Etanol no Brasil
16 de março de 2011Enquanto a população alemã enfrenta atualmente um grande debate sobre a inclusão ou não de 10% de etanol na gasolina, como forma de reduzir o consumo de petróleo no país, há anos as misturas fazem parte do cotidiano do brasileiro. De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), há quase três anos o consumo do álcool combustível entre veículos leves supera o da gasolina.
A criação do programa Proálcool, que há 35 anos embalou a produção de combustível a partir da cana-de-açúcar, e o boom na venda de carros flex – movidos a álcool e a gasolina – a partir de 2003 ampliaram largamente o uso do etanol entre os brasileiros. Atualmente, toda gasolina vendida no Brasil contém entre 20% e 25% de etanol anidro – bem acima dos 10% que causam tanta polêmica entre o governo alemão e a opinião pública.
No início de março, o exemplo brasileiro chegou a ser citado pelo líder da bancada verde no parlamento alemão, Jürgen Trittin, para criticar a chefe de governo Angela Merkel. Em entrevista à revista Der Spiegel, Trittin creditou à indústria automobilística e, principalmente, ao governo, a culpa pelo fracasso da introdução do novo combustível e pelo boicote da população.
"Eles são os culpados pela insegurança dos consumidores", disse Trittin, sobre o que chamou de "catastrófica política de informação". "De repente os motoristas alemães passaram a ficar apavorados na frente das bombas de combustível E10, mas não sabem que no Brasil há anos os motoristas rodam com 25% de etanol no tanque", afirmou um dos líderes da oposição.
Políticas firmes
Para o diretor da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do MME, Ricardo Dornelles, o êxito do álcool no Brasil se deve à determinação dos sucessivos governos brasileiros em estimular a produção de combustível nacional. "Se um governo acredita que o biocombustível, tratado de forma adequada, é viável, precisa então estabelecer políticas firmes e exigir o seu cumprimento", defende Dornelles.
O aumento de 5% para 10% de etanol na composição da gasolina vendida na Alemanha foi uma medida adotada pelo governo em cumprimento a uma determinação da União Europeia. Os países-membros firmaram compromisso de, até 2020, aumentar em pelo menos 10% as fontes de energia renováveis no setor de transporte. A França introduziu a mistura em abril de 2009, e a Finlândia também começou a receber o novo combustível nos postos de gasolina este ano.
A grande polêmica na Alemanha gira em torno da preocupação dos motoristas com eventuais corrosões e problemas mecânicos que a mistura, batizada como E10, poderia trazer a seus veículos. A indústria, no entanto, afirma que esse risco não existe.
Até 10%: aditivo
De acordo com Celso Arruda, professor do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Campinas (Unicamp), a mistura de 10% pode ser considerada um aditivo à gasolina, pois evita barulhos e desgastes na combustão no motor. Efeito parecido com o de um dos primeiros aditivos criados há 100 anos, e que era altamente poluente: a tetraetila, cuja fórmula continha chumbo.
"Com o álcool, há uma tendência de se reduzir o nível de poluição, e ele também é mais barato que outros aditivos", explica Arruda. Ele acredita que os carros alemães, especialmente os produzidos nos últimos 15 anos, já saem da fábrica com uma boa proteção contra corrosão, e aptos para o E10, hoje oferecido nos postos do país.
Por conta do alto percentual de etanol misturado à gasolina brasileira, a indústria automobilística nacional precisou desenvolver uma tecnologia mais eficaz contra desgastes nos sistemas de alimentação dos veículos. O revestimento do tanque e das bombas de combustível, além das borrachas, recebem maior reforço contra a corrosão. "Essa foi uma inovação brasileira na área automobilística", afirma o professor.
Crescimento dos flex
Segundo dados do Departamento Federal alemão de Transporte Automotor (KBA), cerca de 42,3 milhões de veículos leves rodam atualmente na Alemanha. Destes, cerca de 71,8% são movidos a gasolina e 26,4%, a diesel. O 1,8% restantes usam gás, energia elétrica ou são híbridos.
No Brasil, estimativas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostram que aproximadamente um terço de todos os veículos leves que rodam atualmente no país são flex. De março de 2003, quando os primeiros modelos chegaram ao mercado, até dezembro do ano passado, cerca de 13 milhões de unidades foram vendidas.
Em 2010 os flex representaram 86% das vendas de veículos leves em todo o território brasileiro. Fora desta lista ficam os modelos picape e os importados movidos exclusivamente a gasolina (8,4% das vendas) ou a diesel (5,2%).
Celso Arruda ressalta, no entanto, que o motor dos carros flex tem vida útil menor e pode apresentar menor rendimento. Isso porque gasolina e álcool possuem características de combustão e de compressão diferentes. "É quase impossível projetar um motor que funcione sempre bem com diferentes combustíveis", explica o professor.
Diversificação energética
Ricardo Dornelles afirma que a postura atual do Brasil frente à produção do etanol a partir da cana-de-açúcar tem como base o interesse do país em criar um mercado internacional de etanol como instrumento de desenvolvimento de matrizes energéticas mais limpas. E também garantir que conturbações políticas nos maiores produtores do petróleo, especialmente no Oriente Médio, não afetem tanto o mercado global, como vem acontecendo nos últimos anos.
O uso da energia elétrica no setor de transportes, acredita o diretor de secretaria, ainda vai demorar a ser uma alternativa no mercado global. Ele ressalta ainda que se deve observar a origem da energia elétrica, pois atualmente a principal fonte geradora é o carvão.
Dornelles argumenta ainda que a indústria dos biocombustíveis ajuda a descentralizar o arranjo produtivo no Brasil e o mercado de energia, o que é positivo para a economia. Segundo ele, o país tem cerca de 440 usinas de etanol e apenas 13 refinarias de petróleo.
"O Brasil hoje é o segundo maior produtor de etanol do mundo. A cana-de-açúcar responde sozinha por cerca de um quinto de toda a energia utilizada no país", afirma Geraldine Kutas, representante da União da Indústria de Cana-de-Açúcar no Brasil (Unica), no escritório de Bruxelas. O maior produtor são os Estados Unidos, com combustível a partir do milho.
Kutas defende ainda que o plantio da cana não oferece riscos à produção de alimentos, pois ele ocuparia hoje apenas 1,5% das terras aráveis do Brasil. Destas áreas estariam de fora tanto os chamados "biomas sensíveis", como a Amazônia e o Pantanal, quanto as demarcações indígenas.
Em recente entrevista ao periódico New Europe, Hafez Ghanem, vice-diretor-geral para o Desenvolvimento Econômico e Social da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), criticou políticas públicas que incentivam a produção de biodiesel. Mas destacou que o aumento da plantação de alimentos no mundo depende, essencialmente, de mais investimentos.
"Não existe solução mágica para o setor de transportes. Nenhum tipo de combustível vai substituir totalmente o outro", acredita Kutas. "O futuro será uma mistura de todos. E o biocombustível, com certeza, estará entre essas diversas soluções", aposta.
Autora: Mariana Santos
Revisão: Augusto Valente