Brasil, um país sem vice?
3 de fevereiro de 2017O Congresso elegeu dois políticos citados na Operação Lava Jato para comandar a Câmara (o deputado Rodrigo Maia, do DEM) e o Senado (o senador Eunício Oliveira, do PMDB), escolhas que acrescentam ao cenário político uma forte insegurança jurídica.
Maia e Oliveira apareceram em delações premiadas feitas por executivos que tentam negociar com o Ministério Público e a Justiça a redução de suas penas, desde que revelem detalhes de como funcionavam esquemas de corrupção. Ambos negam as acusações.
A Constituição brasileira prevê que, em caso de ausência do presidente da República, assumem o cargo, nesta ordem: o vice-presidente, o presidente da Câmara, o presidente do Senado, e o presidente do Supremo Tribunal Federal. Como o Brasil não tem hoje um vice-presidente, as figuras centrais da linha sucessória são os presidentes da Câmara e do Senado.
Se Maia e Oliveira forem denunciados formalmente pelo Ministério Público e se essa denúncia for acatada judicialmente, ambos se transformam em réus. E réus podem estar na linha sucessória da presidência da República? Esse é o tema quente que está sob análise do Supremo e que demanda todas as atenções do Congresso em tempos de Lava Jato.
Vai e vem no Supremo
A análise do tema chegou ao Supremo em maio de 2016, por iniciativa do partido Rede Sustentabilidade, criado por Marina Silva (que disputou a Presidência da República em 2010 e 2014). A Rede protocolou no Supremo uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Na época, o alvo do partido era o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso na Lava Jato. A Rede pedia ao Supremo que afastasse Cunha da presidência da Câmara e, consequentemente, da linha sucessória, exatamente pelo fato de ele ser réu em ação que tramitava na corte. O partido alegava ser inconstitucional ter na linha sucessória um político que é réu em alguma ação.
Em novembro do ano passado, 6 dos 11 ministros do Supremo votaram a favor do pedido da Rede (Marco Aurélio Mello, Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello). O julgamento, porém, foi paralisado a pedido do ministro Dias Tóffoli.
No dia 5 de dezembro, a Rede voltou a agir. Desta vez o alvo era o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidente do Senado. Numa ação cautelar com pedido de liminar – que é um pedido de análise urgente do caso –, o partido solicitava que o Supremo se pronunciasse sobre a situação e Calheiros, que havia se tornado réu. No mesmo dia, o ministro Marco Aurélio deferiu a liminar e mandou Renan Calheiros se afastar da presidência do Senado.
Cármen Lúcia na linha
A decisão foi considerada devastadora para os políticos, e o próprio ministro Marco Aurélio achou melhor levar o caso para análise do plenário da corte, diante de tamanha polêmica. No dia 8 de dezembro, os ministros do STF tomaram uma decisão heterodoxa sobre Renan Calheiros: por 6 votos a 3, decidiram que o senador, réu, poderia se manter na presidência do Senado, mas não poderia mais fazer parte da linha sucessória.
O mérito da arguição feita pela Rede em maio seria votado agora, no início de 2017, pelo plenário do STF. Mas, novamente, o Supremo preferiu adiar a polêmica.
A pedido do ministro Gilmar Mendes, a votação foi suspensa agora em fevereiro. A expectativa no Judiciário e no Congresso é esperar a publicidade das delações dos 77 executivos da Odebrecht, que ainda estão sob sigilo. Como citam dezenas de políticos, a expectativa é que vários deles tornem-se réus em curto espaço de tempo, o que obrigaria o Supremo a analisar com mais urgência a questão sucessória.
Por enquanto, o Brasil segue sem um vice-presidente e com os dois substitutos imediatos do presidente da República na berlinda. Se tudo der errado para Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, caberá à ministra Cármen Lúcia, que preside o Supremo, assumir o lugar de presidente em caso de ausência de Michel Temer.