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Cara e controversa, energia nuclear tem pouca participação no Brasil

Clarissa Neher5 de novembro de 2014

Apesar de o país possuir a sexta maior reserva de urânio do mundo, energia atômica é alternativa complementar cara e de alto risco na matriz energética nacional. Juntas, Angra 1 e 2 geram cerca de 3% da energia no país.

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Foto: Picture-Alliance/dpa

A contribuição da energia nuclear na matriz energética brasileira é relativamente pequena, com apenas duas usinas em funcionamento. No entanto, o Plano Nacional de Energia prevê a construção de mais quatro a oito usinas até 2030. Se essa intenção vai realmente sair do papel, continua uma incógnita. Energia nuclear é controversa no mundo inteiro e também divide especialistas no Brasil.

Atualmente, o país possui duas usinas nucleares: Angra 1, que opera desde 1985, e Angra 2, em funcionamento desde 2001. Uma terceira central, Angra 3, está em construção há 30 anos. Segundo cálculos da Eletronuclear, empresa que opera essas usinas, quando as três estiverem produzindo, elas serão capazes de atender a 60% da demanda de energia do estado do Rio de Janeiro, considerando o consumo do ano passado.

No cenário nacional, entretanto, a participação de Angra 1 e 2 é pequena. Em 2013, elas foram responsáveis por gerar pouco mais de 14,6 milhões de megawatts-hora (MWh), ou seja, cerca de 2,78% do total. Muito pouco, se comparado às hidrelétricas, que dominam a matriz energética com 78,81% do total produzido. Segundo o cordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, Ricardo Baitelo, o setor nuclear no Brasil se desenvolveu por motivos diferentes da necessidade de energia.

Windpark in Santo Antonio da Patrulha, Brasilien
Energia eólica é mais barata e seguraFoto: imago/Fotoarena

"Foram mais questões estratégicas militares, para dominar o ciclo do urânio. As usinas nucleares construídas, Angra 1 e 2, e agora 3, não têm nenhum tipo de economicidade, elas foram feitas com custos altíssimos que fazem sentido só sob o argumento de investir para dominar a cadeia de urânio", afirma Baitelo.

Angra 1 custou mais de 2,7 bilhões de reais, com 640 MW de potência, e Angra 2, com 1.350 MW, saiu por mais de 6 bilhões de reais. Já o valor total de construção de Angra 3 está estimado em 13,9 bilhões de reais. Em termos de comparação, o Parque Eólico de Osório, com capacidade de 150 MW, custou 670 milhões de reais.

Atualmente o MWh de energia nuclear é vendido por cerca de 136 reais, enquanto o MWh gerado por usinas hidrelétricas ou eólicas é comercializado em torno de 100 reais.

Segundo Baitelo, a energia nuclear está sendo comercializada abaixo do preço final real, pois aspectos que deveriam ser incluídos na tarifa, como uma cota para o gerenciamento do lixo nuclear ou uma cota para o descondicionamento das usinas elevariam demais o preço da energia.

Independente do clima

No entanto, a engenheira Ruth Soares Alves, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben) considera a geração de energia nuclear uma opção de fonte complementar confiável, que não está sujeita às mudanças climáticas.

"Precisamos de fontes de geração de energia de base, não emissora de gases do efeito estufa, para complementar nossa matriz eminentemente renovável, mas que apresenta problemas de suprimento e confiabilidade em certas ocasiões, quando não chove e, claro, quando não venta", reforça a especialista, que também é coordenadora de sustentabilidade da Eletronuclear.

Outro argumento utilizado para defender a geração nuclear como fonte complementar no país é o fato de o Brasil possuir a sexta maior reserva de urânio do mundo. Com isso, a matéria-prima necessária para o funcionamento dessas usinas não precisaria ser importada.

"A complementação nuclear é muito mais barata do que as demais térmicas, cujo preço de operação é balizado pelo preço do combustível", acrescenta Alves.

Fator segurança

Mas questões de segurança também precisam ser colocadas na conta. Em 2011, o desastre nuclear de Fukushima, o maior da história desde Chernobyl, colocou em xeque esse modelo no mundo inteiro. Segundo estimativas, o custo do acidente pode passar dos 240 bilhões de reais. Governos que dependiam fundamentalmente da energia nuclear passaram a repensar suas matrizes. A Alemanha vai desativar todas as suas usinas até 2022.

E segurança não é o forte do complexo em Angra. "O problema mais grave em Angra dos Reis diz respeito à instabilidade do terreno onde as usinas estão assentadas, sujeito a deslizamentos após chuvas fortes, como sucedeu na região em 2011, bloqueando a única estrada por onde a população poderia ser evacuada em caso de acidente nuclear", afirma Célio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP.

O especialista também aponta problemas na falta de treinamento para população que mora na região de risco, de transporte em caso de emergência e de abrigos adequados.

"Nestas condições, a construção de uma terceira usina na região de Angra dos Reis vai multiplicar os problemas e ampliar os riscos", reforça Bermann.

Japan Fukushima Tsunami trifft Kraftwerk
Acidente em Fukushima colocou em cheque energia nuclearFoto: AP

Apesar desses aspectos, o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Coppe da UFRJ afirma que desligar as duas usinas e interromper a construção da terceira não seria uma opção economicamente viável.

"Seria natural mantê-las operando, se elas estiverem funcionando bem. Fechar os reatores é uma questão de investimento, eles estão se pagando funcionando, fechá-los significaria um prejuízo para a Eletronuclear. As usinas brasileiras têm uma performance até elevada, o fator de capacidade beira 80%, o que é bastante alto", reforça Pinguelli.

Perspectivas para o setor

Em 2007, o Plano Nacional de Energia, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Governo Federal, previa a construção de quatro a oito usinas nucleares até 2030. Até agora, apenas a Angra 3 saiu do papel, e a obra se arrasta por décadas. Assim, a construção de outras usinas permanece uma incógnita. Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia disse que não se pronuncia sobre o assunto.

Pinguelli acredita que outras usinas não devem sair do papel. "A energia nuclear é muito cara no Brasil. A longo prazo vai continuar predominando a energia eólica", opina.

Baitelo do Greenpeace também acredita que o Brasil não deve nem precisa investir em energia nuclear. "O Brasil tem uma posição muito privilegiada em fontes de energia renovável e conseguimos ter uma matriz extremamente sustentável, sem precisar de energia nuclear", reforça.