Brasil acolhe, mas ainda não integra refugiados
9 de setembro de 2015Para o sírio Talal al-Tinawi, é difícil responder à pergunta "você está feliz no Brasil?", mas também não há outra opção. "Eu quero continuar a minha vida", diz.
O engenheiro mecânico decidiu deixar a Síria depois de ficar três meses e meio preso, confundido com um procurado das forças de segurança do presidente Bashar al-Assad. Ele e a família viveram por dez meses em condições precárias na Jordânia, assim como milhares de sírios forçados a deixar o país em meio à guerra civil.
A notícia de que o Brasil tinha acabado de aprovar uma normativa para facilitar a concessão de asilo a sírios motivou a ida ao país, em dezembro de 2013. "Agora está melhor, mas quando cheguei aqui e tive que começar tudo de novo foi muito difícil. Não conhecia nada, nem ninguém", lembra.
Tinawi, a mulher e dois filhos estão entre os 2.077 refugiados sírios que vivem atualmente no Brasil. A pequena de sete meses que nasceu em São Paulo é a "brasileirinha" da família.
Os sírios são maioria entre os 8,4 mil asilantes de mais de 80 nacionalidades reconhecidos no país, de acordo com o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão do governo responsável pela análise dos pedidos de refúgio. A norma que concede vistos especiais às pessoas afetadas pelo conflito vale até 23 de setembro, mas o governo estuda estender o prazo.
Apesar de ter uma legislação moderna e ser signatário dos principais tratados internacionais sobre refúgio, o Brasil falha na integração dos estrangeiros que fogem de guerras e perseguições por causa da etnia, religião ou grupo social.
"Após o reconhecimento do refúgio, pouco é oferecido para que eles consigam subsistir", explica Manuel Furriela, presidente da Comissão da OAB-SP para os Direitos dos Refugiados. "Eles têm grandes desafios para conseguir uma colocação profissional, moradia, mesmo que provisória, e ter acesso aos serviços públicos."
De solicitante a refugiado
No Brasil, os requerentes de asilo são submetidos a entrevistas para provar que foram vítimas diretas de conflitos e perseguições. Enquanto aguardam a resposta, os estrangeiros recebem uma documentação provisória.
O governo brasileiro é parceiro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e tem posição de liderança na América Latina na acolhida de requerentes de asilo. Entre 2010 e o fim de 2014, o número de reconhecimentos de refúgio aumentou 1.240%.
"A situação melhorou, mas o processo ainda é lento. Alguns solicitantes chegam a esperar mais de um ano pelo visto permanente", afirma Marcelo Haydu, diretor-executivo da ONG Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado.
Em agosto de 2015, o governo registrou 12.668 pedidos de refúgio, que aguardam avaliação. "O Conare está abarrotado de pedidos. O volume brasileiro é pequeno em relação aos grandes fluxos internacionais, mas a demanda tem duplicado a cada ano. E o órgão não estava estruturado para atender esse volume", observa Furriela. "Além disso, os processos são complexos, individuais e rigorosos."
Em agosto, o comitê para refugiados anunciou a criação de unidades regionais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, além da contratação de novos funcionários públicos e de voluntários, e o uso de videoconferências para facilitar as entrevistas com os requerentes.
"O governo enfrenta uma nova realidade e diante dela tem aprimorado suas políticas públicas, inclusive com iniciativas para oferecer abrigo e assistência jurídica, social e psicológica", disse à DW Brasil Beto Vasconcelos, secretário nacional de Justiça e presidente do Conare.
De onde vem a ajuda
Quando chegaram ao Brasil, em dezembro de 2013, Tinawi e a família ficaram abrigados na casa de um imigrante sírio em São Paulo por três meses. "Do governo, só recebi ajuda para fazer os documentos", diz. "Esse sírio cadastrou meus filhos na escola pública, alugou um posto numa feira para que eu pudesse vender roupas e me ajudou a alugar o apartamento onde vivo até hoje. Aprendi português numa mesquita."
Depois de ser vendedor, ele conseguiu trabalho numa empresa de engenharia, mas durou apenas um ano. "Por causa da crise econômica, houve demissões e fiquei desempregado". Apesar de ser engenheiro, ele ainda não conseguiu validar o diploma no Brasil.
Durante um jantar em casa feito pela mulher de Tinawi, uma voluntária de uma ONG sugeriu que a família abrisse um restaurante de comida árabe. Eles criaram uma página no Facebook e já fazem entrega sob encomenda de especialidades sírias e vendem os produtos em eventos para imigrantes e refugiados.
"Quem mais oferece suporte são as organizações do terceiro setor, principalmente as não-governamentais, que têm prestado esse trabalho muito mais do que o governo", diz Furriela.
A meta de abrir um restaurante depende, agora, da solidariedade de internautas. Tinawi lançou uma campanha de crowdfunding para comprar geladeiras, fogões e todos os utensílios necessários para a cozinha.
A imigrante síria Nazek al-Attar, que vive há 37 anos no Brasil, faz parte da "Oasis", uma rede solidária de cidadãos sírios, que ajudou Tinawi nos primeiros meses no Brasil. "A maior parte dos que chegam aqui são formados e dificilmente conseguem emprego na área em que trabalhavam", conta Attar. "Temos que ajudar em praticamente tudo. Eles chegam com quase nada de dinheiro, por causa dos custos da viagem."
Os sobrinhos dela, Majid Kouider, 20, que vivia na Jordânia, e Majid Aasali, 24, da Síria, se arriscaram na travessia pelo Mediterrâneo para chegar à Europa há duas semanas. Eles se encontraram na Turquia e pagaram a atravessadores para embarcar com centenas de migrantes a uma ilha grega.
"Eles quase morreram. É assim: um parente na Síria, outro na Jordânia, outro na Europa. É muito difícil sobreviver à guerra". Os primos seguiram para Hungria e chegaram finalmente à Alemanha. Dos 110 mil pedidos de refúgio feitos a Berlim desde 2011, 75% foram aprovados, de acordo com o Serviço Federal para Migração e Refugiados.