Cidade alemã em São Paulo
28 de junho de 2009Depois de passar pelas belas casas do abastado bairro do Morumbi, em São Paulo, chega-se à Unidade I do Colégio Visconde de Porto Seguro. Em vez de entrar direto na escola, quem vem de carro deve desembarcar no estacionamento – que é subterrâneo e digno de shopping center, com cancela, sinalização e área para embarque e desembarque ao lado da escada que, aí sim, leva à escola.
O estacionamento, descobre-se ao subir, fica debaixo do campo de futebol em tamanho oficial, circundado por pistas de atletismo e uma arquibancada lateral. À primeira vista, a escola mais pareceria um clube, não fosse pelas crianças correndo de um lado para o outro em seus uniformes com camiseta branca e calça azul-marinho (é hora do recreio).
Um passeio pelas instalações revela mais surpresas na infraestrutra: academia, duas piscinas, quadra poliesportiva coberta, minizôo com bichinhos (vacas, cabras, carneiros), uma sala de teatro, outra de cinema e uma biblioteca de primeiríssimo mundo, que provavelmente causaria inveja a muitas escolas alemãs.
E este é apenas um dos três endereços do Porto Seguro, pelos quais se distribuem suas cinco unidades. A do Morumbi é a mais antiga: foi inaugurada em 1974 para abrigar os alunos que já não cabiam no antigo prédio na Praça Roosevelt, no Centro.
130 anos de tradição
Mas o colégio é bem mais antigo que isso: foi fundado em 1878 por imigrantes alemães, dando seus primeiros passos com 52 alunos e dois professores. Até a Segunda Guerra Mundial era chamado de Deutsche Schule, mas o conflito obrigou à mudança do nome, que, em 1943, passou ao atual.
Nas últimas décadas, seu crescimento foi constante: depois de se transferir para o Morumbi, a escola construiu as unidades de Valinhos (1983) e do Panamby (1997), e nos anos 2000 passou a investir no novo filhote, o Portinho, para crianças de 18 meses a 4 anos. Depois da abertura da primeira unidade do Portinho em 2002, agora a terceira já está a caminho: em construção em Valinhos, o novo empreendimento marca a continuada expansão da escola.
O crescimento constante vem atender à demanda que, mesmo com o número de alunos batendo na casa dos 11 mil, ainda é maior do que o número de vagas que a escola consegue oferecer, aponta o diretor alemão Walter Biedermann.
"Acho que hoje somos a única escola em São Paulo que tem uma lista de espera", conta Biedermann, mostrando que há muita gente disposta a pagar as altas mensalidades, que chegam a R$ 1.325 (quase 500 euros) para um aluno na 8ª série, ou R$ 1.530 (560 euros) para quem está no Abitur.
Aos pais ansiosos por proporcionar aos filhos o melhor futuro possível, os apelos da escola são vários: 130 anos de tradição, prestígio acadêmico (há alguns anos, ficou em primeiro lugar no ranking da revista Veja São Paulo que apontava as 50 melhores escolas da metrópole) e, claro, o ensino do alemão.
"É muito nítido como os pais passaram a valorizar mais, nos últimos anos, uma formação internacional para seus filhos", diz Biedermann, que vem notando a mudança ao longo de seus dez anos no Porto Seguro.
"Eles querem que suas crianças tenham uma alternativa ao caminho tradicional brasileiro, leia-se ir para uma boa escola particular para entrar numa boa faculdade. Nós oferecemos justamente essa alternativa, com o nosso Abitur alemão."
Currículo brasileiro ou bilíngue
O Abitur é a versão alemã do vestibular – a prova que os alunos fazem ao se formar para se qualificar para as universidades. "Nosso Abitur habilita as crianças a estudarem no mundo todo. Elas podem escolher uma universidade nos Estados Unidos, na Austrália, na Alemanha", exemplifica Biedermann, contando que 80% dos chamados Abiturienten escolhem este último destino.
Este ano, há 45 alunos na turma do Abitur, todos na faixa dos 18 anos. Eles são uma parcela pequena do total, já que o sistema de ensino da escola é dividido entre o currículo A e o currículo B. O primeiro só difere de outras escolas brasileiras num quesito: o ensino do alemão, a primeira língua estrangeira que os alunos começam a aprender, já na 3ª série – na 5ª, passam a ter aulas de inglês, e na 8ª, de espanhol.
Já o currículo B é o bilíngue – e "bicultural", como a escola gosta de frisar. Nesse sistema, os alunos têm aulas de várias disciplinas nas duas línguas: há o professor de Matemática e o de Mathematik; o de Física e o de Physik; o de História e o de Geschichte. O conteúdo das matérias é dividido entre os professores de forma a se complementar. É o chamado B-Zug, ao fim do qual os alunos podem optar pelo Abitur.
Os alunos do currículo A têm a chance de passar para o B na 8ª série; aqueles que se destacam no alemão são convidados a mudar de turma e têm aulas de apoio para se adaptar à carga bem mais intensa do idioma no dia a dia.
De olho nas universidades alemãs
A aluna Giovanna Leonhardt, de 18 anos, foi uma das que passou pela transição. Hoje ela está na turma do Abitur e tem como meta estudar relações internacionais na Alemanha.
"Como eu tenho ascendentes alemães, minha mãe queria que eu estudasse a língua. Nós moramos muito longe, em Alphaville, mas mesmo assim ela faz questão de nos trazer sempre", conta Giovanna, que tem mais dois irmãos na escola.
Seu colega de turma Markus Kalousdian, de 18 anos, quer estudar engenharia em Karlsruhe. "Eu já passei uns meses fazendo um curso lá e gostei muito do estilo de vida", conta ele, enquanto faz um experimento com Giovanna no laboratório de biologia.
Não muito longe dali, alunos da 8ª série estão passando pelo mesmo processo que Giovanna viveu alguns anos atrás – a transição do currículo A para o currículo B. "É difícil, mas acho que vai valer a pena. Matemática é mais fácil porque é universal. Já História... Aí complica bastante", diz Daniel Lucas, que acaba de estudar a Revolução Francesa em alemão.
Mas, aos 13 anos, ele já vislumbra as oportunidades de trabalho que podem ser proporcionadas pelo domínio da língua. "Quando eu for procurar emprego, haverá várias empresas alemãs aqui no Brasil que devem pagar bem e eu terei uma grande oportunidade com isso", aposta.
Nas aulas de alemão, os alunos desenvolvem trabalhos sobre estados da Alemanha, travam contato com estudantes alemães por e-mail e conhecem textos da literatura alemã. Nas férias, a escola organiza viagens de estudo. A mais tradicional é o intercâmbio para os alunos da 9ª série, que só em dezembro passado levou 160 alunos para a Alemanha.
"Eles ficam sete semanas com famílias alemãs, e em agosto os alunos de lá vêm passar uma temporada com eles aqui", conta Thorsten Nehls, diretor do curso de alemão como língua estrangeira.
Pais também aprendem a língua
Segundo Nehls, os perfis de pais/alunos que procuram a escola, segundo ele, são muito variados: para alguns, o ensino de alemão é um fator decisivo para colocar o filho na escola; para outros, é apenas um "efeito colateral".
Mas o perfil de alunos mudou muito desde a fundação da escola: se no início o público eram os filhos de imigrantes alemães, hoje os brasileiros são maioria absoluta. Na unidade do Morumbi, por exemplo, são 4.500 alunos, dos quais 600 integram o currículo B, conta Nehls.
Ele observa que o interesse em aprender alemão vem crescendo nos últimos anos, e não apenas como promessa para o currículo dos alunos. "Há dois anos, começamos a oferecer aulas de alemão para os pais. Hoje, já são oito turmas, e há pais que estão entrando no terceiro ano", destaca.
"É importante lembrar que aqui em São Paulo existem cerca de mil empresas alemãs muito grandes, ou seja, a língua alemã abre as portas para um mercado de trabalho importante", afirma.
Autor: Júlia Dias Carneiro
Revisão: Alexandre Schossler