Caos no registro de refugiados na Alemanha
14 de janeiro de 2016As autoridades alemãs concebem o processo de cadastramento de refugiados da seguinte forma: "Um estrangeiro que procure proteção na Alemanha contra perseguição deve se registrar como requerente de asilo. Para isso, precisa primeiro se dirigir pessoalmente a um posto de acolhimento inicial. Como passo seguinte pode, então, apresentar um pedido de asilo."
Isso é o que prescreve o Ministério de Migração e Refugiados (BAMF), mas que não passa de pura teoria. Nos períodos de pico, no terceiro trimestre de 2015, mais de 10 mil pessoas chegavam a atravessar a fronteira diariamente, praticamente sem controle. Hoje, alguns milhares continuam entrando no país a cada dia.
Sob tais circunstâncias, as autoridades de segurança em geral só conseguem registrar entre 10% e 20% das entradas ilegais, admite Jörg Radek, vice-presidente do Sindicato da Polícia (GdP, na sigla em alemão). Isso, sem falar dos que entram clandestinamente em outros pontos da fronteira.
Após a entrada ilegal, muitos refugiados inicialmente desaparecem na clandestinidade, indo para uma cidade da própria escolha, onde se apresentam mais tarde a um departamento de imigração. É raro não se registrarem, pois sem isso não têm acesso nem a doações materiais, nem à mesada para despesas básicas. E naturalmente tampouco podem iniciar um processo de asilo, com a perspectiva de visto de permanência na Alemanha.
Até a solicitação de asilo, no entanto, não há como descartar um cadastramento múltiplo, declarou à DW Mehmet Ata, porta-voz do BAMF. Radek aponta outra falha: os três órgãos que os requerentes de asilo normalmente contatam depois de entrar no país – as polícias federal e estadual e o departamento de imigração – só trocam informações de forma muito incipiente.
Além disso, aponta o vice-presidente do sindicato, um "problema básico na Alemanha" é o fato de o "ingresso não autorizado" no país competir à polícia federal, enquanto a "permanência não autorizada" é da alçada da polícia estadual. "Não há uma agência central que compare os dados entre si."
Atentado em Paris expõe falha
Entretanto, se um solicitante de asilo se apresenta a um posto de acolhimento, "os dados pessoais são comparados aos de requerentes já registrados no Departamento Federal, assim como no Cadastro Central de Estrangeiros", segundo o Ministério de Migração.
Além disso, o Departamento Federal de Investigações (BKA) analisa as impressões digitais, além de compará-las com bancos de dados europeus. "Assim, o BAMF pode constatar se alguém apresentou pedidos de asilo múltiplos na Alemanha e dentro da União Europeia", diz Ata.
Contudo, a comparação de dados parece não funcionar nem dentro do país, nem em nível europeu, como demonstrado no atentado a uma delegacia de Paris em 7 de janeiro, aniversário do massacre na redação do tabloide satírico Charlie Hebdo.
Karl Kopp, especialista em assuntos europeus da ONG Pro Asyl declara-se "surpreso e confuso" com a ocorrência de solicitações múltiplas na UE. "É um enigma como isso pode acontecer", comenta, ressaltando, porém, que "no ano passado houve tempos muito caóticos". Radek ressalva que, apesar de haver troca de informações relativas aos pedidos de asilo, "em nível europeu não há intercâmbio sobre a migração ilegal".
Assim, ao constatar o ingresso não autorizado de um refugiado, a polícia federal alemã não é capaz de dizer, por exemplo, "se ele já atravessou a fronteira greco-turca", já que um cruzamento de dados dessa ordem "não ocorre no momento".
Perda de direito de asilo, só após crimes graves
O autor do mais recente atentado de Paris não só requereu asilo em diversos países europeus, ludibriando as autoridades com um total de sete identidades diferentes – quatro somente na Alemanha – como também cometeu crimes. Na Alemanha, estava sujeito a inquérito por diversos delitos relacionados a violência e a drogas, tendo cumprido breve pena de prisão. Apesar disso, seu processo de asilo seguia correndo.
Ata, do BAMF, lembra que "um estrangeiro pode ser excluído do direito de asilo e da proteção aos refugiados caso tenha sido condenado, nos termos da lei, a uma pena de prisão de, no mínimo, três anos por um crime ou uma contravenção especialmente grave". Além disso, o ministério tem que concluir que a pessoa também representaria um perigo futuro.
No caso atual, não havia gravidade dessa ordem. A polícia não se deixou impressionar nem mesmo pelo fato de o autor do atentado ser simpatizante do grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI), do qual confeccionava bandeiras.
"Se ele tivesse frequentado um campo de treinamento terrorista no Oriente Médio", as autoridades de segurança teriam podido classificá-lo como elemento perigoso, justifica Radek. No caso concreto, porém, nem criminalidade grave nem terrorismo estavam em jogo.
Discrepância entre critérios de asilo na UE
O fato de o autor do último atentado em Paris ter pedido asilo na Romênia em 2011 demonstra quão discrepante pode ser a avaliação de um mesmo requerente pelos diferentes países da UE. As autoridades romenas o classificaram como perigoso, deportando-o para a Tunísia, acompanhado por escolta.
Radek tira uma lição do caso: "Precisamos de uma cooperação mais sólida no nível europeu, mas também dentro da Alemanha", sobretudo no tocante a ingressos e permanências não autorizadas. No momento atual, isso se tornará especialmente importante se a Suécia e a Dinamarca recusarem em grande escala a entrada a migrantes sem documentos de viagem, os quais, nesse caso, ficariam confinados à Alemanha, "e aí precisamos saber onde eles estão, para podermos deportá-los", diz.
"Acredito que nós, enquanto autoridades alemãs, precisamos ter mais consciência dos problemas", conclui Radek. O governo federal reconheceu a gravidade da situação: com o planejado documento de identidade unificado para refugiados e um melhor intercâmbio de dados entre os diversos órgãos, ele espera impedir que cadastramentos múltiplos voltem a ocorrer. Também estão em discussão mudanças na lei para permitir a deportação também em caso de delitos menos graves.