Bolsonaro diz que pegou gravações da portaria do condomínio
3 de novembro de 2019Após ter tido seu nome mencionado nas investigações da morte da vereadora Marielle Franco, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pegou as gravações das ligações realizadas pela portaria do condomínio onde ele tem casa, no Rio de Janeiro, antes que os áudios "fossem adulterados".
A declaração foi feita neste sábado (02/11) durante entrevista a jornalistas e provocou reação rápida da oposição, que acusa o presidente de obstrução de justiça e avalia medidas. Bolsonaro não especificou a data em que pegou os arquivos do condomínio.
"Nós pegamos antes que fosse adulterado, ou tentasse adulterar. Pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de anos. A voz não é minha. Não é o seu Jair", afirmou o presidente em Brasília.
Na última terça-feira, o Jornal Nacional revelou que um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, onde Bolsonaro tem casa, relatou em depoimento à polícia que um dos principais suspeitos de matar Marielle e o motorista Anderson Gomes, o ex-policial Élcio Queiroz, buscou a residência de Bolsonaro na mesma data do crime, em 14 de março de 2018.
Naquele dia, Élcio se reuniu com Ronnie Lessa, outro acusado de cometer o assassinato, no mesmo condomínio do presidente, onde Lessa também tem casa. Ambos estão presos desde março deste ano e foram denunciados pelo Ministério Público pelos assassinatos.
De acordo com o porteiro, o ex-PM chegou ao condomínio por volta de 17h10, informou que iria à casa 58, de Bolsonaro, então deputado federal, foi autorizado por alguém nesta residência, mas acabou se dirigindo para a propriedade de número 65, de Lessa.
Ainda em depoimento à polícia, o porteiro disse que, ao ligar para a casa 58, identificou a voz no interfone como sendo a do "Seu Jair". No entanto, os registros de presença da Câmara dos Deputados constam que Bolsonaro estava em Brasília naquela data.
Na quarta-feira, o Ministério Público do Rio invalidou a versão do porteiro, afirmando que a pessoa que autorizou a entrada de Élcio no condomínio na tarde de 14 de março, horas antes de Marielle ser morta, foi o próprio Lessa, de acordo com gravações da portaria obtidas pela investigação. A perícia dos áudios, por sua vez, só foi concluída na quarta-feira, depois que a reportagem foi ao ar.
"Eu estava em Brasília, está comprovado. Várias passagens minhas pelo painel eletrônico da Câmara, com registro de presença, na quarta-feira geralmente parlamentar está aqui. Eu estava aqui, não estava lá", declarou o presidente neste sábado.
"Agora, que eu desconfio, que o porteiro leu sem assinar, ou induziram ele a assinar aquilo. Induziram entre aspas, né? Induziram a assinar aquilo", sugeriu Bolsonaro, em referência aos depoimentos do funcionário à polícia.
Os áudios da portaria já haviam sido apresentados pelo filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), que também mora no condomínio, em vídeo publicado em rede social na quarta-feira. Nas imagens, ele acessa um computador e mostra uma série de arquivos, que datam de 14 de março de 2018 e que seriam gravações das ligações feitas pelo interfone da portaria.
Carlos reproduz então um arquivo que marca a hora 17h13. No nome do arquivo aparece o número 65, que seria uma referência à casa de Lessa. Uma voz anuncia a chegada do "senhor Élcio", e no outro lado da linha alguém responde: "Tá, pode liberar." A voz não é de Bolsonaro.
Neste sábado, o vereador declarou em rede social que, se não tivesse acessado esses áudios da portaria, "certamente já estariam discutindo" o impeachment de seu pai.
Reações
Partidos de oposição, por sua vez, adiantaram que pretendem entrar com representações contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Procuradoria-Geral da República (PGR), acusando o presidente de obstrução de justiça.
Para os líderes da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), e no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Bolsonaro "confessou ter se apropriado de provas" ligadas ao caso Marielle. Por isso, afirmaram que darão entrada em uma representação na PGR.
"Acompanhamos com perplexidade o presidente da República confessar publicamente que se apropriou ilegalmente de provas essenciais para a investigação de um crime que acaba de completar 600 dias sem solução", afirmou o deputado Molon.
"Não cabe ao presidente da República determinar a apreensão de provas. Esperamos que se determine o quanto antes a devolução do material apreendido pelo presidente da República e que o mesmo responda perante a Justiça pelo ilícito que confessou ter praticado", completou.
O Psol, partido de Marielle, disse que pretende protocolar uma notícia-crime contra Bolsonaro no STF por obstrução de justiça e prevaricação.
"Bolsonaro já deve estar sabendo que o confronto de provas pode produzir mais turbulências envolvendo seu nome. Um potencial investigado não pode mexer em possíveis provas", afirmou o deputado Ivan Valente (Psol-SP) por meio de sua assessoria de imprensa.
O deputado David Miranda (Psol-RJ), por sua vez, disse que o presidente "interceptou provas de uma investigação de assassinato", o que classificou de um crime de responsabilidade passível de impeachment.
"Nesta semana, eu vou estar conversando com todos os líderes de todos os partidos da oposição para que a gente consiga instaurar esse processo de impeachment para afastar Jair Bolsonaro", declarou o parlamentar, em vídeo publicado em rede social.
Adversários de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) também comentaram o caso nas redes sociais, tachando de crime a atitude do presidente. "É absolutamente necessário que o Supremo Tribunal Federal assuma, como manda a lei, a responsabilidade por este inquérito", defendeu Ciro.
Já o grupo de advogados e juristas Prerrogativas emitiu uma nota afirmando que a declaração de Bolsonaro "de que se apoderou de provas da investigação de homicídios" é de "máxima gravidade".
"Trata-se de reconhecimento de crime, de interferência ilícita em apuração criminal, voltada assumidamente a resguardar interesses pessoais e familiares, o que exorbita nitidamente das competências do cargo exercido", diz o texto, citado pelo jornal Folha de S. Paulo.
"Tal revelação deve mobilizar imediata reação das autoridades competentes, para assegurar a imparcialidade das investigações, garantidas todas as condições institucionais para tal, a fim de esclarecer o ocorrido e, se caso for, tomar as providências cabíveis."
Bolsonaro nega obstrução
Após repercussão negativa, o presidente se defendeu e disse, em entrevista ao site O Antagonista, que é "forçação de barra" interpretar sua fala como admissão de obstrução de justiça.
"Não fizemos cópia de nada, não levamos a secretária eletrônica a lugar nenhum. Meu filho foi lá, botaram na tela 14 de março do ano passado e onde tinha ligação para as duas casas, para a minha e a dele, ele clicou em cima e gravou o áudio. Nada mais além disso. Qualquer outra interpretação é forçação de barra", afirmou Bolsonaro.
Acusações contra Witzel
Mais cedo, em conversa com jornalistas, o presidente ainda acusou o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), de ter manipulado a investigação do caso Marielle para incriminá-lo. Ele disse estar "convicto" do envolvimento de Witzel, embora não tenha apresentado provas.
"Quem está por trás disso? Eu não tenho dúvida: governador Witzel", disse Bolsonaro. "A minha convicção é de que ele agiu no processo para botar meu nome lá dentro. Espero agora que não queiram jogar para cima do colo do porteiro. Pode até ser que ele seja responsável, mas não podemos deixar de analisar a participação do governador."
Na terça-feira, logo após a reportagem do Jornal Nacional, o presidente já havia atacado Witzel em uma transmissão ao vivo pelo Facebook, na qual aparece exaltado se defendendo das acusações.
Segundo Bolsonaro, o governador tinha lhe avisado sobre o depoimento do porteiro há quase um mês, sendo que o processo corre em segredo de Justiça. Na quarta-feira, a Polícia Civil do Rio negou, em nota, que Witzel tenha interferido no caso.
EK/ots
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