Da agressão verbal à violência física nas redes sociais
10 de fevereiro de 2016É bem provável que a chanceler federal alemã, Angela Merkel, não tenha mais muitos motivos para se alegrar ao acessar sua página no Facebook. Há meses, a chefe de governo vem recebendo fortes críticas a sua política de refugiados na rede social, muitas vezes com palavras nada amistosas.
"Com que desaforo, arrogância, mentira e prepotência Merkel vem conduzindo a Alemanha. Isso é frieza ao cubo, e não humanidade", afirma o usuário Dieter Naussed. "Os estrangeiros estão rindo da gente", garante outro usuário.
Tanto no Facebook como em outras plataformas, o tom do discurso nas redes sociais ficou mais áspero na Alemanha. O tema que repercute de forma mais inflamada é a crise dos refugiados. O assunto está levando os usuários a uma linguagem tão desinibida que o ministro da Justiça, Heiko Maas, já pediu várias vezes ao Facebook que apagasse comentários provocadores.
O Instituto Digital de Munique (Munich Digital Institute) divulgou um estudo no qual ouviu 1.271 usuários da rede social sobre a impressão do público a respeito da linguagem utilizada na plataforma. Quase 70% disseram acreditar que as discussões políticas no Facebook se tornaram mais agressivas e/ou emocionais. Apenas 2% dos entrevistados descreveram os debates como sendo objetivos.
Por outro lado, quase 75% afirmaram ver cada vez mais opiniões políticas extremas no Facebook, e 53% confessaram querer postar mensagens provocativas no futuro.
Dinâmica preocupante
Segundo o jornalista e especialista em estudos sobre o islã Thorsten Gerald Schneiders, comentários grosseiros são postados nas redes sociais há muito tempo.
Schneiders, que monitora sobretudo sites críticos do islã e também páginas salafistas, conhece os mecanismos que levam à composição de mensagens mais desinibidas. "Toda a vez que alguém 'curte' o post de outra pessoa, está massageando um ego. Assim, os grupos de afinidade vão se encontrando e se tornando maiores e mais ousados", diz.
Para o especialista, na internet é possível pode expressar facilmente pontos de vista extremistas e ver imediatamente uma reação. "Se você receber uma aprovação, a autoconfiança aumenta", afirmou à emissora Deutschlandfunk.
Falta de controle social
A psicóloga Catarina Katzer também destaca que as pessoas muitas vezes se encontram em grupos de afinidade na internet. "E quanto mais eu quiser pertencer a um grupo, maior será o meu engajamento", disse Katzer em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. O fato de não haver um controle eficaz das interações sociais na rede também provoca um aumento da desinibição.
Os efeitos dessa dinâmica virtual não se limitam à rede. O secretário do Interior do Estado do estado da Renânia do Norte-Vestfália, Ralf Jäger, disse recentemente que a linguagem agressiva na internet leva à violência física. "O ódio nas redes sociais provoca um clima de medo e violência", disse no site da Secretaria do Interior. "Isso incita a violência contra os refugiados e põe fogo nos abrigos de refugiados."
Público amedrontado
A jurista americana Susan Benesch, responsável pelo site dangerousspeech.org, pesquisou a conexão entre violência física e verbal. Para ela, tal correlação pode ser favorecida por certos fatores – entre os quais está um usuário influente que pode incentivar outros usuários a fazer os mesmos ataques verbais.
Outros fatores são um público tenso e amedrontado, o uso de uma linguagem que estimule a violência, casos anteriores de violência e uma plataforma influente. Segundo Benesch, quanto mais esses fatores se combinarem, mais fácil fica para a violência verbal se transformar em violência física.
Apesar de cada vez mais pessoas usarem nomes reais na internet, o anonimato continua existindo, o que estimula a violência verbal, segundo Schneiders. "O anonimato na internet ainda é uma espécie de laboratório onde se pode testar os efeitos das próprias declarações extremas, onde se pode externar suas frustrações, sua raiva, sem se arriscar muito a ponto de ser punido na vida real", afirma.
Pouca pluralidade
Raramente pontos de vista políticos diferentes são encontrados num fórum que tenha a violência como marca. Em vez disso, membros de grupos políticos endossam uns aos outros.
A visão de mundo se estreita, a dinâmica de grupo ganha impulso e posições diferentes das daqueles que criaram o grupo não têm mais lugar. Assim, é preparado o terreno para as teorias da conspiração, o que também contribui para a transformação da agressão verbal em violência física.
Relatos objetivos e pluralidade, capazes de civilizar o discurso e prevenir a violência, quase não se fazem mais presentes numa série de fóruns nas redes sociais.