Cidade modelo do país, Curitiba quase fica fora da Copa
28 de março de 2014Curitiba já foi conhecida como exemplo de planejamento urbano no Brasil, mas essa reputação acabou sendo colocado em cheque durante os preparativos para a Copa do Mundo. No início deste ano, a cidade foi manchete no mundo inteiro, após a Fifa ameaçar tirá-la da competição, devido a atrasos na obra do estádio. Além da Arena da Baixada, também nenhuma das obras de mobilidade urbana foi entregue no prazo previsto.
A novela da Arena da Baixada, considerada um dos estádios mais modernos do Brasil, começou bem antes da visita da entidade máxima do futebol que apontou o atraso. Desde o início, a obra foi marcada por complicações no financiamento, cujo valor inicial era de 184,5 milhões de reais e seria dividido entre o clube Atlético Paranaense e governos municipal e estadual, e por denúncias de corrupção.
Entre os 12 estádios da Copa, o de Curitiba era o que precisaria de menos intervenções. Seu prazo de entrega era dezembro de 2013. Mas a obra saiu do papel já com seis meses de atraso. O Atlético ficou responsável pela reforma e, para economizar, criou uma empresa própria para coordená-la, a CAP/SA, responsável por contratar empresas menores para tocar o projeto.
Assim, sem experiência e os recursos de grandes construtoras, eles só tocaram a obra à medida que eram liberados os empréstimos. Em 2013, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Paraná detectou irregularidades e suspendeu o repasse de recursos.
Em 2014, o mesmo órgão recomendou que o último empréstimo, exigência da Fifa para a conclusão do estádio, não fosse liberado até o clube apresentar um orçamento final e a justificativa para as alterações no projeto. Com a demora para a liberação do dinheiro, em março, o clube deu o próprio estádio como garantia.
Além do financiamento, a reforma enfrentou problemas trabalhistas. Em outubro de 2013, a Justiça do Trabalho ordenou a paralisação da construção devido à falta de segurança. Em dezembro, os operários entraram em greve devido a atrasos no pagamento dos salários.
Conta em aberto
Os atrasos causado por essas paralisações e as alterações no projeto contribuíram para que o orçamento da Arena da Baixada chegasse a 330 milhões de reais. Segundo Mauro Lacerda, professor de engenharia civil da Universidade Federal do Paraná, o clube apresentou três projetos diferente nos últimos dois anos.
"Hoje eu não sei qual projeto está sendo construído na Arena", conta Lacerda, que também foi coordenador de um projeto da universidade em parceria com o TCE para analisar e fiscalizar as obras da Copa na cidade.
Com a pressão da Fifa, as obras andaram e a cidade permanece no calendário do evento. Agora resta saber quem vai pagar essa conta extra. O clube pede que o acordo tripartite que previa a divisão em três seja cumprido. Entretanto, os governos municipal e estadual afirmam que o acordo previa apenas a divisão do valor inicial, de 184,5 milhões.
Mas não foram somente os atrasos que transformaram a obra na Arena da Baixada em notícia. O estádio esteve envolvido em escândalos de corrupção. Um deles diz respeito ao superfaturamento na aquisição das cadeiras. A empresa responsável por esse fornecimento é a Kango Brasil Ltda., da qual um dos sócios é Mário Celso Keinert Petraglia, filho do presidente do Atlético, Mário Celso Petraglia.
O clube havia recebido dois orçamentos com preços melhores para as cadeiras, mas, mesmo assim, optou pelos produtos da Kango. Além disso, a empresa ofereceu os mesmos assentos durante a licitação para o estádio Nacional de Brasília, com um preço 60% mais baixo. Em Brasília, elas foram oferecidas por 161,06 reais a unidade. Em Curitiba, elas saíram por 259 reais.
Outra denúncia trata do uso de 1,5 milhão de reais do dinheiro para a construção do estádio na contratação de um jogador, o lateral Léo, do Vitória, que acabou sendo comprado pelo Flamengo. O clube negou as acusações.
Legado da Copa
Além da Arena da Baixada, os atrasos nas obras de mobilidade também arranharam a imagem da cidade. O carro chefe do projeto apresentado na candidatura de Curitiba para Copa era o metrô. Porém, ele acabou não saindo do papel, além de não entrar na lista de projetos de mobilidade previstos na Matriz de Responsabilidades – contrato assinado entre a Fifa e a cidade.
Os projetos da Matriz também foram modificados no decorrer dos anos. O primeiro acordo, assinado em 2010, previa a execução de nove obras, mas duas, o corredor da Avenida Cândido de Abreu e a requalificação de vias existentes do Corredor Metropolitano, acabaram sendo canceladas devido ao seu encarecimento.
Além disso, as sete obras restantes atrasaram e duas delas, a reforma no terminal de ônibus do Santa Cândida e a alça de ligação à Avenida Salgado Filho, só serão concluídas depois do Mundial. As outras cinco devem ficar prontas em maio.
O secretário municipal da Copa do Mundo, Reginaldo Cordeiro, afirma que o atraso foi causado por falhas no planejamento destes projetos. Após a eleição de 2012, o governo da cidade mudou e quando a nova gestão assumiu encontrou projetos incompletos que tiveram que ser refeitos para sair do papel.
Para Lacerda, o legado da Copa em Curitiba será bem menor do que o previsto, devido a projetos que não trazem muitas inovações. O professor cita um exemplo:
"No corredor do aeroporto até a cidade poderia ter sido feita uma obra com padrão moderno, mas ela já está obsoleta antes da inauguração. Por exemplo, a fiação elétrica poderia ser subterrânea, ou uma linha de transporte direta, tipo trem ou um ônibus melhor. Tudo aquilo que se imagina que poderia ser feito com o dinheiro que se tinha, acabou não sendo colocado no projeto", opina o especialista.