Beethoven é arrebatador, afirma Nike Wagner
16 de setembro de 2014Desde janeiro de 2014, Nike Wager é a diretora da Beethovenfest em Bonn, o festival anual que gira em torno da obra do compositor Ludwig van Beethoven.
Nike Wagner não é um nome desconhecido dos amantes da música: ela é tetraneta de Franz Liszt e bisneta de Richard Wagner. Em entrevista à DW, a diretora indica os seus planos para o futuro do festival.
DW: O Beethovenfest de 2014 tem um programa elaborado por sua antecessora. Muitos se perguntam se haveria também a marca de Nike Wagner na programação.
Nike Wagner: O programa estava fechado e havia obrigações contratuais. Mas eu queria deixar algumas marcas minhas. Por exemplo, adicionei um novo formato – uma matinê de abertura com música e uma palestra minha sobre Beethoven e Bonn. A escolha das peças musicais mostrou em que direção meus pensamentos vão em relação ao Beethovenfest. "Bagatela para B" é o nome de uma peça bastante espirituosa escrita por Reiner Bredenmeyer em 1970, com muitos metais e muita ironia. Logo após, um jovem pianista toca as "verdadeiras" bagatelas de Beethoven.
Ao final, pôde-se ouvir uma "Sinfonia de Beethoven" para orquestra de câmara, por Dieter Schnebel, com a presença do próprio compositor. Ele compôs uma releitura suave do primeiro movimento "marcial" da Eroica, destacando cores, sentimentos e até mesmo o humor da obra. Interesso-me em trazer Beethoven para os dias de hoje, e me alegro quando compositores contemporâneos se ocupam dele.
Quais são suas dicas pessoais para o Beethovenfest 2014?
Temos dois jovens dirigentes que são excelentes. Um é Andris Nelsons, que vai executar todas as nove sinfonias com a Orquestra Sinfônica de Birmingham. Alguns podem até pensar que não chega a ser uma programação muito original, mas Nelsons ficou muito satisfeito em poder apresentar Beethoven como um todo, "com seus altos e baixos". Nelsons é um maestro sério e empolgante. E sabe conduzir todas as nove.
O outro é o jovem canadense Yannik Nézet-Séguin, um poço de energia! Qualquer coisa que ele toca se transforma em fogos e luzes. Mesmo coisas mais sóbrias, como a música do fim do romantismo, Mahler ou Strauss. Ninguém deve perder os concertos desses dois maestros. Tampouco devem perder nosso fim de semana de quartetos de cordas, quando três jovens quartetos tocarão juntamente com o famoso Quarteto Kuss. O excelente programa inclui Haydn, Schubert e Janáček.
Em entrevista à DW em março deste ano, a senhora mencionou problemas com o Beethovenfest, relacionados principalmente com o fato de que se pode ouvir as melhores orquestras do mundo tocarem Beethoven, em Londres, Viena e Paris. Assim, ninguém precisa vir para Bonn. Durante a era Nike Wagner, por que as pessoas deveriam vir a Bonn?
Isso não é assim tão simples. A música de Beethoven é tocada em alto nível em todo o mundo. Além disso, ele é associado a Viena. Com Beethoven não se pode ser tão "inconfundível". O que Bonn pode fazer para fortalecer sua imagem como cidade de Beethoven? A cidade possui uma orquestra muito boa, a Orquestra Beethoven de Bonn, mas durante o festival as pessoas querem ouvir as grandes orquestras internacionais, e não há nada de errado nisso.
Por outro lado, há um risco: orquestras que saem em turnês tocam o mesmo programa em todos os lugares. Por isso eu insisto em futuramente fortalecer um conceito central. Temos que criar uma espécie de dramaturgia: relacionar Beethoven a outras obras, tanto antigas como novas ou contemporâneas, oferecer premières mundiais, mostrar a influência de Beethoven na música sinfônica da Europa. Também é importante poder ouvir as diferentes sonoridades em Beethoven, poder confrontar a sonoridade "original" do seu tempo com a sonoridade dos modernos instrumentos.
Minha antecessora fez todo o possível para dar uma reputação internacional ao Beethovenfest. Mas isso só é possível até um determinado ponto, a concorrência das metrópoles é muito grande. Mas o que impede de termos aqui um festival muito especial, mas de forte componente regional? O lema é "pense globalmente, aja localmente".
Beethoven foi um grande modelo para seu bisavô, Richard Wagner. Qual é a presença do compositor na sua vida?
Ele sempre esteve presente na minha juventude: afinal, ele era o único outro compositor cuja música também podia ser executada no Bayreuth Festspielhaus. A adoração de Wagner por Beethoven se tornou uma tradição na nossa família. Hoje eu o admiro também como revolucionário e defensor dos direitos humanos. Mas o músico é arrebatador em sua inquietação: ele nunca estava satisfeito, sempre impulsionava a música adiante. Ele levou todos os gêneros – a sonata ou o quarteto de cordas – aos seus limites, foi um vulcão de criatividade, mas também de seriedade.
Com ele, música não tinha mais nada que ver com entretenimento, ela ganha um status existencial completamente diferente – música tem que ver com a dignidade humana. Alcançar esse ethos elevado sem fazer pregações de dedo em riste é simplesmente fantástico. Em Beethoven, a Alemanha tem um compositor de reputação limpa, em termos políticos e artísticos. É um "embaixador ideal" da cultura, por assim dizer.
Franz Liszt também está muito presente em Bonn. A cidade é próxima da ilha de Nonnenwerth, onde o compositor residiu por um certo tempo. A senhora tem a intenção de celebrá-lo, também?
Liszt adorava Beethoven. Ele praticamente forçou a população de Bonn a se comprometer com Beethoven. Ele pagou a estátua do compositor na cidade e iniciou o Beethovenfest. Além disso, adaptou todas as nove sinfonias para o piano. Em algum momento ele vai constar em meu programa, seus poemas sinfônicos, também. Hector Berlioz, amigo de Liszt, também era um aficionado por Beethoven, por isso também temos que incluí-lo no programa. Todos são maravilhosos compositores europeus herdeiros de Beethoven, cujos trabalhos são muito pouco ouvidos.
Festivais que homenageiam um compositor são inevitavelmente comparados ao de Bayreuth, onde o herói local, Richard Wagner, é celebrado de modo particular. O Beethovenfest teria algo a aprender com Bayreuth, ou a senhora pensa que aquele modelo é obsoleto?
Bayreuth é um caso a parte. Isso tem que ver com o conceito radical de existir uma casa de ópera apenas para a obra de um compositor: Wagner. Sem essa casa, Wagner seria um compositor relativamente normal, executado em casas de ópera de todo o mundo, como Verdi. Ele também não teria sido ideologicamente manipulado na medida que acabou sendo pelo nacional-socialismo.
O caso de Beethoven é completamente diferente. Ele é principalmente um compositor de música instrumental, a ópera Fidelio é uma exceção. Música sinfônica e de câmara estão, basicamente, num nível abstrato. O "titã" Beethoven foi, é claro, usado em celebrações oficiais pelos nazistas, pela Alemanha Oriental e também por Stalin, quase que exclusivamente a Nona!, mas esse tempo se foi.
Nem mesmo uma casa de espetáculos para Beethoven, como planejado em Bonn, poderia gerar uma monomania Beethoven comparável à de Wagner em Bayreuth.
Em 2015, o lema do festival será "Mudanças", em referência às Variações Diabelli de Beethoven. Esse lema já é seu. Teremos no ano que vem um Beethovenfest totalmente novo?
Haverá algumas mudanças nos futuros programas. Mas nem mesmo é possível que se torne um Beethovenfest completamente diferente, senão teríamos que mudar o nome do festival. O tema central continua a ser Beethoven, com foco num programa coerente em torno dele. Mas quero abrir a festa e trabalhar mais de forma interdisciplinar. Isso significa cooperar com o teatro e a ópera, incluir a arte da sonoridade e a dança, oferecer debates sobre temas atuais.
Afinal, vivemos numa sociedade pós-moderna, dividida em muitas culturas. Mas trabalharemos sempre dentro do "espírito" de Beethoven – e esse espírito não vai nos deixar descansar.