Música de Berlim
27 de novembro de 2010Berlim está fervendo. A capital alemã vem atraindo cada vez mais jovens turistas que parecem procurá-la mais pela sua agitada vida noturna do que pelos seus museus. O baixo custo de vida também atrai jovens músicos e artistas do mundo todo, que adotam a cidade como lar.
"Acho que muitas pessoas se mudam para Berlim buscando o sonho de serem artistas famosos. Alguns alcançam a fama e ficam. Outros fracassam e vão embora. Vejo pessoas indo e vindo", diz Shir Khan, um dos mais criativos DJs surgidos na cidade nos últimos anos. "Grande parte delas se apaixona pela cidade, mas não consegue viver só de sonho."
A música eletrônica se renova e continua a cara da cidade
Após a reunificação alemã, a cena de música eletrônica em Berlim explodiu. O techno se tornou a voz da geração dos anos 1990, tomando as ruas da capital alemã durante a Love Parade. Quase 20 anos depois, Berlim ainda é uma das capitais eletrônicas do mundo.
Só que, nos últimos anos, a música eletrônica passou por um processo de segmentação. Os mais puristas se voltaram para o minimal techno, baseado numa ambientação mais minimalista e na repetição de batidas. A casa noturna Berghain e o anexo Panorama Bar se tornaram referências do estilo no mundo todo. DJs como a berlinense Ellen Allien e o chileno radicado em Berlim Ricardo Villalobos obtiveram reconhecimento internacional. O minimal techno também é associado a gravadoras berlinenses como M-nus, Perlon e Bpitch Control.
No entanto, segundo Thomas Verker, editor da revista Intro, a cena minimal já demonstra sinais de desgaste. "O estilo se tornou chato e muitos dos famosos clubes viraram lugares para turistas, caindo na estupidez da festa pela festa. Um hedonismo burro sem nenhum significado cultural interessante", critica.
Mas uma nova leva de bandas, como Booka Shade, Aparat e Jeans Team, foge um pouco do purismo, misturando techno com outros estilos, como hip hop, rock e ambient. "Artistas como Modeselektor e Siriusmo fazem uma música eletrônica inteligente, nova e original. A banda Boyz Noize é provavelmente um dos maiores artistas eletrônicos no momento. São verdadeiras superestrelas que já estabeleceram identidade própria e influenciam novos artistas", declara Shir Khan, o DJ que ao lado de nomes como Daniel Haaksmann mistura eletrônica com outras influências, como funk carioca, ritmos latinos e batidas africanas. "O multiculturalismo é um aspecto muito comum na música eletrônica hoje", complementa o DJ.
Hip hop alemão: o som das ruas e do multiculturalismo
O hip hop alemão também chegou à puberdade. Depois de achar sua voz nos anos 1990, ele terminou a última década sendo a cara da juventude multicultural do país. Berlim se tornou o centro do movimento que tematiza problemas sociais e a violência em suas letras.
O aggro berlin, gênero associado à extinta gravadora de mesmo nome, abriga rappers como Fler, B-Tight, Kitty Kat e Sido, que criaram um estilo genuinamente alemão e retratam a vida e os problemas das ruas. Nascido na antiga Alemanha Oriental, Sido se tornou um dos mais bem-sucedidos rappers do país nos últimos anos, chegando, em 2008, ao primeiro lugar da parada alemã com seu disco Ich und meine Maske.
Mas o hip hop de Berlim não é só um reflexo dos problemas sociais que os alemães encontram em seus subúrbios. A juventude de imigrantes ou descendentes expressa suas frustrações e seu deslocamento numa sociedade utopicamente multicultural.
"Artistas do mundo todo se mudaram para Berlim e a maioria das cenas é multicultural. Além disso, a segunda e a terceira geração de imigrantes, a juventude com pais árabes ou turcos, muitas vezes sem passaporte alemão, têm um papel crucial desde o começo da cena hip hop na cidade", diz Dietmar Elflein, professor de música popular da Universidade de Braunschweig.
Artistas como Tony D, MOK, Killa Hakan e Alpa Gun usam suas diferentes ascendências para mostrar as dificuldades das ruas de Berlim. Bushido é uma das maiores vozes dessa geração. Sua postura polêmica, muitas vezes contraditória, sendo acusado pela mídia de misógino, racista e nacionalista, se mostrou eficiente e seus discos já venderam mais de 2,5 milhões de cópias.
O multiculturalismo não só funciona como protesto agressivo, mas também tem trazido diversidade, ritmo e entusiasmo para a música em Berlim. O coletivo de dance hall Culcha Candela, por exemplo, conta com integrantes de cinco diferentes nacionalidades. Sua mistura de ritmos dançantes emplacou hits como Hamma e Chica, que, apesar do clima de festa, têm letras com forte discurso contra o nacionalismo e a xenofobia.
Misturando hip hop, dub e rap, o Seeed segue a mesma linha multicultural. Um de seus vocalistas, Peter Fox iniciou em 2008 sua carreira solo com o disco de estreia, Stadtaffe, um dos mais criativos e bem-sucedidos discos de hip hop alemão dos últimos anos.
Novos tempos, novos caminhos
Berlim também se tornou a sede da indústria da música alemã em um momento de crise. Apesar de passar por dificuldades nos últimos anos, com o cancelamento da Popkomm, feira musical da indústria local, a cidade deu a volta por cima.
Em 2010 aconteceu a primeira Berlin Music Week, com resultados muito positivos. O evento reuniu profissionais da indústria e bandas de todo o mundo com shows, workshops e discussões. A crise foi usada como um caminho mais fácil para mudança, promovendo a cidade como o lugar ideal para artistas, gravadoras, promotores e clubes. "Berlim é um dos lugares mais baratos para se viver. Isso abre muito espaço para a criatividade e para a interação entre artistas", empolga-se Shir Khan.
Em menor escala, o rock também mostrou sua cara. Bandas como Wir Sind Helden e MIA. surgiram no meio da última década e ainda hoje fazem sucesso. Cantando em alemão e lideradas por charmosas vocalistas, as duas bandas são a cara da cidade e suas músicas, hits de vários verões.
Ainda no rock, Verker, da revista Intro, aponta a banda Trip Fontaine como umas das mais interessantes da cidade no momento. Também destaca o coletivo Greco-Roman. Baseado em Londres e em Berlim, ele funciona como uma gravadora e conta com bandas, DJs e artistas do mundo todo promovendo festas que seguem as regras: sem patrocinadores, sem lista de convidados, sem regras para os DJs, sem fotógrafos. Tudo que a noite de Berlim já ofereceu de bom eles ainda tentam resgatar. Diversão e hedonismo com cultura, diversidade e respeito.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler