Energia
6 de abril de 2007Em um artigo publicado recentemente no diário Granma, o presidente cubano Fidel Castro – para além de sua tradicional crítica aos Estados Unidos – considerou a produção de etanol como sendo parte da injusta distribuição da economia mundial.
Com base nas declarações de Castro, DW-WORLD conversou com Hans Josef Fell, porta-voz do Partido Verde no Parlamento alemão para questões de energia e tecnologia. Fell pertence ao espectro de esquerda da câmara e é vice-presidente da ONG Eurosolar.
DW-WORLD: Castro escreveu que a produção de etanol é um "desperdício de cereais", que "só serve para que os países ricos poupem menos de 15% do consumo anual de seus automóveis vorazes".
Hans Josef Fell: Essa é uma visão simplista. Os combustíveis ecológicos provêm de diversas fontes: de óleos vegetais, do etanol ou do biogás. Na maioria dos casos, o etanol é produzido a partir de cereais energéticos – entre outros, como o milho – que pertencem à indústria alimentícia: este não é o futuro. Não se deve criar concorrência com a produção de alimentos.
O etanol tem que ser elaborado a partir da planta completa, seguindo procedimentos modernos que permitem que os cereais e as sementes continuem servindo como alimento, enquanto as folhas e os caules sejam utilizados na produção de combustíveis.
Até agora, Fidel Castro não contribuiu para conter as mudanças climáticas e continua usando combustíveis fósseis, e portanto não tem nenhuma legitimação para manifestar uma crítica como essa.
Concretamente, a definição que Castro dá à expansão mundial do uso de bioetanol é de "internacionalização do genocídio".
O genocídio é produzido, em primeiro lugar, pelas energias tradicionais. Já vimos como o câmbio climático ameaça massivamente os povos indígenas: basta observar as recentes inundações na Bolívia, que custaram a vida a tanta gente. São estas as circunstâncias genocidas e os combustíveis ecológicos não chegam a este nível. Fidel Castro tem que reconhecer a realidade: genocídio é continuar apostando em combustíveis fósseis.
Em seu artigo, Fidel Castro se pergunta quem vai fornecer as quase 700 toneladas de cereais de que os países industrializados necessitam para produzir bioetanol. Quem irá fornecê-las?
Por si só, os combustíveis ecológicos não são a solução, mas, sim, em combinação com as energias renováveis. Com elas, a quantidade de combustível necessária diminui e desaparece o problema da escassez de solo cultivável.
A tese sustentada por Castro é de que os países mais pobres serão novamente condenados a meros fornecedores de matérias-primas baratas.
Castro tem razão em que os países do Sul não devem se converter em fornecedores de matéria-prima em situação de dumping social, tal como acontece na indústria alimentícia. Temos que estabelecer certificações de origem para combustíveis ecológicos, cuja base seja a existência de um cultivo social e ecologicamente justo.
E isso é possível. Por exemplo, Lula, o presidente do Brasil, deu início a um programa que outorga terrenos fortemente erodidos a trabalhadores rurais sem terra. Neles pode-se plantar palmeiras, que permitem a regeneração do solo e cujo óleo pode ser extraído para a produção de combustíveis ecológicos.
Os investimentos de Lula no etanol também foram alvo das críticas de Fidel. Da fato, a questão no Brasil também não está isenta de problemas: redução das reservas indígenas, desmatamento florestal…
A certificação a que me referi e que deveria servir de base para o comércio mundial de combustíveis ecológicos deveria impor como condição fundamental que não se destrua florestas para o cultivo de cereais. Porém, não se deve esquecer que as selvas estão hoje ameaçadas por diversos outros fatores: a produção de petróleo, que explora os solos, está reduzindo seu tamanho e temos exemplos disso no Equador, no Brasil, na Colômbia. E, acima de tudo, a maior ameaça é a mudança climática.
Há muitas estruturas mafiosas em ação, das quais depende muito dinheiro e que não se preocupam em absoluto com questões ecológicas ou sociais. Também o alto consumo de carne nos países industrializados contribui para reduzir as florestas. No Brasil, 100 milhões de hectares são dedicados ao cultivo de pasto. Apenas nove milhões são dedicados a combustíveis ecológicos: sem dúvida, esse número terá que crescer, mas é possível plantar em áreas de solo erodido.
E bastarão estas áreas isoladas para um consumo ecológico mundial?
Sim. As regiões do mundo devastadas pelo desflorestamento, praticamente inúteis para a agricultura, são enormes e, especialmente com o cultivo deste tipo de palmeiras e cereais, é possível regenerar o solo e dar a muita gente uma nova perspectiva.
O importante não é que certas pessoas se convertam em fornecedores de matérias-primas para o mundo industrializado, mas que os países ricos ofereçam aos pobres a possibilidade de gerar benefícios. E a produção de combustíveis ecológicos, se feita de maneira justa, é uma oportunidade.
Para produzir etanol, é preciso uma grande quantidade de energia. Perde-se de um lado o que se poupa de outro?
A energia do Sol é armazenada pelas plantas. Para fazermos uso dela, também precisamos empregar um pouco de energia, que pode ser produzida a partir do Sol, do ar ou da biomassa, num processo ecologicamente impecável. De qualquer forma, a energia consumida na elaboração do etanol é menos prejudicial que a necessária para produzir combustíveis fósseis.
Para terminar, uma pergunta sobre a atual discussão em torno das mudanças climáticas: da noite para o dia, o mundo parece estar cheio de ativistas do Greenpeace. Seu partido passou anos dizendo aquilo que agora todos repetem. Quanto desse debate é pura hipocrisia?
É bom que esse debate exista, mas ele atualmente se limita à descrição do problema. As soluções necessárias não estão sendo discutidas com a mesma intensidade. E a medida fundamental a ser tomada é um passo rápido e completo às energias renováveis. Precisamos ter zero de emissões na atmosfera e não apenas sua redução.