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Bolsonaro defende reunião com deputada alemã de ultradireita

29 de julho de 2021

Neta de um ministro de Hitler e conhecida por declarações xenófobas, Beatrix von Storch foi recebida por Bolsonaro no Planalto. "Não posso receber essa deputada? Se eu for ver a ficha de cada um para ser atendido..."

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Brasilien | Beatrix von Storch trifft Präsident Jair Bolsonaro
Beatrix von Storch, seu marido, Sven e Jair Bolsonaro. Encontro foi criticado por entidades judaicas. Pária na Alemanha, partido da parlamentar costuma só se relacionar com personagens que também estão isolados no cenário internacionalFoto: Team von Storch/dpa/picture alliance

O presidente Jair Bolsonaro defendeu nesta quinta-feira (29/07) seu encontro fora da agenda com a deputada alemã de ultradireita Beatrix von Storch, ocorrido semana passada no Palácio do Planalto, e que provocou severas críticas de entidades judaicas. Vice-líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Von Storch é conhecida por posições nacionalistas e declarações xenofóbicas. Sua legenda também é regularmente acusada de dar guarida para neonazistas.

Ao comentar o encontro com sua claque de apoiadores em frente ao Alvorada, Bolsonaro afirmou que Von Storch foi "eleita democraticamente" na Alemanha e que ele não tem condições de "ver a ficha" das pessoas que são recebidas no Planalto.

"Eu não posso receber essa deputada? Foi eleita democraticamente na Alemanha. Se eu for ver a ficha de cada um para ser atendido...Primeiro, vou demorar horas para atender", disse Bolsonaro

Bolsonaro também minimizou o passado sombrio da família de Von Storch. Membro de uma família antiga de origem nobre, Beatrix von Storch, de 50 anos, é, pelo lado materno, neta de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que serviu como ministro das Finanças da ditadura de Adolf Hitler por mais de 12 anos. Ele seria mais tarde julgado e condenado pelo Tribunal de Nurembergue por crimes de guerra.

Bolsonaro mencionou a família de Von Storch e dsse que "não pode ligar um pai a um filho". "Vai que a deputada alemã é neta de um ex-ministro do Hitler. Me arrebentaram na imprensa. Acho que a gente não pode ligar um pai a um filho, muitas vezes, um fez uma coisa errada", disse Bolsonaro.

No entanto, o passado da família de Von Storch vem sendo destacado por causa das posições da deputada. Críticos da parlamentar, inclusive na Alemanha, costumam apontar que ela não parece ter aprendido nada com a experiência do seu infame avô.

Em 2016, por exemplo, Von Storch manifestou aprovação à mensagem de um usuário do Facebook que havia perguntado se guardas de fronteira deveriam atirar em refugiados que chegassem ao país, inclusive mulheres com crianças.

Em janeiro de 2018, ela voltou a causar controvérsia ao reclamar publicamente de tuítes da Polícia de Colônia que desejavam feliz ano novo em várias línguas, inclusive o árabe. "O que diabos está acontecendo neste país? Por que um site oficial da polícia da Renânia do Norte-Vestfália [estado em que fica Colônia] tuíta em árabe. Eles pretendem apaziguar as hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores em massa dessa maneira?", escreveu na ocasião. A rede social apagou a mensagem por violação das suas regras de conduta e Von Storch chegou a ser alvo de uma investigação policial.

A AfD e o nazismo

Dentro da AfD, a deputada costuma ser apontada como membro da ala "cristã ultraconservadora". Em 2014, quando os ultradireitistas tomaram o partido - que era inicialmente uma mera legenda eurocética light -, ela afirmou que via a sigla como um veículo para "uma visão cristã da humanidade". Na imprensa alemã, Von Storch costuma ser classificada como "reacionária", "arquiconservadora" e "cristã radical".

Já seu partido, a AfD,  se tornou nos últimos anos um guarda-chuva para diferentes grupos ultranacionalistas e de ultradireita da Alemanha. Muitos membros também são acusados regularmente de nutrir simpatias pelo nazismo e de minimizar os crimes cometidos pelo Terceiro Reich e são criticados por declarações abertamente racistas

Em 2020, por exemplo, um ex-porta-voz da sigla causou indignação ao ser gravado afirmando que se "orgulhava de sua ascendência ariana" e se descrevendo como "um fascista". Meses depois, ele foi novamente gravado sugerindo que imigrantes deveriam "ser mortos com gás".

Em 2020, uma ala radical da AfD conhecida como "Der Flügel", acusada de estar repleta de nazistas, tornou-se objeto especial de vigilância pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV, o serviço secreto interno da Alemanha).

À época, a ala ganhou destaque após o atentado racista de Hanau, que deixou dez mortos. O autor do ataque, embora não oficialmente ligado à AfD, deixou um manifesto que encampava ideias propagadas por essa ala. O partido acabou sendo acusado de insuflar o ódio e estimular atentados. A ala Der Flügel foi oficialmente dissolvida em 2020, mas seus ex-membros ainda exercem influência decisiva sobre o partido, que recentemente adotou uma agenda eleitoral com elementos negacionistas da pandemia.

No início de 2021, foi revelado pela imprensa alemã que o BfV havia passado a monitorar toda a AfD por suspeita de extremismo. No entanto, em março, tribunais ordenaram a suspensão da vigilância, apontando que ela feria o princípio de igualdade de oportunidades para os partidos que vão disputar as eleições federais em setembro.

O Museu do Holocausto, em Curitiba, que criticou os encontros da deputada alemã com autoridades brasileiras, classificou a AfD como "um partido de extrema direita com tendências racistas, sexistas, islamofóbicas, antissemitas, xenófobas e com um forte discurso anti-imigração".

Um encontro de personagens isolados

A reunião de Von Storch com Bolsonaro se tornou pública por iniciativa da própria deputada, que enviou para a imprensa alemã uma fotografia do encontro. Mais tarde, ela também publicou mais imagens da reunião em suas redes sociais. Bolsonaro aparece sorrindo e abraçando Von Storch e o marido da parlamentar, Sven, membro de uma família alemã que se fixou no Chile após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial e que dirige junto com sua mulher vários coletivos e lobbies ultraconservadores na Alemanha, que promovem ideias antimigratórias e "valores cristãos" e se opõem ao casamento gay.

Em uma mensagem divulgada com uma das fotos, Beatrix von Storch afirmou que seu partido quer "fortalecer suas conexões e defender nossos valores cristãos e conservadores em nível internacional". "Em um momento em que a esquerda está promovendo sua ideologia por meio de suas redes e organizações internacionais em nível global, nós, conservadores, devemos formar uma rede mais estreita e defender nossos valores conservadores em nível internacional."

Antes de se encontrar com Jair Bolsonaro, o casal Von Storch também teve reuniões com um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a deputada de extrema direita Bia Kicis (PSL-DF). Após as críticas pela sua recepção a Von Storch, Kicis defendeu a reunião afirmando que "nada desabona a conduta" da parlamentar alemã e disse que as críticas eram resultados de uma "narrativa contra conservadores aqui e no mundo."

Normalmente, governos estrangeiros evitam receber deputados da AfD. Dessa forma, parlamentares da sigla costumam viajar para países que têm governos tão isolados no cenário internacional quanto o partido.

Deputados da AfD já causaram controvérsia ao serem recebidos pelo regime do ditador sírio Bashar al-Assad, e pelos governos do líder de Belarus, Alexander Lukashenko, e do presidente russo Vladimir Putin. Uma delegação da AfD também visitou em 2020 a Crimeia, região da Ucrânia anexada pela Rússia.

Outras conexões da AfD com o bolsonarismo

A visita de Beatrix von Storch ao presidente Bolsonaro e aos deputados Eduardo  Bolsonaro e Bia Kicis não é a única conexão recente entre membros da AfD e a cena bolsonarista/ultraconservadora brasileira.

Em 2018, na ocasião da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, a conta no Twitter da bancada da AfD no Bundestag reproduziu uma mensagem do deputado Petr Bystron felicitando Bolsonaro pela vitória.

"Jair Bolsonaro é um conservador franco que vem trabalhando para combater a corrupção de esquerda e restaurar a segurança e prosperidade para o seu povo", disse em nota o deputado. "Como ocorre com a AfD, ele foi inimizado por todos os lados por ser um outsider que desafiou o sistema", completou Bystron.

Em março de 2021, o deputado da AfD Waldemar Herdt viajou a São Paulo para visitar o Templo de Salomão e se encontrar com pastores da Igreja Universal do Reino de Deus. Nascido no Cazaquistão, Herdt faz parte da minoria alemã-russa que foi deportada pelo regime soviético para a Ásia Central durante a ditadura de Josef Stalin. Quase todos os membros desse grupo migraram para a Alemanha nos anos 1990, após o fim do comunismo. Dentro da AfD, Herdt é um dos representantes da ala cristã ultraconservadora, a mesma de Von Storch.

jps (ots)