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Como a China deu "salto quântico" com ajuda da Alemanha

Esther Felden
15 de junho de 2023

Universidade mais antiga da Alemanha acabou envolvida na estratégia militar quântica de Pequim ao financiar pesquisas inovadoras de cientistas chineses e manter colaboração estreita com universidade de elite na China.

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Pan Jian-wei ao lado de militares
Pan Jian-wei (d) ao lado de militares num evento oficial chinês, em PequimFoto: Zhang Yuwei/ZUMAPRESS/picture alliance

Em fevereiro de 2022, um webinário da Otan se ocupou da Universidade de Heidelberg. O evento virtual foi organizado pelo comando estratégico Supreme Allied Commander Transformation (SACT), voltado para o futuro da condução de guerras.

Ao longo de uma hora, o webinário analisou os sucessos da China na pesquisa quântica. E foi nesse ponto que se falou de Heidelberg, a universidade mais antiga da Alemanha e parceira de longa data de uma universidade de elite da China que mantém contatos com a indústria bélica chinesa.

Já em 2019 a empresa americana de inteligência estratégica Strider chamara a Universidade de Heidelberg de "a mais importante parceira estrangeira por trás dos avanços rápidos da China no uso dual de tecnologia quântica". Uso dual significa que a tecnologia pode ser usada tanto para fins civis como militares.

A tecnologia quântica já é hoje utilizada em telefones celulares e aparelhos de navegação. Ela tem potencial para mudar o mundo de forma ainda mais decisiva que a internet.

Em parceria com o centro de jornalismo investigativo Correctiv, a DW reconstruiu o caso Heidelberg.

Um cientista renomado

Tudo começou em 2003, quando o físico quântico chinês Pan Jian-wei começou a construir seu próprio grupo de pesquisa na Universidade de Heidelberg. Renomado e várias vezes premiado, ele recebeu verbas milionárias de pesquisa na Europa.

Durante seus cinco anos em Heidelberg, Pan manteve estreito contato com sua alma matter, a Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC). Era lá que ele recrutava jovens pesquisadores promissores. Também eles receberam, já em Heidelberg, recursos de origem alemã ou europeia.

Em 2008, Pan retornou à USTC. Consigo, ele levou não apenas alguns de seus alunos como também seu laboratório e projetos de pesquisa. E isso apesar de a União Europeia ter acabado de aprovar uma nova verba, de 1,4 milhão de euros, para o grupo de pesquisa dele em Heidelberg.

Um alemão na USTC

A estreita cooperação entre as duas universidades foi mantida. Pan continuou a enviar jovens talentos para a Alemanha, que mais tarde retornariam à USTC. Em 2011, ambos os lados assinaram um acordo de intercâmbio acadêmico.

Na época, cooperações desse tipo eram politica e economicamente bem-vindas na Alemanha, pois a China era vista como uma importante parceira comercial.

Em 2013, um dos poucos pesquisadores ocidentais a aceitar uma oferta para pesquisar na USTC, no âmbito do programa estatal chinês Mil Talentos, foi o físico alemão Matthias Weidemüller, de Heidelberg.

Em retrospecto, Weidemüller diz que estabeleceu claras condições para si mesmo para aceitar a oferta. "Ninguém vai me dizer sobre o que devo pesquisar", explica. Todos os resultados de suas pesquisas são públicos, e seu laboratório podia ser visitado por qualquer pessoa, argumenta. Independência e transparência são importantes para ele, afirma.

Weidemüller é, até hoje, professor honorário na USTC. Assim como Pan na Universidade de Heidelberg. Mas o contexto político mudou radicalmente, e não apenas por causa da pandemia de covid-19.

De parceiro a rival

A China, o parceiro cortejado de então, é hoje um "rival sistêmico" da Alemanha com uma presença internacional cada vez mais incisiva. Nos bastidores, o atual governo alemão discute há meses sobre sua nova estratégia para a China.

No plano internacional, a China concorre com os Estados Unidos na supremacia quântica. A "fusão militar-civil" é doutrina de Estado na China, tudo está subordinado à segurança nacional. Até 2049, o regime chinês quer ter as Forças Armadas mais modernas do mundo.

Na pesquisa quântica, o setor mais avançado é o da comunicação. Trata-se de segurança de dados e da troca de informações criptografadas, algo de grande interesse do ponto de vista militar.

Um dos mais influentes do mundo

A China é líder em comunicação quântica – devido a Pan Jian-wei. A revista americana Time colocou o pesquisador quântico na sua lista das cem pessoas mais influentes do mundo de 2018. Um ano depois, a empresa americana de inteligência estratégica Strider afirmou que Pan tem ligações com a indústria bélica chinesa.

À DW, Pan garantiu, por escrito, que, desde seu retorno à China, "nenhum de seus projetos recebeu apoio militar". Ao mesmo tempo, ressalvou: "Mesmo que determinadas tecnologias possam ter uso militar, isso é algo que NENHUM cientista pode prever ou controlar".

"Estou plenamente convencido de que essa tecnologia emergente trará amplas vantagens à humanidade", destacou.

Filial em Xinjiang

Mas é fácil descobrir que o nome dele está associado à empresa Quantum CTek. Essa start-up foi fundada por Pan logo depois de seu retorno de Heidelberg. Hoje ele é o segundo maior acionista dela. O maior é a USTC.

Desde 2017, a empresa especializada em comunicação quântica tem uma filial na província de Xinjiang. Lá vive a minoria muçulmana uigur, que sofre abusos, é enviada para campos de reeducação e vigiada pelo regime chinês.

O físico Yangyang Cheng, que se dedica às partículas elementares e estudou na USTC, comenta que a presença da Quantum CTek em Xinjiang é "moralmente condenável" e não pode ser um acaso.

"O fato de uma empresa tão jovem ter aberto uma filial por lá sugere que ela tem estreitos contatos com o aparato de segurança do Estado chinês", diz Cheng, que é de origem chinesa e vive há mais de dez anos nos EUA.

Já Pan diz à DW não saber por que a Quantum CTek tem uma filial em Xinjiang, pois, desde 2011, "não participa mais da direção da empresa, exceto como acionista".

A Quantum CTek não respondeu aos questionamentos da DW.

Sanções dos EUA

Os Estados Unidos impuseram sanções à Quantum CTek em novembro de 2021. E também ao complexo de laboratórios da USTC, ao qual Weidemüller é associado. O motivo: apoio "à modernização militar do Exército de Libertação Popular". As sanções têm por objetivo impedir a transferência de tecnologia e conhecimento dos EUA para a China.

"Não dá para simplesmente ignorar isso. Aí você seria uma pessoa alheia ao mundo", comenta Weidemüller, sobre as sanções. Ele nega, porém, uma relação com o próprio trabalho científico. "Pela maneira como se pesquisa é possível determinar quão próximo ou distante se está da aplicação prática." Voltado à pesquisa básica, ele se vê muito distante da Quantum CTek.

Mas a nova realidade geopolítica mundial pressiona. Desde o início de 2022, também a Universidade de Heidelberg tem uma unidade para verificar se projetos internacionais de pesquisa podem ter um possível uso militar.

Algo necessário, pois, com a USTC, a Universidade de Heidelberg tem um parceiro que coopera com grandes empresas armamentistas chinesas na área de pesquisa quântica e também com a principal universidade militar da China, a NUDT.