Combate à corrupção é negligenciado, denuncia promotor
21 de março de 2004Um novo caso de suspeita de corrupção agitou a Alemanha esta semana, nem bem esclarecido o anterior, envolvendo a construção do novo estádio em que se dará a abertura da Copa do Mundo de Futebol em 2006. Na mira está o presidente da companhia ferroviária alemã Deutsche Bahn (DB), Hartmut Mehdorn, sob suspeita de troca de favores com um político.
Ex-políticos contratados por empresas
No final de 2002, quando era secretário dos Transportes de Brandemburgo, Harmut Meyer encarregou a companhia de ampliar a rede ferroviária regional, sem ter feito licitação. O contrato representou um negócio de mais de um bilhão de euros para a Deutsche Bahn. Alguns meses após sua assinatura, Meyer deixou a secretaria estadual. No início deste ano, a DB contratou-o como consultor, o que faz qualquer pessoa pensar na mão que lava a outra.
A promotoria pública de Neuruppin abriu inquérito contra Mehdorn. Mas nesta quinta-feira (18), um porta-voz disse que "dificilmente haverá como comprovar a responsabilidade direta" de Mehrdorn. Pelos documentos confiscados, o contrato de consultoria com o político seria da alçada de outro membro da diretoria da DB, contra o qual também foi aberto inquérito.
Especialistas em corrupção consideram problemáticas as ligações entre empresas e políticos. Por isso, exigem transparência especialmente nos contratos de consultoria, para que se saiba o serviço pelo qual uma pessoa ou firma será paga. Do contrário, pode haver suspeita de que esses contratos, geralmente com altos honorários, são uma recompensa por "favores" prestados.
Um promotor na inglória luta contra a corrupção
"Tem que haver um prazo mínimo de cinco anos entre o desligamento do serviço público e um trabalho para uma empresa, com a qual o político ou alto funcionário público tenha tido estreitas relações. Trata-se de evitar qualquer suspeita de corrupção, de que a pessoa foi comprada", disse à Deutsche Welle um dos principais juristas alemães que combatem a corrupção, Wolfgang Schaupensteiner, chefe de um departamento especial da Promotoria Pública de Frankfurt.
Desde os anos 90 ele denuncia a negligência das autoridades no trato da corrupção, considerada por muitos como "delito de cavalheiros". Corruptores e corrompidos ficam entre si, não havendo quem apresente queixa. O dano é de terceiros, pois a corrupção prejudica firmas corretas que deixam de receber encomendas, os consumidores que acabam pagando preços mais altos e os contribuintes, quando é a licitação é do Estado.
Mais controles
Schaupensteiner está convencido de que se faz muito pouco na Alemanha para punir os responsáveis. Falta controle, e não necessariamente leis mais severas. A prevenção pode impedir favorecimentos. Assim, ele diz que licitações, editais e a concessão de encomendas não podem ficar nas mãos de uma só pessoa. "Se um único funcionário dá a encomenda, faz o contrato e ainda controla depois as contas, o cargo mais parece uma licença para imprimir dinheiro", diz o promotor.
Propostas suas e de sua equipe não faltaram. A lista é longa, como ele enumera: "Código penal para empresas, foi recusado. Prazo mínimo de cinco anos, nem quiseram pensar nisso. Corrupção de deputados, a regulamentação de abusos no exercício do mandato, nada. Participação de executivos nos lucros: a corrupção ainda continua sendo lucrativa".
A conclusão do promotor é taxativa: "Apesar do que se sabe sobre enriquecimento ilimitado no triângulo formado pela política, a iniciativa privada e a administração pública, a corrupção é um fenômeno subestimado e seu combate, negligenciado."
Registro de firmas corruptas
Mas Wolfgang Schaupensteiner pelo menos já conseguiu uma coisa: acabar com a possibilidade de as firmas descontarem dos impostos proprinas pagas para obtenção de encomendas no exterior. A respectiva lei foi alterada.
Outro projeto seu, para que fosse criado um registro nacional de corrupção, não foi aprovado pela segunda câmara do Legislativo, o Conselho Federal. A "lista negra" conteria o nome de firmas que recorreram a propinas e outras formas de corrupção. Por um certo tempo elas deveriam ser excluídas de licitações públicas.
No tocante ao registro, o promotor de Frankfurt espera conquistar aliados na própria iniciativa privada, por achar que é do seu interesse recuperar a confiança perdida na seriedade das empresas alemãs. O passo seguinte seria um registro europeu para garantir a livre concorrência e em defesa dos empresários sérios, dos consumidores e contribuintes. Medidas essas que parecem mais urgentes do que nunca, diante a ampliação da União Européia em 1º de maio.
Estádio: "propina modesta"
No caso do novo estádio em Munique, que resultou na prisão do então presidente do clube de futebol 1860 Munique, Kar-Heinz Wildmoser, seu filho e mais duas pessoas, a empreiteira austríaca Alpine confirmou na quinta-feira (18) haver pago 1,4 milhão de euros ao amigo de Wildmoser Junior, que lhe deu a "dica" do projeto.
A soma correspondia a 0,5% do total da licitação, no valor de 280 milhões de euros. A "comissão" não seria problema, não fosse Wildmoser Junior o diretor-gerente da firma responsável pela construção do estádio. "A proprina até que foi modesta", comentou o promotor Schaupensteiner, "o comum é entre 1,5% e 3%".