China na corda bamba entre liberalismo econômico e controle político
31 de agosto de 2013O julgamento do ex-astro da política chinesa Bo Xilai passou. O Partido Comunista tentou pôr um ponto final nos maiores escândalos políticos das últimas décadas. Com Bo Xilai, a esperança da chamada "nova esquerda" desaparece atrás das grades. Mas a política neomaoista, por ele iniciada, continua viva, impulsionada justamente por seu adversário político, o novo chefe de Estado e secretário-geral do Partido Comunista, Xi Jinping.
Sebastian Heilmann, sinólogo da Universidade de Trier, vê algo de fundamentalmente novo no fato de se dar continuação e propagar conceitos, métodos e programas políticos de uma pessoa que está em julgamento. "O iniciador Bo Xilai está sendo separado de seu programa", comentou.
Observadores têm registrado, nos últimos tempos, um retorno da nova liderança chinesa à retórica maoísta. Willy Lam, editor de Hong Kong, está escrevendo um livro sobre Xi Jinping. Desde que foi nomeado líder do Partido Comunista, em novembro do ano passado, ele passou a assumir uma linha conservadora que se poderia descrever como maoísta, afirma Lam.
De fato, o novo chefe de Estado e de partido evoca o legado de Mao como nenhum outro chefe de Estado desde a morte do "Grande Timoneiro", em 1976. Xi visitou o memorial de Mao e se posicionou contra o resgate crítico dos crimes e erros catastróficos do líder. Em junho, Xi juntou-se a uma grande "campanha de retificação" no estilo maoísta: durante um ano, o partido deve ser purgado de "extravagância" e corrupção, e ser colocado "em linha com as massas".
Sete temas tabu
Além disso, a nova liderança partidária também reforçou o controle sobre a ideologia e os meios de comunicação de massa, prossegue o jornalista de Hong Kong, referindo-se em especial ao assim chamado "Documento n° 9".
Em circulação nos meios partidários de todo o país, essa diretriz adverte enfaticamente contra "sete ameaças" à ideologia estatal – ou seja, temas que não devem ser abordados pela mídia, escolas ou universidades: os valores universais, a sociedade civil, os direitos civis, a liberdade de imprensa, a independência do poder judiciário, os erros do partido no passado e os privilégios dos quadros partidários.
Desde julho de 2013, a mídia vem sendo disciplinada. Segundo a justificativa apresentada no jornal estatal Diário do Povo, como a qualidade do jornalismo vem oscilando, os mais de 300 mil profissionais da mídia precisariam passar por treinamento. Trata-se de "valores essenciais", a serem veiculados em cursos com vários dias de duração.
Onda de prisões
Sebastian Heilmann vê nessa mudança para o pensamento maoísta, acima de tudo, um truque retórico. "A liderança política quer ganhar apoio na ala esquerdista da sociedade" – uma meta de grande relevância, enfatiza o especialista, apoiado em pesquisas de opinião chinesas.
"Até mesmo na economicamente próspera província de Cantão, no sul da China, 38% dos entrevistados tendem a posições de esquerda, assim como a uma certa nostalgia de Mao. É também uma questão de justiça social, e essas são forças poderosas, que nenhuma liderança chinesa pode ignorar", analisa o especialista da Universidade de Trier em face do abismo cada vez maior entre pobres e ricos na China.
No entanto, as ações estatais não se restringem à mera retórica: o governo de Xi Jinping enviou para a prisão uma série de dissidentes, entre eles, líderes do chamado "constitucionalismo". Sua única exigência era que o governo e a administração do país respeitassem os parâmetros estabelecidos pela Constituição chinesa.
Perseguidos foram também ativistas dos direitos civis, por exigir nada além da divulgação do patrimônio dos funcionários estatais. E no entanto o próprio Xi Jinping declarara a luta contra a corrupção como prioridade. Mas Xi aposta no aparato partidário, e em consequência, segundo Heilmann, "o partido não consegue sair do velho dilema, de que ele próprio é que deve controlar a si mesmo".
Jogo duplo
Em outubro próximo transcorre a terceira sessão plenária do Comitê Central do Partido Comunista, quando deverão ser apresentados os planos de reforma econômica do novo governo. É esperado um programa mais baseado no consumo interno, numa maior liberdade empresarial, e forma a manter o crescimento econômico.
Principalmente, o sinólogo Heilmann espera que seja anunciado um apoio especial para pequenas e médias empresas privadas. Certamente não é o que se possa chamar de política de esquerda, e Heilmann fala aqui de "jogo duplo". "Na área das reformas econômicas, há um compromisso claro. E no campo da política é tempo de consolidação de poder – e para tal se recorre, justamente, à retórica de esquerda."
Também Willy Lam vê o Partido Comunista entre dois extremos – coisa em que, no entanto, ele já vem se exercitando há bastante tempo: "Desde Deng Xiaoping ['líder supremo' da China de 1978 a1992], há essa separação entre economia e política", recorda o jornalista de Hong Kong. "A economia pode ser liberalizada até certo ponto, as forças de mercado podem ser introduzidas na economia. Mas na arena política e ideológica segue-se exercendo controle estrito, e opiniões divergentes não são toleradas."