Retrato de família
28 de dezembro de 2011Quando o cineasta carioca Renato Martins foi participar de um festival de cinema em Cuba em 2003, resolveu colocar na mala uma filmadora, para registrar sua primeira visita ao país. Foi assim que nasceu o documentário Uma carta para o futuro, que estreia nesta quinta-feira (29/11) em Berlim e será exibido a partir de janeiro em outras cinco cidades alemãs.
"Viajei com dois amigos e decidimos levar uma câmera para fazer um filme, mas não tínhamos a menor ideia do que iríamos encontrar", conta Renato em entrevista à Deutsche Welle. Ele acabou voltando à ilha mais cinco vezes num espaço de sete anos, registrando o cotidiano da família Torres, a mesma que lhe dera hospedagem em sua primeira visita e que o abrigou em suas outras passagens pela ilha.
"Cuba era um país que sempre despertou muito interesse, muita curiosidade. Tem uma história muito particular na América Latina, passou por uma revolução, e tínhamos uma curiosidade enorme", lembra o diretor.
Falta água, mas sobra solidariedade
Nesse que é o primeiro longa-metragem de Renato Martins, os protagonistas são os membros de quatro gerações dos Torres, testemunhas dos mais de 50 anos da revolução cubana. A matriarca, a professora aposentada Miriam Torres, de pouco mais de 60 anos, vive em Havana. E com ela moram também o pai, o nonagenário Pipo, sua filha, Yulme, e seus netos Diego e Cristina.
Em uma cena, Miriam fala da saudade do filho mais novo, Julio, que vive em Miami com mulher e filhos e não pensa em retornar dos EUA. Em outra passagem, ela estica uma mangueira para a cisterna do vizinho, porque a bomba d´água de casa pifou. Em vez de reclamar da frequente falta de água, ela ressalta o espírito de solidariedade do povo cubano. Em outra sequência, Miriam caminha pelas ruas em direção à padaria que há 40 anos vende apenas um tipo de pão.
O filme mostra o cotidiano dos Torres, intercalado com cenas antigas de filmes de família e entrevistas com membros de outras duas famílias de Havana. O velho revolucionário Pipo, que viveu a revolução, discursa contra o embargo norte-americano, sua neta, Yulme, conta que não sairia do país por nada. Enquanto os Torres ressaltam seu patriotismo, falam das esperanças, conquistas e dificuldades que a revolução cubana trouxe, as outras famílias contrabalançam esse otimismo reclamando da falta de perspectivas para os jovens na ilha, desabafando suas decepções com o regime de Fidel Castro.
História familiar sem tendências políticas
Renato Martins considera Uma carta para o futuro uma radiografia de quatro gerações de uma família que, por acaso, vive em Havana, mas que poderia estar em qualquer outro lugar do mundo. Ele afirma que procurou fugir da temática politicamente engajada.
"O que me sensibilizou para começar o projeto foi a história da família Torres", ressalta o cineasta. "Eu a fui acompanhando ao longo de sete anos, sem me preocupar com socialismo, capitalismo ou quaisquer outros 'ismos'", diz. "Eu os coloquei como ponto central, porque eles tiveram mais contato comigo, por eu ter estado na casa deles, ficado amigo deles", explica. "Mas não os considero modelos em relação ao país. Por isso, também procurei ouvir outras famílias, para poder ter outras opiniões."
"Minha intenção era ficar o mais neutro possível, focar num plano familiar", afirma o cineasta. "Tentei buscar um pouco da realidade das pessoas, independentemente dos times para que elas torçam. Deixar que os espectadores as ouçam e se emocionem, sem buscar uma posição política ou querer induzir. Somente trazer uma história familiar típica, como poderia ocorrer em qualquer lugar. E essa família poderia morar no Brasil, na Alemanha ou em Portugal", afirma o diretor.
Uma coprodução entre Brasil, Alemanha e Portugal, o filme está sendo mostrado em cinemas alemães antes mesmo de entrar no circuito comercial brasileiro. Uma carta para o futuro entra em cartaz num cinema berlinense a partir desta quinta-feira, tendo exibições agendadas a partir de janeiro em Dortmund, Hamburgo, Colônia, Münster e Nurembergue. Para o cineasta, essa circunstância tem tudo a ver com o tema da obra. "A Alemanha, na minha visão, é um país que passou por muitas transformações, por situações que mexeram com o imaginário do mundo, assim como a revolução cubana", compara.
Autor: Marcio Damasceno
Revisão: Augusto Valente