Roubo de arte
21 de maio de 2010Ludovico Gippetto contempla uma obra-prima de Caravaggio de 1609. Ele aponta para as figuras pinceladas no chiaroscuro típico do pintor. "É a cena da manjedoura durante a noite de Natal", diz ele. "A Virgem Maria acabou de dar à luz e colocar o Menino Jesus no chão do estábulo."
O quadro Natividade com São Francisco e São Lourenço não está numa moldura dourada, mas sim na palma da mão de Gippetto. É apenas um cartão postal como os comprados nas lojas de museu. Só há uma diferença: acima da imagem se lê a palavra "procurado".
Procura-se Caravaggio
Essa obra de Caravaggio nunca mais foi vista desde 16 de outubro de 1969, quando desapareceu do altar de uma capela da capital siciliana, Palermo. Gippetto encabeça uma missão para recuperá-la. O italiano de 44 anos, com cabelos até os ombros, mais parece um pintor renascentista; no entanto, sua paixão não é pintar, mas sim resgatar obras roubadas, para que todos possam voltar a apreciá-las.
"Uma obra de arte não pode ser completamente possuída", afirma Gippetto. "Faz parte do nosso patrimônio cultural; é responsabilidade nossa tomar conta dela e passá-la para as gerações futuras", argumenta.
Quando tinha 23 anos de idade, Gippetto fundou a Extroart, um grupo dedicado a recuperar arte roubada, esteja ela oculta em porões, em lojas ou na parede da sala de uma pessoa insuspeita. A campanha deste ano se dedica ao Caravaggio que foi roubado há 40 anos e que, segundo algumas teorias, se encontra desde então nas mãos da Máfia.
Um antigo mafioso que posteriormente se tornou informante da polícia confessou, em 1996, ter roubado ele mesmo a obra de arte a mando de um capo. Outros dizem que foi um amador que a roubou e foi oferecê-la à Máfia.
"Os mafiosos que se tornaram informantes só se contradisseram até agora", explica Gippetto. "Só acredito na versão deles quando encontrar alguém que tenha realmente visto o quadro e confirme essas informações."
Há também quem diga que a pintura foi corroída por ratos e porcos enquanto estava guardada em uma fazenda. Outros supõem que ela tenha sido escondida em outro país.
Medo da Máfia
A organização Extroart distribuiu cartões postais da pintura de Caravaggio por toda a Itália e para o mundo inteiro, através de embaixadas e instituições culturais. A esperança é de que alguém reconheça essa obra, que também faz parte da lista do FBI das dez principais obras de arte desaparecidas.
"Talvez o quadro esteja em posse de alguma velhinha siciliana e ela nem saiba", conjectura o voluntário da Extroart Antonio Rosato. "Pode ser que ela tenha o quadro quardado no sótão, desde que o mafioso da vizinhança o passou para ela dentro de um saco com a ordem de jamais abrir o pacote até ele retornar. Pode ser que ele nunca tenha voltado e o embrulho tenha ficado lá..."
Na Sicília, mesmo se uma pessoa honesta tiver o quadro de Caravaggio, certamente tem medo de despertar a ira da Máfia se vier a revelar seu paradeiro.
"Estou convencido de que um dos fortes dos criminosos organizados é sua habilidade de jogar com a ignorância de muitos e de explorar seu temor", diz Rosato. A Extroart encoraja as pessoas que souberem do paradeiro de uma obra de arte roubada a romper o código de silêncio e denunciar. Quem ligar para a organização não terá que responder a nenhuma pergunta.
Arte por drogas e armas
Para os detetives das artes, uma coisa é quase certa: a tela roubada de Caravaggio tem as impressões digitais de gângsteres. Desde a Segunda Guerra Mundial, a criminalidade organizada esteve envolvida em praticamente todos os roubos de arte. Especialistas dizem que as máfias têm tudo para cometer um crime perfeito: uma ampla rede de contatos para roubar e contrabandear peças, falsificar documentos e lavar dinheiro.
Romances e filmes policiais alimentam a teoria de que um ousado ladrão de quadros vendeu a obra-prima de Caravaggio "a um conde bávaro com um bigode enrolado em espiral, residente em um castelo repleto de obras de arte roubadas", conta o especialista Noah Charney.
"Em grande parte, as obras de arte são roubadas para serem usadas para pedir resgate ou serem comercializadas em um mercado negro restrito. Ou então utilizadas como fiança em transações com outros grupos do crime organizado, sobretudo no comércio ilegal de armas e drogas", afirma Charney, fundador e diretor da Associação de Investigação de Crimes contra a Arte (Arca, na sigla em inglês).
Os ladrões faturam cerca de 6 bilhões de dólares por ano, de acordo com o Departamento Federal de Investigação dos EUA. O comércio ilegal de obras de arte é o terceiro negócio clandestino mais lucrativo, após o tráfico de drogas e armas.
Agulha no palheiro
Quem se dedica a procurar arte roubada raramente tem êxito. "Recuperar peças desaparecidas é quase impossível", afirma Charney. "A chance máxima de readquirir obras roubadas é de aproximadamente 10%. Quanto mais famosa for a obra, maior a probabilidade de recuperação."
Natividade, de Caravaggio, não é vista há 40 anos. A Extroart tem convicção de que uma campanha por meio de cartões postais poderá ajudar a localizar seu paradeiro. Afinal, a organização já conseguiu coisas improváveis no passado.
Alguns anos atrás, a Extroart imprimiu cartões postais com a imagem da Madonna del Lume, uma pintura do século 18 igualmente roubada de uma igreja de Palermo. "No dia seguinte, recebi um telefonema anônimo", conta Gippetto. "A obra que havíamos estampado nos cartões postais tinha sido entregue ao porteiro do convento de freiras de São Vicente em Palermo."
Da mesma forma, a Extroart está aguardando informações sobre o paradeiro do Caravaggio roubado. Voluntários da organização estão colados ao telefone.
Antonio Rosato lamenta que os ladrões tenham roubado uma parte da memória coletiva. "Quando perdemos lembranças do passado, nossa identidade desaparece. Com essa campanha, esperamos que a Natividade possa retornar ao seu devido lugar, na capela de Palermo".
Autora: Nancy Greenleese (sl)
Revisão: Roselaine Wandscheer