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Como a edição do DNA pode mudar a nossa espécie

Luisa Frey9 de março de 2016

Decisão sobre patente pode definir quem se beneficiará da revolucionária tecnologia de engenharia genética CRISPR-Cas9. Perspectiva de alterar genes humanos de modo mais simples abre leque de possibilidades e temores.

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Foto: Fotolia/Gernot Krautberger

O Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (USPTO, na sigla em inglês) começa a analisar nesta quinta-feira (10/03) quem deve receber a patente para usar a revolucionária tecnologia de edição genética CRISPR-Cas9. O método permite manipular genes com facilidade e precisão sem precedentes – inclusive em seres humanos.

A possibilidade de que a CRISPR-Cas9 seja usada em breve para a terapia genética em humanos tem causado frenesi na comunidade científica. Ao mesmo tempo, muitos se perguntam: os seres humanos deveriam ter controle sobre a própria genética e reescrever o DNA para gerações futuras?

Biólogos são capazes de editar o genoma com ferramentas moleculares há algum tempo, mas não de maneira tão simples e versátil como com a CRISPR-Cas9. Descoberta em 2012, a tecnologia usa a enzima Cas9 para cortar o DNA em pontos determinados por uma cadeia-guia de RNA. Ou seja, a tecnologia funciona mais ou menos como a ferramenta de localizar e substituir uma palavra no Word, primeiro localizando o gene a ser editado e, depois, fazendo a alteração necessária.

Isso permite "customizar o genoma de qualquer célula ou espécie à vontade", afirmou Charles Gersbach, professor assistente de Engenharia Biomédica da Universidade de Duke ao New York Times.

Corrigir doenças

Na China, cientistas já aplicaram a tecnologia para alterar o DNA de embriões humanos no ano passado, na tentativa de corrigir falhas genéticas por trás da rara – e muitas vezes fatal –doença sanguínea talassemia beta, o tipo de talassemia mais comum no Brasil. O experimento, realizado na Universidade Sun Yat-sen, foi considerado eticamente defensável, pois os embriões carregavam um defeito cromossômico que os tornava inviáveis e não lhes foi dada a chance de se desenvolver.

O Reino Unido também autorizou, no início de fevereiro deste ano, que cientistas modifiquem geneticamente embriões humanos, mas apenas para fins de pesquisa. Trata-se da primeira licença do tipo na Europa, e os pesquisadores, do Instituto Francis Crick, em Londres, planejam adotar a tecnologia CRISPR-Cas9.

Alterar o DNA de um embrião – a chamada modificação da linha germinativa – significa que as mudanças apareceriam em todas as células do organismo adulto. Isso inclui óvulos e espermatozoides, ou seja, as mudanças genéticas e possíveis efeitos colaterais seriam transmitidos para gerações futuras.

Terapia genética para tratar problemas imunológicos

Se pesquisadores conseguissem manipular o gene que sofre mutação em pessoas com o mal de Huntington, por exemplo, eles poderiam curar o distúrbio neurológico e evitar que crianças nascessem com a enfermidade.

Demanda médica

Muitos especialistas argumentam que as doenças causadas por um único gene defeituoso, como a de Huntington, são raras e, por isso, não há uma demanda médica para fazer alterações hereditárias em embriões.

"A edição genética hereditária não é aplicável a doenças comuns como câncer ou diabete, nas quais a componente hereditária é causada por vários genes diferentes", escreveu o jornalista científico Nicholas Wade no New York Times.

Wade afirma que, mesmo no caso de doenças causadas por um único gene, a edição da linha germinativa é desnecessária na maioria dos casos, porque os pais podem gerar uma criança saudável através da fertilização in vitro. Bastaria implantar no útero apenas embriões saudáveis, identificados numa triagem genética. Casais também podem recorrer à doação de esperma.

Além da manipulação genética em embriões, há a esperança de que, para algumas doenças, seja possível extrair células-tronco do sangue, alterá-las com ajuda da CRISPR-Cas9 e devolvê-las ao organismo. Segundo artigo publicado na revista Nature, poderiam ser manipuladas células-tronco para tratar a anemia falciforme, por exemplo.

Um desafio maior seria aplicar a enzima Cas9 e o RNA-guia para outros tecidos do corpo, mas pesquisadores esperam que um dia a técnica possa ser usada para lidar com uma série de doenças genéticas. Cientistas também têm esperança de conseguir manipular células do sistema imunológico para evitar o câncer e finalmente encontrar uma cura para a doença.

Bebês projetados

Muitas pessoas temem que a CRISPR-Cas9 seja utilizada indevidamente para criar os chamados "bebês projetados". O medo é de que alterações genéticas sejam aplicadas não apenas para evitar doenças, mas também para aumentar a inteligência ou determinar a aparência da criança.

Para Marcy Darnovsky, diretora do Centro de Genética e Sociedade, nos EUA, isso poderia gerar um cenário em que as pessoas com condições de pagar por um "bebê projetado" tentariam dar a seus filhos o melhor começo na vida possível, provocando novas pressões competitivas e comerciais. "Correríamos o risco de introduzir novos tipos de desigualdade", disse ao Guardian.

Cientistas desenvolvem arroz mais resistente

Em entrevista à DW, Françoise Baylis, filósofa e bioeticista da Universidade Dalhousie, no Canadá, também aponta que a pressão para alterações genéticas no caso de uma doença poderia levar a ainda mais discriminação e preconceito.

No entanto, para Robin Lovell-Badgne, do Instituto Francis Crick de Londres, os perigos da tecnologia são menores do que a maioria das pessoas pensa. "Não sabemos como aumentar a inteligência", exemplifica. Como tantas outras características do ser humano, a inteligência não é resultado de um único gene, e cientistas ainda não sabem quais genes estão envolvidos.

Agricultura

Além da edição genética em humanos, empresas estão de olho na CRISP-Cas9 para a agricultura e a biotecnologia industrial. Nos últimos anos, pesquisadores já usaram a engenharia genética para produzir trigo e arroz resistentes a pragas, assim como alcançaram progressos em relação a cabras resistentes a doenças e laranjas com mais vitaminas, por exemplo.

Agora, com a facilidade e o baixo custo oferecido pela CRISP-Cas9, a lista de organismos geneticamente modificados deve crescer, afirma a bióloga molecular Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia. E isso poderia significar mudanças significativas na nossa alimentação.

Doudna e sua equipe, coliderada por Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck de Biologia Infecciosa, em Berlim, estão entre os que disputam a patente pela CRISP-Cas9. Deve levar meses para que as autoridades americanas cheguem a um veredicto, o qual pode determinar quem vai se beneficiar da tecnologia e como ela vai mudar nossa vida no futuro.