350 mil livros
27 de outubro de 2009Hebreu de sangue, florentino de espírito e hamburguês de coração: com essas palavras o cientista, historiador da arte e pesquisador independente Aby M. Warburg se descrevia para seus amigos.
Entre suas mais importantes contribuições está a Biblioteca de Ciências da Cultura Warburg, também conhecida como "K.B.W.". Em 1926, Warburg pôde inaugurar em Hamburgo sua maior obra, localizada em um novo edifício de qualidade arquitetônica única, como noticiaram os jornais da época.
Venda dos direitos de primogênito
Natural de Hamburgo e de origem judia, Abraham Moritz Warburg financiou sua grande obra através do banco de seu pai e, posteriormente, sobretudo através de seu irmão mais novo Max, que emigrou para os Estados Unidos. "Aos 13 anos de idade, Aby me ofereceu seus direitos de primogênito. Como filho mais velho ele estava predestinado a assumir a firma. Eu tinha então 12 anos e declarei-me de acordo. Mas ele exigiu a promessa de que eu sempre lhe compraria todos os livros de que ele precisasse", lembra Max Warburg.
Ele não imaginava que, através dessa troca, estaria assinando o cheque em branco mais caro de sua vida. Em 1920, já eram bem mais de 20 mil livros.
Personalidade difícil
Aby Warburg trabalhou paralelamente como historiador da arte e pesquisador independente. Sua saúde, no entanto, era instável e ele sofria de depressão. Para os amigos e contemporâneos, era um suave melancólico e um hipocondríaco. que se submetia temporariamente a tratamentos psicoterápicos.
Em 1918, próximo ao fim da Primeira Guerra Mundial, Warburg sofreu um colapso nervoso. Ele foi tomado por fobias, obsessões e alucinações.
História da cultura e do cotidiano
O tema genérico que ocupava Warburg na história da arte e da cultura era o estudo do legado da Antiguidade. Ele realizou trabalhos sobre Botticelli e a pintura florentina, sobre Albrecht Dürer, mas também sobre antigas profecias pagãs em palavras e imagens. O que não lhe interessava nenhum pouco era uma história da arte meramente estetizante.
René Drommert, que durante os anos 1920 trabalhou como bibliotecário estudante na Casa Warburg, relata que um dia estava sentado na sala de seminários da biblioteca, com um exemplar do jornal Hamburger Fremdeblatt do ano de 1915. "De repente, Aby Warburg apareceu, curvou-se sobre a mesa e indicou o anúncio: Procura-se tapete para trocar por farinha de trigo e batata'." "O senhor deve considerar esse tipo de coisa", disse-lhe Warburg, "para formar uma ideia de vida cultural e social".
Centro intelectual
Ainda durante a vida de Warburg, a K.B.W. – situada em Hamburgo na rua Heilwigstrasse 116 – já era considerada um centro intelectual da República de Weimar. E assim ela continuou após sua morte, em 26 de outubro de 1929.
A biblioteca deve sua reputação tanto à coleção de livros raros quando ao sistema de classificação interdisciplinar, que conseguiu aliar as mais diferentes esferas do saber: psicologia e antropologia, teatro, festividades e música, astrologia e astronomia, química e matemática.
No centro, localizava-se a sala de leitura e seminários. "Warburg queria uma elipse", explica o hamburguês Martin Warnke, cientista da cultura e pesquisador de Warburg, "porque o astrônomo Johannes Kepler provara que a Terra e os demais planetas se movimentavam em órbita elíptica".
Transferência para Londres
Muitos cientistas de renome trabalharam na sala de leitura da biblioteca, entre eles, o filósofo Ernst Cassirer, o historiador da arte Erwin Panofsky e o físico Albert Einstein. Segundo Charles Hope, diretor do Instituto Warburg de Londres, era notável a predominância de eruditos judeus.
"Esses cientistas não acreditavam, no entanto, que o fato de serem judeus poderia ter grande influência sobre sua erudição. Para eles, sua origem judaica tinha somente uma importância restrita", explicou Hope. Até a tomada do poder pelos nazistas ameaçar a sobrevivência da K.B.W. e forçar sua transferência para Londres.
Hoje, com o novo nome de The Warburg Institute, essa biblioteca de 350 mil livros ainda está entre os mais importantes acervos europeus na área de ciências humanas.
Autor: Michael Marek (ca)
Revisão: Augusto Valente