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Como a Primeira Guerra marcou a música

Gaby Reucher
15 de setembro de 2018

A pompa e a glória imperial se tornaram obsoletas após 1918. Em busca de novos estilos musicais, compositores seguiram caminhos diferentes. Mas a entrada na era moderna não foi fácil para todos.

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Cartaz do balé "Petrushka" de Igor Stravinsky
Cartaz do balé "Petrushka" de Igor StravinskyFoto: picture-alliance/POP-EYE/sinissey

Quando o compositor russo Igor Stravinsky estreou em Lausanne, na Suíça, a sua História do Soldado, em 1918, o mundo estava no estágio final de uma guerra de proporções sem precedentes, que envolveu 40 países e 70 milhões de combatentes nos campos de batalha. Cerca de 17 milhões de pessoas perderam a vida durante a Primeira Guerra Mundial.

Durante esse período, dificilmente obras opulentas puderam ser executadas. Faltavam bons músicos e o dinheiro necessário. Os grandes teatros e as casas de ópera ainda estavam fechados. Assim, Stravinsky, que fora para Paris quando jovem e na época estava morando na Suíça por alguns anos, compôs com meios simples para uma pequena orquestra itinerante a história do soldado que resgatou a sua alma do diabo, em forma de teatro musical.

O emprego de instrumentistas de corda e sopro combina perfeitamente com o conjunto belga Oxalys Ensemble, que encenou a História do Soldado no Beethovenfest (Festival de Beethoven) em Bonn.

Para seus concertos, os membros do ensemble escolhem músicas que estão historicamente relacionadas entre si. "Nós vemos a música num contexto histórico e também em relação a outras artes", explicou a violinista Shirly Laub, do Oxalys. "Por exemplo, justapomos a música francesa à música alemã e tentamos descobrir as influências do impressionismo e do expressionismo."

Como a guerra rouba as almas das pessoas

Em sua peça de teatro itinerante com um pequeno elenco composto pela princesa, o diabo e o soldado, Stravinsky usou os contos de fadas russos como modelo: um soldado troca com o diabo o seu violino por um livro, que lhe promete fortuna. Sem saber, ele permaneceu três anos a serviço do diabo.

Quando quer voltar para casa, não há mais lar para ele. Sua noiva se casou há muito com outro homem. Embora o soldado consiga recuperar seu violino com um artifício e encontrar sua felicidade amorosa com uma princesa, para a sua antiga pátria, onde o diabo está esperando por ele, ele não pode mais retornar. Quando ele viola essa exigência, sua alma se perde.

"Sabemos que, depois da guerra, as pessoas realmente estavam sem rumo. A Europa havia mudado muito", explicou Shirly Laub. "Durante a guerra, muitos compositores ficaram isolados e não apreendiam nada do zeitgeist." Alguns emigraram para Londres, outros viveram recolhidos por anos, no campo, em seu próprio mundo. Ou eles próprios foram – inspirados pelo patriotismo – para a frente de batalha.

O violino como a alma do soldado, o diabo como a personificação da guerra: assim é frequentemente interpretada a História do Soldado. O barítono Dietrich Henschel, que muitas vezes colabora com Oxalys e atuou excelentemente como orador em vários papéis, disse ver mais uma interpretação.

"Na peça de Stravinsky há ragtime e danças que apontam para o futuro". Isso sugere que não se deve ater-se demais à tradição, explicou Henschel. O próprio Stravinsky escreveu: "Trava-se um diálogo com a tradição para fazer algo novo".

Igor Stravinsky em seu piano, em foto de 1934
Igor Stravinsky em seu piano, em foto de 1934Foto: picture alliance/akg

Música na guerra marcada pelo nacionalismo

A novidade de Stravinsky estava em seus ritmos assimétricos e harmonias dissonantes. Além disso, ele também incorporou música do continente americano, como jazz e tango, em sua peça.

Outros colegas franceses com mentalidade ainda nacionalista recorreram a clássicas formas musicais nessa época. Como Maurice Ravel em sua suíte O túmulo de Couperin. Ravel escreveu essa música fúnebre para seus amigos caídos na guerra e fez citações de danças barrocas.

Para um aluno, ele escreveu que, apesar de ter renunciado à Marselhesa, certamente não citaria um tango. Antes da guerra, o papa já havia colocado essa dança altamente ofensiva do ponto de vista da Igreja no índice de proibições.

Claude Debussy, compatriota de Ravel, também recorre à música barroca em sua suíte para dois pianos Em preto e branco, de 1915. O pianista húngaro Dénes Várjon vai tocar a peça com sua esposa, Izabella Simon, por ocasião do 100° aniversário de Debussy no dia 16 de setembro, durante o Festival de Beethoven de Bonn.

"O segundo movimento é um verdadeiro jogo de guerra", afirmou Várjon. "Há muitas citações musicais, incluindo o hino coral de Lutero Uma fortaleza poderosa." A fortaleza como um símbolo dos inimigos alemães. Mais tarde, ecos da Marselhesa para a esperada vitória da França. Debussy morreu antes do final da Primeira Guerra Mundial, sem vivenciar os tempos em que se tentou superar o nacionalismo.

Novos sons de uma geração jovem

Para a geração mais jovem, os sons românticos e tonais do pré-guerra não se adequavam mais aos horrores dos combates. A sátira, a caricatura e o estilo grotesco foram um dispositivo estilístico popular da época. Assim, Francis Poulenc, então com 18 anos, zombava em sua Rapsódia Negra da desenfreada moda africana entre as classes mais abastadas.

A peça é baseada num texto nonsense de um poeta africano imaginário. "Toda a obra tem um componente surreal e é, portanto, uma caricatura grotesca", apontou Dietrich Henschel, que cantou a voz de barítono na apresentação. "O texto é completamente abstrato-dadaísta."

Já em 1916, o escritor Hugo Ball havia lançado o movimento artístico Dada com seus poemas sonoros sem sentido – como um protesto contra a Primeira Guerra Mundial e como uma provocação contra a burguesia e o mundo artístico subserviente.

Ensemble Oxalys, da Bélgica
Ensemble Oxalys, da Bélgica, apresenta obra de Stravinsky no BeethovenfestFoto: Oxalys Ensemble

Música no boom econômico dos anos 1920

Quando a Primeira Guerra Mundial terminou, a economia crescia enquanto a industrialização progredia. Aviões de passageiros encurtaram as distâncias entre os países, o jazz dos EUA também veio para a Europa. Artistas propagavam a arte abstrata, músicos experimentavam a música atonal.

Por outro lado, a psicanálise examinava o inconsciente e muitos artistas se ocupavam da metafísica. Foi um período de constante evolução. Um período em que se acreditava que o nacionalismo da Primeira Guerra Mundial tinha sido superado. Também na música, o zeitgeist era cosmopolita e moderno.

"Os músicos passaram a se interessar pelos compositores contemporâneos", disse a violinista Shirly Laub, do Ensemble Oxalys. "Havia recitais com Stravinsky, com Ravel e todos os outros, a fim de se ver qual era a música da época."

Por exemplo, Gustav Mahler queria que seus amigos músicos conhecessem o que Schönberg e Busoni estavam compondo. Igor Stravinsky apoiou Francis Poulenc e recomendou o jovem colega à sua editora.

Música se torna política

"Na situação social antes e por volta da Primeira Guerra Mundial, a função da música mudou", explicou Dietrich Henschel. "Música e teatro eram cada vez mais vistos como uma declaração social e política". Kurt Weill escreveu em 1928 com Bertolt Brecht a Ópera dos Três Vinténs, uma ópera "mendiga" com melodias populares e que, até 1933, foi uma das mais bem-sucedidas apresentações de teatro musical na Alemanha.

Igualmente popular foi a ópera de Ernst Krenek Jonny spielt auf, que estreou no ano anterior, em 1927, mas já sendo perturbada por apoiadores do nacional-socialismo. A ópera de jazz da "nova era" tornou-se um sucesso mundial.

Mas a ascensão foi de curta duração. A Grande Depressão do final dos anos 1920 favoreceu os nazistas. Eles prometiam emprego e queriam restaurar a "ordem". Muitos artistas e músicos foram para o exílio nos EUA já antes da Segunda Guerra Mundial, incluindo Ernst Krenek e Kurt Weill.

A música deles havia sido banida pelo regime de Hitler. Francis Poulenc musicou secretamente textos de resistência contra os nazistas na França. Stravinsky permaneceu na França por um tempo. Em 1940, ele também emigrou para os EUA.