida. "Dilma tem de promover um compromisso concreto com a redução do desmatamento. Por enquanto, os sinais dados pelo governo têm ido na direção contrária", avalia.