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Papa no Brasil

Geraldo Hoffmann8 de maio de 2007

Em entrevista à DW-WORLD, o teólogo Leonardo Boff diz esperar que Bento 16 apóie a linha progressista da Igreja Católica na América Latina e aborde os graves problemas sociais e ambientais do Brasil durante sua visita.

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Leonardo Boff: 'A Terra grita e precisa ser libertada'Foto: Marcello Casal Jr./ABr

DW-WORLD: O que o senhor espera da visita do papa [de 9 a 13 de maio] ao Brasil?

Leonardo Boff: O povo, os meios de comunicação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estão muito abertos e esperançosos de que o papa apóie a atual linha da Igreja latino-americana. Essa Igreja sempre levantou a questão social e viu a marginalização de milhões de pessoas como injustiça social. O povo brasileiro é religioso, eu diria quase místico. E mesmo os evangélicos ou membros de religiões afro-brasileiras vêem no papa um enviado de Deus que se deve ouvir.

E o que espera o papa no Brasil? Qual é a situação da Igreja no "maior país católico do mundo"?

A Igreja no Brasil está diante de grandes desafios. Primeiro, o desafio social: mais de 40 milhões de pessoas ainda passam fome e se encontram à margem da sociedade. Além disso, há o alarme ecológico. O agronegócio está destruindo muitas florestas. O povo e a Igreja começam a ter consciência de que assim não pode continuar. A problemática do aquecimento global já tem conseqüências para nós: aumento da temperatura, enchentes no sul, seca no nordeste. Sente-se que algo não funciona com a Terra. Esperamos que o papa aborde esta temática e estimule a Igreja a inseri-la em sua pastoral.

No dia 13, o papa abre a 5ª Conferência do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) em Aparecida. O que ele deverá dizer aos bispos?

A Igreja está construída sobre o fundamento dos profetas e apóstolos, como diz Paulo. Ela tem uma base petrina e uma paulina. Pedro significa a tradição, a continuidade. Paulo, a ruptura, a novidade. Espero que o papa faça um equilíbrio entre os dois, mas acentuando mais o lado profético. A partir dessa opção, ele poderia entender melhor nossa problemática e anunciar algo que realmente nos estimularia a lutar pelos pobres e pela libertação integral, não só econômica. Queremos que a linha adotada pela Igreja latino-americana há 40 anos possa ser fortalecida e ter continuidade.

Após as conferências de Medellin (1968) sobre o tema "libertação" e Puebla sobre o tema "opção pelos pobres" (1979), a proteção ao meio ambiente poderá surgir como novo tema para a ação da Igreja latino-americana?

A questão ecológica agora é atual. Nós a interpretamos assim: a essência da Teologia da Libertação é a opção pelos pobres contra a pobreza. Mas nós sabemos hoje que não só os pobres, as mulheres, os povos indígenas gritam, mas também a Terra grita. A Terra precisa ser inserida na opção pelos pobres porque ela é explorada e precisa ser libertada. Ecologicamente, o Brasil responde por uma espécie de equilíbrio do clima mundial. O que acontece aqui tem conseqüências para todo o sistema mundial. Seria importante que a Igreja tomasse consciência disso e incluísse o tema em sua pastoral.

O papa e a Teologia da Libertação

A primeira visita de Joseph Ratzinger ao Brasil ocorreu em 1985, pouco depois de ele, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ter silenciado o senhor. Desta vez, pelo menos oficialmente, a Teologia da Libertação não está na ordem do dia. Ela não é mais atual?

A Teologia da Libertação é importante nas dioceses e igrejas em que a questão da Justiça desempenha um papel central. Ali ela é um ponto de orientação. Ela continua presente e viva, mas não mais tão visível como no passado, quando era uma teologia polêmica. No Fórum Social Mundial de Porto Alegre, e também neste ano em Nairóbi, houve um fórum mundial de Teologia da Libertação com mais de 300 representantes de todos os continentes, onde se pôde sentir como essa teologia continua viva e atual.

Em 14 de março passado, pela primeira vez no pontificado de Bento 16, um teólogo da libertação, o jesuíta Jon Sobrino, de El Salvador, foi censurado. Isso foi um sinal de Roma sobre o rumo que deve ter a conferência do Celam em Aparecida?

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Jon Sobrino: censurado pelo VaticanoFoto: picture-alliance/ dpa

Acredito que não. Na minha opinião, o papa não tem nada a ver com isso. Os três cardeais latino-americanos que pertencem à Cúria Romana, principalmente o colombiano Alfonso Lopez Trujillo [os outros dois são Darío Castrillón Hoyos, da Colômbia, e Lozano de Barragán, do México], decidiram perseguir teólogos. Trujillo citou os nomes de Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino e Leonardo Boff. Esses cardeais queriam de alguma forma abrir caminho para a visita do papa. Mas a censura foi mal recebida. Atacar dessa forma um dos melhores teólogos da América Latina deveria ser uma vergonha para esses cardeais e para a Igreja romana.

O papa é hoje mais aberto à Teologia da Libertação do que o clero conservador da América Latina?

O papa deu o assunto Teologia da Libertação por encerrado em 1986. Ele nunca mais retornou ao tema. A Igreja disse o que tinha a dizer. Mas aqui e ali ainda se sente – e eu suponho que Roma sabe – que a luta contra a Teologia da Libertação não teve êxito. Porque essa teologia continua presente em todo lugar, uma vez que persistem no mundo a pobreza e a problemática da exploração da Terra. E exatamente essa teologia é adequada para dar uma resposta a esses desafios.

Em seu livro "Jesus de Nazaré", Ratzinger diz um não ao "Jesus político" e assim à "Igreja politizada". Isso é mais uma advertência aos católicos politicamente engajados na América Latina?

Queira-se ou não, Jesus tinha uma dimensão política. Ele morreu pregado na cruz por causa de sua atividade, por sua opção pelos pobres, por sua confrontação com as correntes religiosas daquele tempo. Por isso, ele tem uma dimensão política irrefutável. Quando não se vê essa dimensão política, não se vê o Jesus histórico e se transforma Jesus Cristo num mito.

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Problemas sociais e crise da Igreja

O porta-voz do Celam, David Gutierrez, disse recentemente que, apesar dos governos esquerdistas, em muitos países da América Latina a desigualdade social aumentou. O que o papa deveria dizer a Lula no encontro com o presidente brasileiro?

A América Latina é o continente mais desigual do mundo. A África é mais pobre, mas não tão desigual como a América Latina. Por isso, se o papa não tratar desse assunto, ele estará evitando algo muito importante. E nós esperamos que ouça os condenados desta Terra.

Diz-se que esta será uma visita mais pastoral do que política. Uma das grandes preocupações da Igreja Católica na América Latina, especialmente no Brasil, é a fuga de fiéis e o crescimento das igrejas pentecostais. Como a Igreja reage?

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Expectativa em relação à visita do papa é grandeFoto: AP

A Igreja ligou o alarme porque no Brasil 1% dos católicos abandonam por ano suas fileiras em direção às igrejas pentecostais. Penso que a culpa é da própria Igreja porque sua estrutura é muito rígida, hierárquica. A inovação litúrgica é proibida. Novas formas de acesso ao povo são muito controladas. Essa situação faz com que muitos católicos não se sintam mais em casa na sua Igreja e procurem outras formas de expressão religiosa mais acessíveis. Além disso, nós precisamos de 100 mil padres para os 140 milhões de católicos, mas só temos 18 mil, quase a metade estrangeira. Institucionalmente, a Igreja enfrenta uma grande catástrofe. Ela só poderá manter seus fiéis caso se abra para o povo, para as comunidades de base, para os leigos, que também podem assumir responsabilidades.

O que o senhor diz da acusação de que a Teologia da Libertação é co-responsável pela fuga de fiéis, porque ela teria se preocupado demais com a política em detrimento da espiritualidade?

Isso é discurso dos adversários da Teologia da Libertação. A maioria deles sequer leu uma única linha dessa teologia. Estatisticamente, onde é seguida a Teologia da Libertação, é maior o número dos católicos que permanecem na Igreja. Onde as comunidades de base são proibidas, como no Rio de Janeiro, as igrejas pentecostais têm o maior crescimento. Não é verdade que a Teologia da Libertação só faz política. Os únicos teólogos que aqui escrevem sobre espiritualidade, oração, contemplação etc somos nós, os teólogos da libertação.

O senhor falou da importância de abrir espaço para os leigos. O que salta aos olhos na lista dos 266 convidados (observadores, peritos etc) para a conferência de Aparecida é que há menos de 30 mulheres. O que o senhor acha disso?

Isso é ruim. E o pior é que não foi convidado nenhum representante das 80 mil comunidades de base, que representam a parte mais viva da Igreja. Também não foi convidado ninguém da teologia pastoral, isso é, da pastoral dos índios, dos negros, dos sem-terra etc. A ausência de mulheres é quase uma tradição porque, para a Igreja institucionalizada, elas são importantes para o trabalho na base, mas não para participar de decisões.

Polêmica do aborto

Oficialmente, a visita do papa também se destina a fortalecer a autoconfiança dos católicos, por exemplo, para enfrentar mais ofensivamente a tendência à legalização do aborto na América Latina. No mês passado, a Cidade do México fez essa legalização, apesar dos protestos de Roma. A Igreja pode conter essa tendência?

A questão do aborto é uma questão fechada para a Igreja mundial. A Igreja é decididamente contra o aborto e pela vida das crianças. Essa é a doutrina oficial que todo bispo, padre ou teólogo é obrigado a seguir. Eu acho que, numa sociedade democrática, a Igreja tem o direito de manifestar sua opinião, de lutar por ela, mas ao mesmo tempo precisa respeitar a outra posição. E quando, como ocorre em Portugal, na Espanha ou na católica Polônia, o aborto é aceito pelo Estado e pela sociedade, a Igreja deve tentar minimizar os males e acompanhar as pessoas que querem fazer o aborto, como acontece na Alemanha, para que essas pessoas reflitam seriamente sobre o assunto e, talvez, coloquem a opção pela vida no centro da decisão. Como católico e teólogo também sou contra o aborto, por considerá-lo um ato de violência contra a vida. Sei que no Brasil quase 1 milhão de mulheres morrem por ano devido a aborto malfeitos. O Estado precisa reagir a essa situação. E a Igreja, mesmo que seja contra o aborto, precisa ter uma espécie de pastoral para essas mulheres. Mas se trata de um problema complexo sobre o qual também não tenho muita clareza.

Um outro assunto: Bento 16 empenha-se pelo diálogo inter-religioso. O que ele pode aprender da América Latina nessa área?

Nós introduzimos aqui uma espécie de ecumenismo de base. Quando diferentes igrejas se unem em torno da temática da pobreza, da desigualdade social, da temática ecológica e elaboram uma posição comum, então surge uma grande cooperação. As diferenças teológicas, que desempenham um papel na Europa, para nós quase não têm significado. Nós trabalhamos juntos a serviço do povo, para melhorar as condições sociais, para melhorar o mundo. Esta é a principal tarefa do cristianismo: a articulação das diferentes igrejas. O cristianismo precisa ser uma coisa boa para as pessoas, um incentivo à esperança, à cooperação e à preservação da criação.

Um ponto alto da visita do papa é a canonização de Frei Galvão. Quais os critérios do Vaticano que predominam nas canonizações?

Papst Benedikt besucht Brasilien Vorbereitungen
Frei Galvao: cristianismo de culto?Foto: AP

Os critérios são muito flexíveis. No pontificado de João Paulo 2º houve 5 mil beatificações e canonizações. Esse franciscano será o primeiro santo brasileiro, e o bom é que ele defendeu os escravos. Mas ele não é uma referência na consciência do povo. Aí haveria outros nomes, como Padre Cícero, Frei Damião ou dom Hélder Câmara. O fato de se tratar de um franciscano, que era muito pobre, é um bom sinal de que a Igreja deveria dar continuidade a essa linha.

Frei Galvão poderá atrair uma nova onda de fiéis à Igreja, como esperam muitos bispos?

Penso que, através de Frei Galvão, é muito defendido um cristianismo de culto. Mas o que nós precisamos é de um cristianismo engajado, consciente de que, junto com sua função religiosa, a Igreja tem uma missão na sociedade. Ela precisa ajudar, junto com outras forças, a reduzir a pobreza e impedir que a desigualdade continue tão escandalosa. Nesse sentido, precisamos de outras figuras que representem melhor essa mensagem.

Bento 16 também terá um encontro com jovens no centro de reabilitação de drogados, na Fazenda da Esperança em Guaratinguetá, um projeto de ajuda iniciado pelo franciscano alemão Hans Stapel. O que a Igreja pode fazer na luta contra as drogas?

Alegro-me que o papa visite essa fazenda. Hans Stapel foi meu discípulo na Teologia. Ele assumiu essa dimensão libertadora da pastoral e trabalha com os dependentes de drogas. Esse é um dos maiores problemas do Brasil, principalmente nas favelas, onde reinam as grandes máfias das drogas. Trata-se de um desafio para a Igreja, mais ainda para o governo. É uma situação que, a meu ver, revela as últimas conseqüências da escravidão, da marginalização de grande parte do povo. E não poderá ser resolvida nesta geração da Igreja e do governo. É um desafio para uma sociedade mais participativa, na qual a Igreja atue mais dentro das favelas – não de fora. Os meios são a formação de comunidades de base e a criação de grupos bíblicos – já temos 500 mil desses grupos no Brasil. Onde essas pequenas instituições estão presentes quase não há dependentes de drogas.