Cientistas descobrem o que dizimou astecas
16 de janeiro de 2018Em 1545, os astecas do México foram atingidos por uma tragédia quando a população começou a adoecer com febres e dores de cabeça e sangramentos nos olhos, boca e nariz. Geralmente, os doentes morriam em três ou quatro dias após o contágio.
Em cinco anos, 15 milhões de pessoas, cerca de 80% da população, foram dizimadas numa epidemia que os locais chamaram de "cocoliztli". A palavra significa "peste" na língua asteca nahuatl. A causa do flagelo, porém, ficou desconhecida por cinco séculos.
O mistério, agora, parece ter sido resolvido por cientistas do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (Alemanha), da Universidade de Harvard (EUA) e do Instituto Nacional de Antropologia e História do México.
Leia também: Os dentes que podem reescrever a história da humanidade
Em estudo publicado nesta segunda-feira (15/01) na revista Nature, Ecology & Evolution, os pesquisadores apontaram como provável causa a febre entérica, gerada por uma variedade da bactéria salmonela, trazida pelos europeus.
"A 'cocoliztli' de 1545-50 foi uma das muitas epidemias que atingiu o México após a chegada dos europeus, mas foi especificamente a segunda das três epidemias mais devastadoras e que levou ao maior número de mortes de seres humanos", explica Ashild Vagene, do Instituto Max Planck e da Universidade de Tübingen, também na Alemanha.
A pesquisadora, coautora de um estudo divulgado na publicação científica Nature, Ecology & Evolution, diz que cientistas puderam fornecer as provas diretas da causa da epidemia – debatida por mais de um século – usando DNA antigo.
"Pela introdução de uma nova ferramenta de análise metagenômica chamada Malt, aplicada aqui para buscar traços de DNA patogênico antigo, fomos capazes de identificar [a bactéria] Salmonella enterica em indivíduos enterrados num cemitério (...) em Teposcolula-Yucundaa, Oaxaca, no sul do México", diz a introdução à pesquisa. "Com base em evidências históricas e arqueológicas, esse cemitério [é o único que] tem ligação com a epidemia de 1545-1550, que afetou amplas áreas do México."
Com o novo programa de processamento de dados, a equipe analisou DNA de 29 esqueletos enterrados no local. Dez deles apresentaram traços da variedade Paratyphi C da bactéria, que causa febre entérica, da qual a febre tifoide é um exemplo. O subtipo mexicano raramente causa infecções em humanos hoje em dia.
Porém, atualmente, a febre entérica também é considerada uma ameaça grave para a saúde no mundo todo. Estima-se que tenha feito adoecer 27 milhões de pessoas em todo o planeta apenas no ano 2000. A variedade tifoide provoca febres elevadas, desidratação e complicações gastrointestinais.
Avanço
Kirsten Bos, investigadora do Instituto Max Planck, destaca que a descoberta é um "avanço essencial" porque apresenta um novo método para o estudo das enfermidades do passado. Os pesquisadores afirmaram que, até agora, era difícil determinar as causas de doenças a posteriori na maioria dos casos de epidemias históricas estudadas.
"Em alguns casos, por exemplo, os sintomas causados por infecções de distintas bactérias ou vírus podem ser muito parecidos, ou os sintomas apresentados por certas doenças podem ter mudado nos últimos 500 anos", explicam.
O time de pesquisadores lembrou que diversas variedades da salmonela são propagadas por água ou comida contaminadas, e podem ter viajado ao México com animais domésticos levados pelos espanhóis. Sabe-se que a Salmonella enterica existia na Europa na Idade Média.
Alexander Herbig, também da Universidade de Tübingen, explica que foram conduzidos testes com todos os materiais patogênicos bacterianos e com vírus de DNA conhecidos hoje em dia. A Salmonella enterica foi o único germe detectado, mas é possível que haja causadores de doenças ainda desconhecidos ou que não puderam ser detectados com o método utilizado, que possam ter contribuído para dizimar os astecas.
A epidemia "cocoliztli" é considerada uma das mais letais da História humana, aproximando-se da peste bubônica ("peste negra"), que matou 25 milhões de pessoas na Europa ocidental, cerca de metade da população regional, no século 14.
Colonizadores europeus espalharam doenças quando se aventuraram no Novo Mundo, levando germes com os quais as populações locais nunca tinham tido contato, e contra os quais, portanto, não tinham imunidade.
O flagelo "cocoliztli" atingiu o que hoje são México e áreas da Guatemala duas décadas depois de uma epidemia de varíola ter matado entre 5 e 8 milhões de pessoas, logo após a chegada dos espanhóis. Uma segunda epidemia "cocoliztli" matou metade da população restante entre 1576 e 1578.
RK/afp/efe/ots