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"Brasil faz política com referencial católico"

Fernando Caulyt
23 de março de 2017

Autora de livro sobre religião e política fala do avanço dos evangélicos e de como eles usam elemento religioso como meio de mobilização de bases. Desafio, diz ela, é falar para a sociedade de modo mais geral.

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Brasilianische Pfingstkirchler Evangelikalen Messe Ekstase
Culto em igreja de Goiânia: evangélicos são mais numerosos na Classe C, que ascendeu nos últimos 10 anosFoto: AFP/Getty Images

A candidatura de Pastor Everaldo (PSC) à presidência, em 2014, foi um marco na relação política dos evangélicos, que passaram a mobilizar a base religiosa não só para cargos legislativos. Marcelo Crivella, por exemplo, conseguiu se eleger à prefeitura do Rio em 2016.

Para Christina Vital, antropóloga da Universidade Federal Fluminense (UFF), os evangélicos terão que moderar o tom para as próximas eleições presidenciais, em 2018. Em entrevista à DW, a autora do livro Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições de 2014, lançado nesta quarta-feira (22/03), analisa os projetos políticos construídos por setores evangélicos.

"Para vencer é preciso moderar e falar para a sociedade de um modo mais geral", opina. "Temos uma formação cultural e um jeito de fazer política cujo referencial é católico. Quando os evangélicos se apresentam na política, em todo o tempo eles estão lidando com esse elemento cultural."

DW Brasil: Como você analisa a candidatura do Pastor Everaldo, em 2014, a primeira confessional evangélica à presidência da República?

Christina Vital: Foi o primeiro candidato evangélico que mobilizou sua identidade religiosa e seu posto na hierarquia da igreja, e a primeira candidatura que explicitava o elemento religioso como meio de mobilização de bases – estratégia que já tinha sido usada nas disputas dos Legislativos, mas não com vistas ao Executivo. Havia uma estratégia político-partidária que era também religiosa. Isso também foi visto na vitória de Marcelo Crivella na disputa pela prefeitura do Rio.

DW: Como os eleitores não evangélicos receberam esse discurso?

CV: No início da campanha, existia uma grande expectativa de que ele poderia alcançar 10% dos votos e provocar um segundo turno devido à mobilização das bases evangélicas. Porém, a morte de Eduardo Campos mudou a situação: várias lideranças evangélicas acreditavam que Marina Silva chegaria à presidência pelo fato de ter assumido a cabeça de chapa. Além disso, o caráter lacônico do Pastor Everaldo – que não desenvolvia suas propostas, que assumiu pautas liberais do ponto de vista econômico e a denúncia de violência doméstica contra a ex-esposa –, tudo isso fez com ele tivesse muita dificuldade de ascensão junto ao eleitorado nacional.

DW: Dois anos depois, Marcelo Crivella se elegeu prefeito do Rio. Quais são as diferenças entre 2014 e 2016?

CV: Pastor Everaldo tinha várias limitações quanto sua apresentação pública. Já Crivella, além de ser senador, participava de seu décimo pleito, tinha uma fala acolhedora e pautada na gestão eficiente. Ele fez alianças muito amplas com diferentes setores da sociedade, coisas que Pastor Everaldo não conseguiu por ter palanque somente em dois estados e realizar várias atividades de campanha nas igrejas – quer dizer, ele teve dificuldade de descolar sua candidatura da igreja.

Já Crivella não fez uma apresentação religiosa de sua candidatura: ele não negava sua vinculação religiosa, mas só não fazia daquilo a pauta central. Ele fez isso para conquistar os eleitores não evangélicos, porque o candidato a cargos majoritários têm que falar com segmentos muito amplos – ele não pode direcionar a campanha dele a um determinado segmento, o que é muito comum em cargos proporcionais, como no Legislativo. Ele estava trabalhando o tempo todo com essa amplitude de diálogo.

DW: Você vê uma unidade evangélica em torno do deputado federal Jair Bolsonaro?

CV: Não podemos dizer que ele representa uma unidade evangélica, visto que se trata de um segmento muito diverso e não centralizado em termos institucionais. Mas a sua candidatura visa produzir uma unidade evangélica em torno de seu nome. A novidade é que as lideranças evangélicas de diferentes denominações têm tentado aparar essas arestas e esta competição institucional em nome de "um bem maior” – que significaria a produção de uma unidade, quer dizer, de um bom candidato à presidência com essa marca evangélica. Exemplo disso foi a carta escrita pelo bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra, em que dizia que o lugar dos evangélicos na sociedade a partir da candidatura de Everaldo, de que eles passariam de ovelhas a players.

DW: Ou seja, os evangélicos têm que moderar o tom e fazer concessões principalmente para os não evangélicos se quiserem vencer eleições...

CV: Esse é um elemento fundamental. Na disputa para os cargos executivos, eles terão sempre que falar para uma maioria e apresentar um discurso mais moderado em diferentes frentes. Essa é uma estratégia importante seja para candidatos muito associados a igrejas, da esquerda ou da extrema direita. Para vencer é preciso moderar e falar para a sociedade de um modo mais geral. Além disso, os candidatos evangélicos encontram um desafio a mais, pois temos uma formação cultural e um jeito de fazer política cujo referencial é católico. Quando os evangélicos se apresentam na política, em todo o tempo eles estão lidando com esse elemento cultural.

DW: A religião evangélica cresce principalmente nas camadas mais populares, que têm grande parcela dos votos. Como isso pode influenciar as próximas eleições brasileiras?

CV: Os evangélicos são mais numerosos na Classe C, que ascendeu socialmente nos últimos dez anos e que possui o maior número de eleitores, quer dizer, 54% do eleitorado. E isso é um sinal de alerta para os políticos, que vão ter que lidar nos próximos pleitos com uma camada da sociedade que está produzindo interesses sociais que são formados num ceio religioso que privilegia o empreendedorismo, a meritocracia, as conquistas individuais e tem aspirações burguesas. 

DW: Os católicos e evangélicos têm pautas muito parecidas: são contra o aborto e os direitos dos gays... Mas, há preconceito em relação aos evangélicos?

CV: Em termos de atuação política no Congresso, podemos dizer que há muita afinidade entre as Frentes Parlamentares Evangélica e Católica, que têm assumido posições convergentes em pautas que identificam como morais. A institucionalidade católica é contra a confessionalização da política. Há padres midiáticos como Marcelo Rossi e Fabio de Melo que desestimulam o voto em candidatos católicos. No entanto, em 2015, foi oficializada a Frente Parlamentar Católica e, em 2014, havia 15% a mais de padres concorrendo às eleições para deputado federal. Contudo, segundo pesquisadores, os católicos ainda têm muita dificuldade de votar em evangélicos.