Beethoven entre mito e homem: o grande mal entendido
Primeiro, ele jogou vários livros na cabeça de um criado; em seguida, uma poltrona. De arrependimento, nem sombra. "Só assim tive sossego o dia inteiro." E quando um príncipe opinou que em vez de três fagotes bastavam dois, ele respondeu: "Se Sua Alteza assim quer instrumentar, estou cagando". Empregados, a nobreza, seus editores: todos ouviam dele poucas e boas. Um dos biógrafos de Beethoven o intitulou "o gênio grosseiro".
"Van Beethoven, proprietário de cérebro"
A maioria das informações de que dispomos sobre Ludwig van Beethoven nos chegou através de sua correspondência e de seu diário. Ao contrário do contemporâneo Johann Wolfgang von Goethe, com quem não se dava bem.
Em suas cartas, fala da maldade das pessoas e das barreiras de classe que lhe impedem o contato com as damas de seu coração. Ele não se encenava como alma nobre e superior; nem mesmo os amigos eram poupados de seu senso crítico. Certa vez, seu irmão, que adquirira um imóvel, se assinou "Van Beethoven, proprietário de bens". Ludwig replicou: "Van Beethoven, proprietário de cérebro".
Ao príncipe Lichnovsky, um de seus patronos e mecenas, escreveu: "Príncipe, o que vós sois, o sois por acaso e nascimento; o que sou, sou através de mim. Príncipes houve e ainda haverá aos milhares; Beethoven, só há um."
Beethoven para todos
As cartas de Beethoven e seu diário são como uma pedreira, da qual cada um, afinal de contas, acaba retirando aquilo de que necessita no momento. Determinadas declarações suas denotam uma atitude revolucionária; outras, uma postura elitista.
Este fato, acoplado a sua estética musical inovadora, levou a tentativas de recrutamento a posteriori, em parte, absurdas. A Nona sinfonia sublinhou, em 1937, o aniversário de Adolf Hitler. Também a notícia da morte do ditador foi acompanhada, no rádio, pela mesma obra beethoveniana.
Porém, mesmo antes, durante a República de Weimar, Beethoven já era instrumentalizado politicamente. A direita acentuava sua suposta francofobia e via nele uma "titânica natureza guerreira". A esquerda equiparava o caráter revolucionário de sua música a seu efeito político.
Um uso que se prolongou durante a antiga República Democrática Alemã. Após a Segunda Guerra Mundial, o compositor foi recrutado a serviço do regime comunista: Beethoven como guerreiro pela paz mundial.
Músico temperamental?
Contudo, é totalmente fora de propósito procurar no próprio Beethoven metas políticas concretas. Suas declarações são díspares demais para permitir tal coisa. Ele estava apenas preocupado com os novos caminhos da música – caminhos, aliás, que lhe traziam polpuda recompensa financeira.
Beethoven era conhecido por seu instinto para negócios. Entretanto, vivia numa casa em péssimo estado, nos arredores de Viena, e pouco ligava para a própria aparência. Para seus contemporâneos, devia parecer absolutamente anticonvencional.
Ele permaneceu solteiro, vivendo para sua música: de manhã, compor; ao meio-dia, comer bem; à tarde, passear. Na percepção de muitos, ficou gravada até hoje a imagem do artista excepcional, porém difícil do ponto de vista humano. Ela é reforçada pelas centenas de quadros e bustos de um homem sisudo, de cabelos em alvoroço e olhar penetrante.
Contudo, muitas vezes a posteridade esquece até que ponto essa rispidez se devia à grande tragédia da vida de Beethoven: sua surdez.
Deficiência torturante
Ludwig van Beethoven tinha pouco mais de 30 anos quando ficou óbvia a impossibilidade de esconder sua progressiva deficiência auditiva. Um músico surdo?
"Meus ouvidos ribombam dia e noite sem parar", escreve. O compositor pensa em suicídio, se afasta dos outros seres humanos. Chega a redigir uma carta de despedida, que, no entanto, não envia. Nela se encontra uma das mais conhecidas frases de Beethoven sobre si mesmo:
"Oh, homens, que me considerais hostil, intratável e misantropo, que injustiça cometeis comigo."