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"Com imigração, importamos conflitos religiosos"

Kersten Knipp (mp) 28 de agosto de 2015

Sociólogo Hans-Georg Soeffner diz que integrar imigrantes às sociedades alemã e europeia pode evitar graves desavenças culturais, como entre diferentes ramos do islã. Aguardado fluxo de refugiados pode agravar problema.

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Foto: Reuters/P. Rossignol

"O sistema de ensino alemão precisa oferecer as competências linguísticas adequadas aos imigrantes. Sem isso, eles não podem ser integrados", afirma o sociólogo alemão Hans-Georg Soeffner.

Em entrevista à DW, o ex-professor da Universidade de Konstanz e ex-presidente da Sociedade Alemã de Sociologia (DGS), fala sobre o atual fenômeno migratório na Europa, particularmente na Alemanha. Para ele, os países europeus demoraram a enfrentar a questão com seriedade.

Soeffner afirma que a Alemanha está relativamente mais bem preparada para lidar com a chegada massiva de refugiados, mas alerta que, diante do grande número esperado de imigrantes, conflitos culturais podem se intensificar.

DW: O Ministério do Interior da Alemanha prevê que o país receba até 800 mil requerentes de asilo em 2015. Este número lhe preocupa?

Hans Georg Soeffner: Sim, por um lado me preocupa. Isso porque, na verdade, teríamos como lidar comesse número, mas os governos federal e estaduais estão muito atrasados na questão. Nós sabíamos há muito tempo que esta onda de refugiados viria e também que ela aumentaria. A interminável lentidão com a qual a Alemanha se moveu até aqui me deixa desesperado. É preciso se deixar claro que, depois de 1945, a Alemanha é o país que mais recebeu migrantes. Mais do que os antigos Estados coloniais França e Reino Unido. A Alemanha teve que lidar com um grande fluxo de refugiados, grande emigração e imigração, incluindo as primeiras levas dos chamados Gastarbeiter ["trabalhadores convidados"]. Somente até o ano 2000, 23 milhões estrangeiros chegaram à Alemanha. Ao mesmo tempo, 17 milhões de pessoas emigraram. Tivemos, portanto, uma mistura contínua, e isso decorreu razoavelmente bem. Mas, neste momento, tenho a impressão de que ninguém sabe claramente o que isso significa em termos de planejamento.

Qual seria uma política inteligente para enfrentar os desafios atuais?

Não se trata apenas de acomodação. O sistema de ensino alemão – tanto para crianças como para adultos – precisa ficar rapidamente em condições de oferecer as competências linguísticas adequadas aos imigrantes. Sem isso, os refugiados não podem ser integrados [à sociedade]. Além disso, é necessária a cooperação com a Agência Federal para Emprego.

Deutschland Soziologe Hans-Georg Soeffner
Soeffner: "Temos que transmitir os valores alemães previstos na Constituição"Foto: picture-alliance/dpa/F. Franke

Como o senhor vê a dimensão cultural desta imigração?

Se não transmitirmos de maneira resoluta conhecimentos culturais e linguísticos, vamos ter muito rapidamente conflitos culturais – devido às religiões dos imigrantes. Já temos 4,5 milhões de muçulmanos na Alemanha. O número cresceu gradualmente, de modo que Alemanha ficou relativamente tranquila em relação a conflitos culturais. Mas a imigração atual tem uma dimensão completamente diferente. E vemos que, com ela, também importamos os conflitos religiosos existentes entre os próprios muçulmanos.

O que você espera para o futuro desses conflitos?

Temos que partir do princípio de que esses conflitos irão aumentar. Porque, com os refugiados, também os conflitos religiosos e políticos de seus países de origem vêm para a Alemanha – os conflitos entre sunitas e xiitas, ou entre muçulmanos liberais e salafistas. Nós já conhecemos os conflitos entre turcos e curdos, assim como entre alevitas e o resto dos muçulmanos. A princípio já estamos familiarizados com esse tipo de conflito. Mas, diante do número esperado de imigrantes, os conflitos vão se intensificar. E, por isso, temos que começar a transmitir, o mais rápido possível, os valores alemães – em outras palavras, a Constituição. Só assim os imigrantes saberão quais regras valem aqui.

Atualmente vemos casos isolados de ruptura da ordem pública – como em Calais, Lampedusa e na Macedônia. Observa-se nesses lugares uma espécie de anarquia. Os países europeus têm capacidade de dominar e evitar esse tipo de situação?

A difícil de lidar com a situação, porque durante anos os europeus deixaram o problema se agravar. O Reino Unido permitiu uma imigração relativamente descontrolada, a França também. O sistema de registros britânico é extremamente fraco, não é preciso nem apresentar uma identidade. Os britânicos agora têm que aprender, e é claro que vão aprender. Mas eles empurraram esses problemas durante anos. Dessa maneira, a Europa permitiu que o caos aumentasse. A Alemanha agiu um pouco melhor do ponto de vista organizacional – sem querer me gabar sobre isso. Percebemos de forma relativamente rápida que não poderíamos resolver esses problemas somente com a polícia, mas que era necessário trabalho social específico e órgãos competentes, capazes de distribuir postos de trabalho. Como resultado, temos até agora uma situação um pouco diferente. Portanto, temos potencial [para lidar bem com o fluxo migratório], mas não podemos empurrar os problemas, como fizemos até agora.

Diante da questão dos refugiados, mais uma vez se questiona, o que a sociedade alemã tem como fator de coesão. Qual é a sua resposta?

Com certeza não é uma cultura dominante – há tempos nós não temos mais isto. A força da Alemanha está no fato de termos uma das melhores Constituições do mundo. E ela precisa ser ensinada e aplicada.

Trata-se, então, de uma espécie de patriotismo constitucional...

Sim, é isso que se pretende. Isso inclui a questão da liberdade religiosa, como Ernst-Wolfgang Böckenförde já havia formulado nos anos 1970: o que constitui um Estado secular é determinado pelo quanto ele permite em termos de liberdade religiosa. Ou seja, sociedades com diferentes religiões e agrupamentos ideológicos são sempre frágeis. Precisamos conviver com isso. Elas têm, no entanto, a grande vantagem de se tratarem de sociedades abertas. Mas isso quando o Estado é muito claro e atenta, quase que implacavelmente, para que a Constituição realmente seja aplicada. Todo o resto é uma ilusão.