Blogs na guerra
22 de agosto de 2008Escrever todos os dias à noite faz bem para aquele que escreve – principalmente em fases difíceis da vida o hábito de escrever um diário é bastante recomendado por psicólogos. Também psicólogos militares são a favor de que soldados escrevam sobre aquilo que vivenciaram. Mas não quando o palco para isso é a internet.
Somente no portal milblogging.com existem atualmente 2.079 blogs escritos por oficiais de 38 nacionalidades. Destes, os blogueiros mais compulsivos são os norte-americanos, com 1.384 blogs hospedados no site. Quarenta e dois soldados alemães mantêm um blog no mesmo site, assim como cinco franceses.
Fonte de informação alternativa
Apesar de escrever blogs ainda não ser algo tão disseminado entre os europeus como entre os norte-americanos, os estrategistas militares da Europa vêem com preocupação o hábito dos colegas da América do Norte.
Nos Estados Unidos os blogs são uma fonte alternativa de informação, paralela à cobertura normal de guerra: neles, os soldados blogueiros contam detalhes de guerra que nem mesmo os jornalistas que reportam diretamente dos frontes de batalha têm permissão para fazer.
As Forças Armadas dos Estados Unidos declararam em maio de 2007 querer controlar textos, fotografias e vídeos dos soldados blogueiros, além de barrar o acesso dos militares a sites como YouTube.
Esse intuito foi oficializado um dia antes da entrega do Prêmio Lulu Buzzel ao soldado Colby Buzzel, autor do blog "My war: Killing Time in Iraq" (Minha guerra: matando o tempo no Iraque).
O altamente elogiado blog – que fala sobre morte, destruição e tédio e é traduzido em sete idiomas – é uma prova do quão difícil é frear a necessidade dos soldados em "se abrir" e escancarar sobre seus problemas.
Euforia, frustração e tédio
Alguns deles colocam fotos na internet, nas quais posam orgulhosamente com armas. A simples descrição da vista de uma janela pode revelar segredos militares.
Enquanto alguns soldados escrevem euforicamente em seus diários eletrônicos sobre suas atuações militares, outros escrevem sobre frustração e tédio. "Eu só espero que o tempo passe logo. Aos poucos não dá mais", escreve um soldado francês no Afeganistão.
"Quantos de nós seremos riscados por nossos amigos e familiares por termos recebido ordens para matar pessoas a sangue frio?", pergunta um outro soldado francês em seu blog.
Por enquanto esses ainda são casos isolados na França. Ainda assim a cúpula militar francesa quer desacelerar esse processo. Desta forma, soldados franceses que cultivam o hábito de publicar blogs na internet deverão ser mais cuidadosos no futuro, principalmente em relação a informações sobre equipamentos e locais das atuações militares.
Esta é a ordem dada pelo atual chefe do estado-maior do Exército francês, Elrick Irastorza, numa diretriz de julho de 2008. Segundo o documento, a disseminação de informações sigilosas em blogs e fóruns na internet prejudica as operações militares, além de pôr em risco tanto a vida de soldados nas regiões de atuação militar quanto a de seus familiares em casa.
Proporções exageradas
Christian Dienst, porta-voz do Ministério alemão da Defesa, admite ser difícil controlar os soldados blogueiros, se não "impossível".
Na Alemanha ainda não há nenhum regulamento ou lei que seja específica para o hábito de escrever em blogs. Ainda assim há uma cláusula contratual que proíbe aos soldados alemães tornar públicas informações sobre segredos militares. Os oficiais também não podem dar qualquer tipo de declaração que manche a imagem das Forças Armadas.
Dienst não descarta a possiblidade de o Ministério de Defesa recorrer ao uso de diretrizes, a exemplo da França, caso o hábito de escrever em blogs se consolide entre os oficiais alemães.
Caso os soldados blogueiros realmente não queiram abrir mão de escrever em seus blogs, então seria melhor que o fizessem através de pseudônimos, e não com seus nomes reais. "Pseudônimos protegem os soldados blogueiros e também seus familiares, por exemplo, contra ataques terroristas", diz Dienst.
O problema dos diários virtuais é que o efeito das impressões subjetivas de alguns soldados multiplica-se quando essas são publicadas na internet. "Qualquer coisinha pequena adquire proporções exageradas […], e na política interna o conteúdo dos blogs pode tornar-se instrumento no jogo de interesses entre partidos políticos."
Dienst alude com isso ao blog "Endstation Kabul" (Última parada Cabul), de Achim Wohlgethan, o diário eletrônico de um ex-soldado alemão que não poupa críticas aos equipamentos das Forças Armadas Alemãs no Afeganistão.
"Autores de diários escrevem sob um ponto de vista pessoal e disseminam por isso não raramente somente meias verdades", acredita o porta-voz. Além disso, por causa da falta de conhecimento sobre contextos políticos soldados blogueiros podem publicar informações sigilosas úteis a terroristas.
Barômetro do moral
O psicólogo Carsten Reil, que trabalhou junto às tropas alemãs na Bósnia e no Afeganistão, considera o hábito de se escrever diários uma boa idéia – a publicação na internet nem tanto.
O estreito contato com o lar, propiciado pela internet e pela constante troca de telefonemas, é prejudicial à psique dos soldados, já que a vivência dos soldados sobrecarrega os familiares em casa, diz ele. Muitas vezes a comunicação por e-mail ou por telefone é permeada por atritos.
Durante o tempo em que os soldados estão nos campos de guerra muitos relacionamentos ameaçam desmoronar. E aí o soldado concentra-se tanto em seus problemas pessoais que a sua atuação acaba sendo prejudicada, relata o psicólogo.
Milhares de soldados blogueiros escrevem diariamente na internet sobre suas vivências. Apesar da dificuldade em racionalizar os relatos subjetivos, eles conferem ainda assim um pouco de elemento humano à cobertura de guerra.
Esta é provavelmente a razão pela qual o Ministério alemão de Defesa acompanha de perto os blogs de alguns soldados no Afeganistão. Esses blogs servem para o ministério principalmente como barômetro para o moral da tropa.