Combate às armas depende de cooperação internacional
16 de outubro de 2005O plebiscito sobre a proibição do comércio de armas e munições no Brasil, marcado para o próximo dia 23, repercute – ainda que timidamente – na Alemanha. Algumas manchetes de jornais, como "O Brasil se desarma" ou "Comprar [armas] rápido, antes do cessar-fogo", publicadas na semana passada, passam a impressão de que o país se encontra em fim de guerra.
Publicações especializadas são mais sóbrias ao abordar o assunto. Em recente edição do Focus Brasilien, publicação eletrônica do Centro de Estudos da Fundação Konrad Adenauer no Rio de Janeiro, o diretor da entidade, Wilhelm Hofmeister, escreve que a comunidade internacional está tão preocupada com o combate ao terrorismo, que corre o risco de não ver que as armas leves funcionam como verdadeiras armas de extermínio em massa.
Um estudo recentemente divulgado pela ONU indica que, nos últimos 25 anos, meio milhão de brasileiros foram mortos por armas de fogo. "Essas armas não são um problema isolado de alguns países e, sim, um desafio à cooperação internacional", afirma Hofmeister.
Segundo ele, o sucesso de uma política de combate ao problema depende do controle da oferta, diminuição da demanda, administração dos depósitos e destruição dos excessos de armas. "Para isso, é importante a cooperação de grandes países produtores, entre eles, a Alemanha. Por enquanto, não há um consenso internacional para uma ação conjunta."
Lobby armamentista
Estima-se que mais de 500 milhões de armas de pequeno porte estejam em circulação pelo mundo, incluindo revólveres, rifles automáticos, granadas, submetralhadoras e pistolas. Somente no Brasil há 17,5 milhões de armas de fogo, 90% estão nas mãos da população civil.
Na avaliação de Hofmeister, os únicos países que realmente apóiam um controle mais rigoroso do comércio internacional de armas e munições são os escandinavos, o Reino Unido, Canadá, Holanda e "muitas nações vítimas".
Alguns países em conflito (Oriente Médio, Índia, Paquistão) ou que lucram com o comércio ilegal, como Rússia e a China, ou ainda tradicionais exportadores, como Alemanha, Áustria, Itália, República Tcheca e Espanha, estariam apoiando discretamente a posição defendida pelos EUA, de que os governos devem se preocupar apenas com o comércio ilegal.
Resistência ao plano da ONU
Estas nações também estariam resistindo ao plano de ação da ONU contra armas leves. Isso por interesses econômicos ou porque os custos para montar um sistema nacional de controle não têm relação com a real dimensão desse problema, como seria o caso da Alemanha.
A base de qualquer controle – diz Hofmeister – são informações adequadas, o que falta na maioria dos países. Nas nações pobres, o controle ainda é dificultado pela debilidade das instituições estatais e a "mentalidade de faroeste".
Nos países industrializados, acrescenta, as armas leves não têm causado grandes problemas, nos últimos anos. Por isso, medidas de vigilância parecem ter se tornado desnecessárias. "Nem mesmo países industrializados da Europa dispõem de informações centralizadas nesse campo. Talvez isso mude, se houver indícios mais claros de abuso de armas de fogo", diz.
Estatísticas oficiais indicam que nas mãos dos 80 milhões de alemães encontram-se cerca de dez milhões de armas registradas e pelo menos o dobro desse número de armas ilegais. Embora a Alemanha adote uma lei de porte de arma bastante rígida, o potencial de criminalidade embutido nesses números gerou uma polêmica no país, após uma chacina ocorrida em 2002, numa escola de Erfurt, na Turíngia (veja link abaixo).
>> Leia a seguir: O controle das armas na América Latina
América Latina
Hofmeister constata que nos países latino-americanos e africanos, em regra, não há um trabalho de cooperação bem organizado entre as diferentes instâncias nem um clima de confiança entre Estado e sociedade. "Não é raro haver um boicote de informações. Uma centralização e racionalização dos mecanismos de controle e sistemas de informação poderia diminuir a violência", afirma.
Ele considera problemático também que, na América Latina e no Caribe, o controle sobre as armas seja tradicionalmente exercido pelos militares e pela polícia, "instituições que representam o Estado no confronto com a sociedade". O Estado – inclusive no Brasil – não detém mais o monopólio sobre as armas, mas os militares e policiais dificilmente reconhecem que peritos civis podem ajudar no controle, explica.
Segundo Hofmeister, uma eventual proibição do comércio de armas no Brasil terá conseqüências também para os países vizinhos, principalmente do Mercosul. Argentina, Uruguai e Chile já estariam estudando uma possível adaptação de suas legislações à lei brasileira. "Se o Brasil for mais rigoroso, mas não houver controle nos países vizinhos, o tráfico de armas tende a aumentar", prevê.
Pioneirismo brasileiro
Segundo Hofmeister, a situação brasileira é singular, pois em nenhum país do mundo a população até hoje foi convocada a decidir sobre o destino da comercialização de armas de fogo e munição, através de uma consulta popular.
"Sabemos, que a violência no Brasil, que acompanha o cotidiano de muitas pessoas e que desqualifica a imagem internacional do país, não vai acabar na madrugada após uma
eventual proibição da comercialização de armas e munição. Mesmo assim, os brasileiros podem dar um sinal importante de que estão dispostos a seguir o caminho da paz", conclui.
Independente do sim ou não, há na Alemanha quem veja o plebiscito com bastante ceticismo. "Com parágrafos ainda não se prendeu nenhum bandido. A implementação da proibição do comércio de armas (ou a abertura de exceções) depende de uma estrutura administrativa e de um judiciário ágeis, que inexistem no Brasil. A polícia é corrupta e a justiça, emperrada", sentencia o Wiesbadener Kurier, jornal da capital do Estado de Hessen.