Colonia Dignidad
24 de agosto de 2011O enclave de imigrantes alemães no sul do Chile denominado "Colonia Dignidad" foi fundado em 1961 pelo orientador de menores luterano Paul Schäfer. Dois anos antes, ele fugira da Alemanha, para escapar de acusações de abuso infantil.
Com a tomada do poder pelo ditador Augusto Pinochet, em 1973, a colônia passou a ser utilizada como centro de tortura pela polícia secreta chilena, a Dina. Mesmo após o retorno da democracia ao país, em 1990, a seita e suas práticas obscuras permaneceram longe dos olhos do resto do mundo.
Estado dentro do Estado
Formalmente, a colônia foi reconhecida como entidade de interesse público: um hospital para a população rural da região lhe concedia um caráter social-beneficente. Somente com a fuga de Paul Schäfer, em 1997, a comunidade, mais tarde rebatizada oficialmente como "Villa Baviera", começou a se abrir e passou por mudanças abrangentes.
"O Estado chileno agiu de forma leviana, ao conceder personalidade legal à organização de um pederasta foragido da Alemanha. A entidade recebeu somas elevadas em subvenções e isenção fiscal", indigna-se o advogado das vítimas da seita, Hernán Fernández. Segundo ele, durante décadas a Colonia Dignidad funcionou como um Estado dentro do Estado, sem qualquer controle sobre o que ocorria lá dentro. "Por omissão, o Chile se tornou cúmplice."
Analistas admitem ter havido pequenos avanços sob a coalizão governamental de centro-direita Concertación por la Democracia. A polícia realizou numerosas batidas nos terrenos da colônia, à procura de Schäfer. No entanto, em 1997 ele conseguiu escapar para a Argentina, só sendo capturado e devolvido ao Chile oito anos mais tarde. Em 2006, o criminoso foi condenado a 20 anos de prisão por abuso sexual de menores em 25 casos. Em 24 de abril de 2010, ele morreu na clínica da penitenciária de Santiago.
Persecução insuficiente
"Até hoje, o Estado agiu de forma insuficiente e atrasada. Os líderes da Colonia Dignidad formavam uma das mais perigosas organizações criminosas do Chile. Eles são responsáveis por crimes graves: abuso sexual de menores organizado em grande escala, trabalhos forçados, sequestro, desaparecimento, apoio à opressão durante a ditadura, assassinato, contrabando de armas, fabricação de munição de guerra, crimes econômicos e sonegação de impostos. Apesar disso, gozavam de tratamento benevolente e privilegiado", acusa o advogado.
Dentre os responsáveis pelos crimes enumerados por Hernán Fernández, 26 foram julgados pelos tribunais chilenos, e 15 deles receberam pena de cinco anos e um dia de prisão, sendo, contudo, liberados mediante caução. Atualmente aguardam sentença definitiva pelo Supremo Tribunal do Chile.
Fernández exige que sejam endurecidas as sanções contra Hartmut Hopp, braço direito de Schäfer e cofundador do enclave, assim como contra outras figuras de liderança, na época. "Através de sua anuência, eles foram coniventes com esses crimes. Além disso, praticavam violência dentro da comunidade. Por isso, poderiam ser condenados a até 20 anos de cárcere."
O advogado acentua que as condições de vida na Colonia Dignidad fizeram de muitos de seus habitantes "deficientes físicos, psíquicos e sociais". "Essas pessoas sofreram muitos danos, são vítimas de traumas múltiplos, que necessitam de ajuda financeira e profissional de modo a suportar as sequelas e compreender o mundo, após terem vivido 40 anos isoladas."
Sem ressarcimento
A embaixada da Alemanha no Chile assegura que "o governo alemão continua tendo grande interesse em atingir uma investigação abrangente e a persecução penal dos atos criminosos cometidos pelos membros da antiga Colonia Dignidad". Contudo, num ponto os especialistas da Alemanha e do Chile concordam: as medidas tomadas até o momento por ambos os países são insuficientes.
Um exemplo é o caso de Franz Baar, que decidiu deixar a colônia em 2003. Desde então ele vive em condições precárias e depende da ajuda do advogado Fernández. Baar sofre de afecção renal séria, devido aos medicamentos que lhe foram injetados durante 30 anos, "para que não pensasse em nada, além de trabalhar. Era uma espécie de submissão, castigo e controle", relata o jurista.
O apoio por parte do governo chileno foi parco: durante três anos, Baar recebeu uma pensão mensal de 290 euros, a qual, contudo, foi negada a sua esposa, também ex-habitante da Colonia Dignidad. O casal expôs a extensão de seus problemas em entrevista ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung: para os moradores da Villa Baviera, eles são traidores, para as autoridades do Chile, não passam de estrangeiros sem teto.
"O Estado chileno não enfrenta dificuldades financeiras. Porém, até o momento, tem recusado qualquer tipo de ressarcimento para as vítimas", acusa Fernández. "Diante da gravidade e do caráter crônico do caso da Colonia Dignidad, assim como das gritantes violações dos direitos humanos lá cometidas, o Estado tem responsabilidade especial diante das vítimas, as quais têm direito a uma indenização."
A história continua
Até mesmo a impressão de que as circunstâncias teriam melhorado, após a fuga de Schäfer e a abertura do enclave alemão, parece enganadora. Ao que tudo indica, prosseguem as agressões contra os habitantes da atual Villa Baviera. Em 2010, Hernán Fernández apresentou queixa-crime contra o ex-líder da Colonia Dignidad Rudolf Collen, acusado de estupro por uma moradora alemã da aldeia.
Uma série de inquéritos sobre a Colonia Dignidad continua pendente, e o papel do Estado chileno carece de um esclarecimento completo. Por parte do governo de Sebastián Piñera Echeñique, presidente do país desde 2010, não houve qualquer pronunciamento sobre a questão. A Deutsche Welle tentou repetidamente conseguir uma entrevista com o Ministério chileno das Relações Exteriores, responsável pelo caso, porém o órgão não reagiu aos pedidos.
"Isto demonstra que o caso da Colonia Dignidad não é importante para o Estado chileno. Lá se desenrolaram verdadeiras tragédias humanas, e as autoridades ignoram o sofrimento dos atingidos"; critica Fernández. "Estamos esperando uma resposta dos responsáveis políticos. Estou considerando apresentar queixa diante dos tribunais internacionais", anunciou o advogado das vítimas.
Autoria: V. Dannemann / V. Campos / A. Valente
Revisão: Francis França