Como as sanções afetam o Irã – e todo o Oriente Médio
6 de novembro de 2018As sanções dos Estados Unidos têm consideráveis consequências para a população civil do Irã, pois muitos artigos do dia a dia estão mais caros ou simplesmente indisponíveis. Falta muita coisa, menos gasolina – pelo contrário: ela não só é fornecida, como a preços inusualmente baixos.
Graças a fortes subsídios, no fim de outubro de 2018 o combustível estava quase 0,30 dólar, ou seja, mais barato do que em quase qualquer outro lugar do mundo. Segundo o serviço de informações Global Petrol Prices, apenas a Venezuela e o Sudão oferecem a seus habitantes preços de energia mais baixos.
Tal política de preços possivelmente ajuda a aplacar o descontentamento popular com a economia claudicante, mas ao mesmo tempo permite a numerosos cidadãos com disposição para o risco fazerem excelentes negócios.
O contrabando com o combustível subvencionado floresce. A cada dia, entre 20 e 40 milhões de litros deixam o país por vias ilegais, resultando em prejuízos bilionários, estimou o economista Bijan Khajehpour, da firma de consultoria Eurasian Nexus Partners, sediada em Viena, falando ao magazine online Al-Monitor.
Os canais obscuros, contudo, não apontam apenas para alguns negociantes clandestinos: eles também mostram até que ponto é difícil, em geral, interditar as exportações de petróleo – como pretende o governo de Donald Trump com suas sanções, excluídas algumas licenças para países muito específicos.
Transações de permuta, pagamentos em moedas diferentes do dólar e vias comerciais secretas: tudo é possível para contornar de fato as sanções, afirma Nick Cunningham, analista do portal OilPrice.com. Desse modo, petróleo negociado comercialmente continua encontrando o caminho para sair do Irã.
Ainda assim, as sanções poderão afetar o país. De acordo com Imad Abshnas, cientista político da Universidade de Teerã, as novas medidas pouco se distinguem das anteriores. O Irã talvez consiga se arranjar com elas, mas "caso a pressão aumente, os linhas-dura do governo poderão prevalecer", causando "aumento da tensão em toda a região".
Do ponto de vista iraniano, isso pode ser francamente vantajoso, frisa Abshnas, pois "a única maneira de demover a Casa Branca de sua política de sanções é fazer se agravar a escalada na região":
No entanto, ressalva o cientista político Jochen Hippler, da Universidade de Essen-Duisburg, atualmente Teerã procura se contrapor ainda por outros meios às sanções e suas consequências. Até o momento, apesar das declarações de Trump, foi possível manter o Irã dentro dos parâmetros do acordo nuclear, "e segundo tudo do que até agora sabemos pela Organização Internacional de Energia Atômica (OIEA), o país segue cumprindo sua parte".
Tal sucesso decorre do trabalho conjunto de diversas nações – tanto alguns membros da União Europeia, como a Alemanha, França e Reino Unido, quanto da China e Rússia. "Agora a questão é, novamente, se esses países conseguem fazer ao Irã ofertas econômicas vantajosas para ele. Aí talvez seja possível salvar o acordo."
A Teerã não faltam possibilidades de reagir às sanções. Durante a guerra da Síria, o regime dos mulás ampliou enormemente sua presença no país, chegando até a fronteira com Israel através de seu associado Hisbolá. Ele está igualmente presente no Iraque graças a laços religiosos, na forma de cooperação com várias organizações mais comprometidas com o xiismo do que com o Estado nacional iraquiano.
No Iêmen, o regime cultiva ligações estreitas com os rebeldes houthis, para preocupação da Arábia Saudita. Esta teme a influência dos arquirrivais no sul da Península do Golfo Pérsico, e por isso há mais de três anos trava guerra contra os rebeldes, sem a mínima consideração pela população civil.
Caso os EUA mantenham inalteradas suas sanções, o governo iraniano deverá, pelo menos, defender suas atuais posições, calcula Jochen Hippler. "Nesse caso, não é muito provável que o Irã recue de seu significativo papel no Iraque e na Síria. Pelo contrário: ele pode tentar consolidá-lo, embora não necessariamente ampliá-lo mais ainda."
Por outro lado, é também concebível que Teerã adote um curso mais agressivo, sugere Imad Abshnas. O regime pode, por exemplo, impedir a exportação do petróleo saudita pelo Estreito de Hormuz, ou reforçar o apoio aos houthis, de forma a pressionar Riad. Ou ainda intensificar o fomento ao Hisbolá libanês e ao Hamas palestino.
No momento, uma política desse tipo seria altamente inoportuna para a Arábia Saudita, sob forte abalo interno e externo devido ao presumível assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul.
Por um lado, a reação do reino, de olho na própria população, pode ser chamar ainda mais a atenção para o adversário Irã, sugere Jochen Hippler. Por outro, contudo, o governo talvez tente estabilizar novamente a aliança informal com Israel, EUA e os Emirados Árabes Unidos.
Fora de dúvida, no momento, é que o reino saudita está sob pressão. "Por isso, pela primeira vez o governo americano pressionou publicamente por uma solução pacífica da guerra no Iêmen."
"É questionável se isso vai resultar em alguma coisa, mas pelo menos mostra que – ao contrário de sua até então quase incondicional ligação com a Arábia Saudita – os EUA estão considerando tomar o escândalo de assassinato como pretexto para amenizar a agressiva conduta saudita, justamente no Iêmen", analisa Hippler.
O Oriente Médio está sob tensão por diversos motivos, e as sanções americanas contra o Irã tendem a agravá-la mais ainda. No entanto as sequelas políticas de médio prazo não afetam apenas a República Islâmica: seu "efeito de fragmentação" é amplo demais, e elas tendem a se alastrar por toda a região.
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