Checkpoint Berlim: Como não falar do ataque?
23 de dezembro de 2016Havia preparado para esta semana um texto alegre sobre tradições natalinas de Berlim, mas algo trágico, embora não tão inesperado, aconteceu: um atentado terrorista ao mercado de Natal na praça Breitscheidplatz, uma das regiões turísticas mais famosas da cidade.
Assim o outro texto acabou indo para o lixo, para dar espaço a muitas coisas que me impressionaram neste momento: a seriedade com que a polícia e a maioria dos políticos alemães trataram o caso, sem fazer alardes com suspeitas não confirmadas, a tranquilidade da população, que seguiu sua rotina sem se deixar abater pelo medo, e a solidariedade que surgiu em meio à tragédia. A cidade se organizou para evitar que o atentado seja usado para promover o ódio.
Porque se por um lado o atentado revelou a solidariedade de muitos, por outro, ele expôs o ódio e xenofobia de tantos outros. Mesmo antes de qualquer confirmação da polícia de que era mesmo um ataque, Facebook&Cia foram tomados por comentários acusando refugiados e estrangeiros pela tragédia. Algumas destas publicações vinham inclusive de estrangeiros que vivem em Berlim.
Julgamentos severos e preconceituosos contra um grupo inteiro de pessoas por sua condição social e religião, sem nenhuma reflexão e compaixão. Enquanto isso, a comunidade muçulmana de Berlim homenageava as vítimas do ataque. Reunidos em frente à praça Breitscheidplatz, usando camisetas com o slogan "muçulmanos pela paz", o grupo condenou veemente qualquer tipo de ataque à sociedade e ao seu país natal, a Alemanha. Refugiados também prestaram homenagens e organizaram uma apresentação musical com corais berlinenses no mesmo local.
Do outro lado, o partido anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) foi para as ruas protestar contra a presença de estrangeiros que, para eles, estão destruindo a Alemanha. Além disso, uma manifestação organizada por neonazistas do partido NPD próximo ao local da tragédia reuniu cerca de 130 extremistas de direita que pediam o fechamento das fronteiras.
Parece que AfD e NPD esquecem que Berlim só é esta cidade incrível devido à diversidade cultural. Na capital alemã, 31% dos habitantes têm raízes estrangeiras.
Como resposta ao discurso de ódio, uma marcha no mesmo local reuniu 800 pessoas, entre elas políticos de vários partidos e integrantes do novo governo da capital, segurando cartazes com corações. Pessoas que entendem que a grande maioria dos refugiados que vieram para a Europa fugiram de uma situação que nós, que temos um teto e não passamos fome, não podemos sequer imaginar. Bombardeios, carência de água, comida e medicamentos e terrorismo constante eram a realidade de muitas dessas pessoas que vieram em busca de segurança.
Os que pedem o fechamento das fronteiras querem punir centenas de milhares de inocentes por causa de uma minoria criminosa. E é óbvio que num grupo de um milhão de pessoas, de qualquer origem, sempre haverá alguém disposto a cometer crimes. As autoridades estão identificado e tomando as medidas cabíveis. A polícia divulgou que há mais de 500 pessoas que podem ser potenciais terroristas, mas não disse que todos estes monitorados entraram no país como refugiados.
Me questiono sobre a necessidade de acusar um coletivo que sofre e sofreu também com atentados, por um ato de um indivíduo perturbado, que poderia ser também um cidadão alemão. Afinal, centenas de pessoas com cidadania alemã foram até a Síria para lutar nas fileiras do "Estado Islâmico". Será que os sírios que sofreram nas mãos destes alemães também condenavam toda uma população alemã por essas ações individuais? As pessoas julgam rápido demais, o que só produz ódio, não soluções.
Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às sextas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.